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Crime da Samarco: cinco anos sem reparação às vítimas da lama

Nesses anos, a vítimas da Samarco continuam sem suas casas, perderam empregos, adoeceram e enfrentam a violência trazida pelos traumas da lama

Bruno Gava
Bruno Gava
Ato na praia Regência, em Linhares, norte do Espírito Santo. Lama da Samarco chegou lá

São Paulo – Vítimas do crime socioambiental da Samarco, ocorrido em 5 de novembro de 2015, são vítimas também da injustiça. Passados cinco anos, a situação dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, só piorou. Ninguém, entre os que tiveram casas devastadas pela lama de rejeitos da mineração, teve volta o seu teto. Centenas de famílias ainda lutam para que as mineradoras Vale e BHP, controladoras da Samarco, as reconheçam como atingidas – tanto que nem todas foram cadastradas. O que dirá ter a devida reparação. Além das 19 pessoas mortas, da dor pela perda dos entes queridos e do trauma pela completa destruição do pouco que conseguiram construir com muita dificuldade, ficaram as doenças, o desemprego, a falta de renda e a luta pela reconstrução de suas vidas e, principalmente, por justiça.

De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ao longo dos 670 quilômetros de extensão do Rio Doce e parte do litoral do estado do Espirito Santo, são pelo menos 500 mil pessoas atingidas. Dessas, apenas 95 mil foram cadastradas. E só 19 mil recebem o auxílio financeiro emergencial, apesar do comprometimento da pesca e agricultura em muitas localidades da bacia que perduram. Centenas de famílias continuam morando em casas alugadas, de parentes.

Ainda segundo lideranças do movimento, a população é vítima também da omissão dos estados, Minas Gerais e Espírito Santo, que transferiram sua responsabilidade na gestão do crime para uma fundação privada, a Renova. A fundação foi criada, organizada e gestada pelas empresas proprietárias da Samarco para reparar os danos e construir casas. Mas age para dividir e enfraquecer a luta. E tira proveito da morosidade da Justiça e da situação desesperadora de muitas famílias que assinam acordos indecorosos.

Comunidades destruídas

Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), um acordo firmado dois anos após o rompimento da barragem previa o reassentamento das comunidades destruídas. O prazo expirava em agosto passado. Mas as mineradoras já haviam recorrido da decisão.

A construção de cinco casas, da escola, do posto de serviços e do posto de saúde no novo distrito de Bento Rodrigues, o primeiro e mais afetado pela lama, ainda estava em andamento em outubro. De acordo com o MPMG, ao todo serão reassentadas 211 famílias. O projeto urbanístico foi aprovado em fevereiro de 2018 em assembleia dos atingidos, tendo a Fundação Renova iniciado as obras de infraestrutura só em janeiro do ano passado e a construção da primeira casa somente após sete meses.

Outro distrito totalmente destruído pela lama, Paracatu de Baixo tem situação semelhante a Bento Rodrigues. Somente agora estão sendo feitos serviços de terraplenagem das vias de acesso e das áreas dos lotes, contenções, obras de bueiros de drenagm, adutora de água tratada e rede de esgoto para só depois de prontos começar a construção das casas para 97 famílias. Os projetos foram aprovados em em 2018, segundo o MPMG.

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Casa coberta pela lama da Samarco em Bento Rodrigues. (Foto: MAB)

Nesse dia dedicado a denunciar tamanha negligência, atingidos pela lama da Samarco realizaram atos em diversas localidades. Pela manhã, houve caminhada por pontos em Bento Rodrigues, que teve casas engolidas pela lama. Os manifestantes colocaram faixas chamando atenção para a necessidade da construção de moradias dignas, mas também para que a Justiça aja com celeridade na defesa dos direitos dos atingidos. O ato lembrou, em especial, os mortos, os que perderam suas casas e seus empregos e ainda enfrentam problemas de saúde, de abastecimento de água e de segurança.

Engolidas pela lama

Vítimas caminharam também no bairro Gesteira, em Barra Longa. Reivindicaram a reparação dos danos causados nas vidas das famílias. Como acontece em diversos pontos da bacia do Rio Doce, há em Gesteira um grande o número de famílias excluídas do cadastro das mineradoras responsáveis pelo rompimento da barragem. Ou seja, que não terão suas casas de volta.

Ato em frente do escritório da Renova, em Mariana, cobra reparação às vítimas. (Foto: MAB)

Houve manifestações também em Brumadinho, onde uma barragem da Vale rompeu-se em 25 de janeiro de 2019, matando 260 pessoas e deixando 11 desaparecidas. Para chamar atenção para os crimes impunes da Vale, manifestantes fecharam simbolicamente estradas em Betim e São Joaquim de Bicas, na bacia do Rio Paraopeba. Além da reivindicação de reparação para as vítimas da barragem em Mariana, os atingidos cobraram participação popular no acordo proposto pelo governo de Romeu Zema (Novo) com a Vale.

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Manifestação na praia Regência, em Linhares, Espírito Santo. (Foto: MAB)

A praia Regência, em Linhares, no norte do Espírito Santo, também teve manifestação pela manhã. Representantes da população atingida em todo o estado fizeram coro às manifestações realizadas em Minas Gerais. Nas faixas, mensagens para chamar a atenção para o que aconteceu há cinco anos em Mariana. “Não foi acidente. A Vale mata rio, mata peixe, mata gente”.

No final da tarde, um ato político-cultural foi realizado no centro da cidade de Ipatinga e de Mariana, para homenagear os mortos.

Outro lado

A Fundação Renova divulgou uma carta às comunidades da bacia do Rio Doce, “reafirmando solidariedade” às pessoas, famílias e comunidades atingidas e “reforçando seu compromisso com a reparação” dos impactos. Segundo a carta, cerca de quatro milhões “participaram” da “busca por melhores soluções”. Entre eles especialistas de diversas áreas de conhecimento, dezenas de entidades de atuação social, ambiental e econômica e organizações que são referência na produção científica do Brasil e do mundo.

A Renova afirma que mais de R$ 10 bilhões foram destinados para ações reparatórias e compensatórias. R$ 2,65 bilhões teriam sido pagos em indenizações e auxílio financeiro emergencial para mais de 321 mil pessoas. E que “decisões recentes do Judiciário permitiram” avanços no pagamento dos casos em que as pessoas têm dificuldade em comprovar seus danos e das categorias informais. E que a expectativa é concluir o processo de indenização “em breve”.

A entidade afirma ainda que “segue firme” com o compromisso com a “reparação da bacia do rio Doce, sua gente, suas histórias, seus modos de vida, suas águas e suas terras”. E que segue “adiante com senso de urgência e responsabilidade” na reparação.

Primeiro crime

Em dezembro passado, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reconheceu o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, como o primeiro crime ambiental brasileiro classificado como violação de direitos humanos. Foi a primeira vez que o conselho reconheceu tal crime como violação de direitos humanos de excepcional gravidade. Isso significa que o crime da Samarco é equivalente ao “crime contra a humanidade” no âmbito do Tribunal Penal Internacional. 

Em setembro de 2019, a Justiça Federal de Ponte Nova rejeitou por completo denúncia de crime de homicídio por acusados ligados à direção e conselhos da Samarco. Se a decisão for mantida, ninguém responderá pela morte das 19 pessoas em Mariana.