Brasil na contramão

Enchentes na Bahia trazem debate sobre ocupação do solo em áreas urbanas

Na mesma semana em que chuvas intensas deixaram dezenas de municípios em situação de emergência na Bahia e em Minas, deputados aprovaram projeto que permite desmatar margens de rios nas cidades

Gil Leonardi/Imprensa MG/Divulgação
Gil Leonardi/Imprensa MG/Divulgação
Pelo menos 50 cidades da Bahia e Minas Gerais estão em estado de emergência por conta de chuvas intensas

São Paulo – Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy vê relação entre enchentes registradas no sul da Bahia e no norte de Minas Gerais com as mudanças climáticas que colocam em risco ocupações próximas a áreas de rios. Em entrevista a Marilu Cabañas, na edição desta segunda-feira (13) do Jornal Brasil Atual, o especialista alertou que a situação de emergência comprova que o Projeto de Lei (PL) 2.510/2019, aprovado na última semana pela Câmara, “está na contramão” da proteção da sociedade ao permitir que as margens de rios nas cidades sejam desmatadas e ocupações irregulares consolidadas a critério do Legislativo municipal. 

De acordo com Bocuhy, o Brasil deveria adotar uma lógica de uso de ocupação dos solos, principalmente em áreas urbanas, de maior restrição na proximidade de corpos d’água. Do contrário, desastres como os registrados nos municípios baianos e mineiros podem se repetir. As chuvas intensas começaram a cair na região entre os dias 6 e 7 e provocaram enchentes que atingiram diretamente 75 mil pessoas nos dois estados. Segundo balanço mais recente dos governos estaduais, ao menos seis pessoas já morreram e 175 estão feridas. 

Pelo menos 50 cidades est˜ão em estado de emergência. Na Bahia, há ainda 6,4 mil pessoas desalojadas e 3,7 mil desabrigadas. Minas Gerais também contabiliza desde quarta (8) 5,5 mil desalojados e 1,7 mil desabrigados apenas no Vale do Jequitinhonha e Mucuri, regiões mais afetadas. 

População e ambiente desprotegidos

“É importante compreender que mudanças climáticas significam uma alteração na natureza, no ciclo climático. O que pode ser tanto de fator extremo, ter seca, não chover e quando chove, chove de forma muita intensa e concentrada. Essa é a tendência que se apresenta nesse cenário de mudanças climáticas e o que aconteceu na Bahia foi isso. Essa intempestividade do clima promove chuvas excessivas e concentradas em pouco período de tempo”, explica o presidente do Proam. 

“Hoje a lógica do uso e da ocupação dos solos, principalmente em áreas urbanas, seria de uma maior restrição na proximidade de corpos d’água. Essa é a tendência global e não adianta fugir daquilo que a ciência diz. Mas, infelizmente, nosso Legislativo federal acabou adotando uma postura completamente dissociada daquilo que a ciência diz”, acrescenta.

Atualmente, o Código Florestal fixa faixas marginais que variam de 30 a 500 metros conforme a largura dos rios, considerando-as áreas de preservação permanente (APP). Os senadores propunham que fosse mantida uma faixa mínima de 15 metros de APP no entorno das áreas ocupadas. Os deputados, no entanto, retiraram esse limite. E o PL, que foi enviado à sanção presidencial, seguiu sem a aprovação de uma metragem mínima. 

Lucro do setor imobiliário

Na prática, a mudança permitirá maior ocupação das margens de rios nas cidades com prejuízos à mata ciliar, responsável pela proteção da água. Para Bocuhy, o PL também promoverá maior lucratividade ao setor imobiliário que poderá comercializar essas áreas. O custo desse processo, no entanto, pesará sobre a população, conforme adverte. “Não tenho dúvidas de que está na raiz desse processo a pressão imobiliária de uso e venda dessas áreas que são vitais para a proteção das cidades”, comenta. 

“Mas o que ocorre quando você adota uma norma inadequada de uso e ocupação dos solos em área urbana é que essas regiões vão ser rapidamente comercializadas e ocupadas. E para reverter esse processo haverá um custo altíssimo para o poder público do ponto de vista de defesa civil”, conclui o presidente do Proam. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção