Batalha vitoriosa

Ibama arquiva pedido de licença para mina de urânio no Ceará

Órgão considerou que o empreendimento é inviável do ponto de vista ambiental

Reprodução/Youtube

O projeto previa a produção anual de 1.600 toneladas de urânio concentrado, para uso em usinas nucleares

São Paulo – O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) negou pedido de licenciamento ambiental para a instalação de um complexo industrial de mineração e beneficiamento de fosfato e urânio no município de Santa Quitéria (CE), a 220 quilômetros de Fortaleza. Em nota, o órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente informou que o processo de licenciamento ambiental foi arquivado em razão da inviabilidade ambiental do estudo apresentado.  

O projeto pertence ao consórcio Santa Quitéria, formado pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e o Grupo Galvani, para implementação do Projeto Santa Quitéria, que prevê a instalação de um complexo industrial dedicado à mineração e beneficiamento de fosfato e urânio, minérios que se encontram associados em reserva localizada no município.

O grupo Galvani, do ramo de fertilizantes, é controlado pela norueguesa Yara. Em atividade no Brasil desde 1977, a companhia tem atuação global, vendendo para 150 países as chamadas “soluções para a agricultura sustentável e o meio ambiente”.

O consórcio previa investimentos de R$ 850 milhões na implantação do empreendimento, para produzir fertilizante fosfatado para a agricultura, fosfato bicálcico, para alimentação animal, e concentrado de urânio, destinado à produção de energia nas usinas nucleares brasileiras. Só de concentrado de urânio, a produção prevista era de 1.600 toneladas anuais.

O empreendimento incluía uma barragem de rejeitos, que deveria ser construída na região – algo semelhante àquelas que ruíram em Mariana e Brumadinho, matando pessoas, animais, rios, destruindo casas, comércios e causando doenças.

Um parecer preliminar do Ibama atestava, entre outras irregularidades, que o projeto não comprovava a viabilidade hídrica, as pilhas de rejeitos deveriam ser feitas em lugares inadequados. Tampouco haviam medidas de mitigação quanto à possível contaminação das comunidades mais próximas e a autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). 

INB tem outra jazida de urânio em Caetité, no interior da Bahia. Desde que entrou em atividade, em 1998, está envolvida em denúncias de irregularidades que explicariam diversos acidentes, como o vazamento de 5.000 m³ de licor de urânio para o ambiente, sete transbordamentos da bacia de barramento, liberando urânio, tório e rádio 226, o rompimento em mantas da bacia de contenção. Como resultado, há mortandade de peixes, contaminação de alimentos e o registro de casos de câncer na população 19 vezes maior que antes da mineração.

O arquivamento do licenciamento pelo Ibama está sendo comemorado por moradores e ativistas. Professora associada do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Maria Rigotto coordena o Núcleo Tramas (Trabalho, Meio Ambiente e Saúde), que juntamente com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Coletivo Urucum de Direitos Humanos e a regional da Cáritas formam a Articulação Antinuclear do Ceará.

“É uma importante decisão, de natureza técnica, reconhecendo as numerosas deficiências do projeto de mineração de urânio e fosfato e a gravidade dos riscos que imporia caso fosse implantado”, diz Raquel.

Ela destaca que o trabalho conjunto entre moradores e associações comunitárias da região, organizações sociais e pesquisadores pôde identificar e levar aos órgãos públicos e sociedade a inviabilidade hídrica do projeto.

“Trata-se de um empreendimento hidrointensivo no semiárido, com os perigos da dispersão de poeira e gases radioativos até áreas remotas, da insegurança da barragem de rejeitos, situada na bacia do rio Curu, além da insalubridade e periculosidade do trabalho na mineração, entre muitos outros riscos. O arquivamento deste processo é um ganho para a saúde da população do Ceará”.