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Interesses econômicos ainda ameaçam sucesso de conferência sobre clima

A seis meses da COP-21, países ainda tentam fechar um acordo que possa dar continuidade ao que foi iniciado com o finado Protocolo de Kyoto e reduzir de uma vez as emissões de gases de efeito estufa

Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

Poluição em São Paulo. Fenômeno mundial que deteriora condições climáticas planetárias facilitado por Estados negligentes

Rio de Janeiro – Celebrado na sexta-feira (5) em todo o mundo, o Dia do Meio Ambiente tem este ano um significado especial em Bonn, na Alemanha, onde diversos chefes de Estado estão em uma das últimas reuniões preparatórias à vigésima primeira edição da Conferência das Partes (COP-21, na sigla em inglês) da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU. A seis meses do encontro marcado para Paris, no qual os 196 países signatários da Convenção terão a difícil missão de fechar um acordo que possa dar continuidade ao que foi iniciado com o finado Protocolo de Kyoto, persistem centenas de colchetes [lacunas em partes não consensuais] no documento prévio da COP-21, assim como o duradouro impasse em relação aos dois principais entraves a um acordo global para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Na mesa de negociações, as divergências estão concentradas nos mesmos temas das últimas cinco COPs realizadas e já são uma ameaça concreta ao objetivo de aprovar em Paris um novo acordo a tempo de ser aplicado a partir de 2020. Não há consenso sobre a definição de metas obrigatórias de redução para países ricos, pobres e “emergentes”. O primeiro grupo, capitaneado pelos Estados Unidos, quer compromissos concretos, sobretudo dos países emergentes. Já as economias em desenvolvimento, o Brasil entre elas, cobra uma participação maior dos países industrializados, considerados responsáveis históricos pelo atual ciclo de aquecimento global, e a aplicação do conceito de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” estabelecido no Protocolo de Kyoto.

A segunda divergência diz respeito à concretização do Fundo do Clima, fundo global criado para permitir a transferência de recursos e tecnologia aos países pobres para o combate e adaptação ao aquecimento do planeta. E, sobretudo, à definição de quais países irão financiar essa iniciativa, já que a meta de alimentar o fundo com US$ 100 bilhões anuais até 2020 está longe de ser alcançada. Anfitriã da reunião em Bonn, a primeira-ministra alemã Angela Merkel anunciou que o país doará 4 bilhões de euros anuais e tem a expectativa de alavancar outros 6 bilhões de euros junto à iniciativa privada. Até o fim do encontro, que prosseguirá até 11 de junho, é possível que outros países do G7 também anunciem valores concretos de contribuição com o Fundo do Clima.

Mas, apesar das reiteradas manifestações de boa-vontade de diversos governantes, o fato é que um acordo pós-Kyoto ainda não está alinhavado. Enquanto isso, cresce a pressão para que cada país defina ao menos suas metas de redução definidas em âmbito doméstico, movimento que tem o apoio de China, EUA e União Europeia, maiores emissores do planeta. No entanto, como ressaltou a anfitriã da reunião de Bonn, a primeira-ministra alemã Angela Merkel, apenas 37 países apresentaram até agora suas propostas de “contribuição nacional”. O limite para a entrega das metas é 30 de outubro, um mês antes do início da COP-21 em Paris.

Na Alemanha, o presidente da França, François Hollande, que presidirá também a COP-21, não escondeu o seu medo de a Conferência redunde em um novo fracasso que acabe por impedir a retomada das bases de Kyoto: “Tudo deverá estar preparado antes do início das tratativas em Paris, mas os documentos simplesmente não estão chegando. Sem eles, não lograremos um acordo que seja global, ambicioso e obrigatório”, disse. Dias antes, Hollande já demonstrava angústia: “Precisamos nos esforçar para realizar uma soma de engajamentos. Entender-se entre 196 países não é uma tarefa simples, é quase um milagre”.

Alertas

Se a diplomacia não avança, o mesmo não se pode dizer dos efeitos do aquecimento dos oceanos e da atmosfera, que vêm fazendo aumentar a incidência de grandes tempestades e desastres naturais. Estudos divulgados recentemente dão o tom de preocupação e urgência para o enfrentamento das mudanças climáticas em curso. Há dez dias, o governo dos EUA, por intermédio da Agência Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês) anunciou que a concentração global de dióxido de carbono na atmosfera atingiu em março a marca recorde de 400 partes por milhão (ppm) nível nunca atingido desde que as medições começaram a ser feitas pelo órgão. Mesmo naturalmente presente na atmosfera, o dióxido de carbono tem sua presença aumentada pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento, aumento a temperatura global.

Outro estudo divulgado em maio foi realizado pela London School of Economics and Political Science, sob a coordenação de Nicholas Stern, autor do célebre Relatório Stern que, em 2006, alertava sobre os prejuízos econômicos trazidos pelas mudanças climáticas. No estudo atual, o inglês faz uma projeção que indica que União Europeia, Estados Unidos e China, que têm 2,2 bilhões de pessoas em uma população global de 7,2 bilhões, provavelmente emitirão juntos entre 21 e 22,3 bilhões de toneladas (gigatoneladas) de CO2 em 2030. Isso equivale a 39% das emissões globais, estimadas entre 57,6 e 59 gigatoneladas de CO2.

Esses números, se concretizados, sepultam as expectativas da ONU de limitar o aquecimento global a dois graus Celsius. Para isso, diz o estudo, as emissões globais anuais devem se manter entre 32 e 44 bilhões de toneladas de dióxido de carbono em 2030: “A magnitude da diferença entre as intenções atuais e a meta internacional de limitar o aquecimento global a um máximo de 2°C mostra claramente que um acordo em Paris terá de incluir mecanismos dinâmicos para a avaliação dos progressos e aumento da ambição”, diz a conclusão do estudo.

Contribuições Nacionais

Com um nome oficial que, traduzido para o português, significa Contribuição Pretendida Nacionalmente Determinada (INDC na sigla em inglês), todas as metas nacionais anunciadas até 30 de outubro deverão ser revisadas periodicamente a partir da COP de Paris. Entre os países que já apresentaram as suas, saiu na frente os EUA, que anunciou a intenção de reduzir até 2025 suas emissões em 26% em relação a 2005. O Japão anunciou a intenção de corte de 20% de suas emissões no período compreendido entre 2013 e 2030. A meta voluntária mais ambiciosa é o da União Europeia, que anunciou a intenção de reduzir “em pelo menos 40%” até 2030 suas emissões em comparação com 1990.

Maior emissora de gases estufa da atualidade, a China ainda não anunciou sua INDC, mas prometeu fazê-lo até o fim de julho. Como aperitivo, o governo chinês anunciou que conseguiu reduzir em 2,9% sua queima de carvão. Na recente visita do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, ao Brasil, no entanto, os dois países se limitaram a fazer uma declaração conjunta onde prometem, sem apresentar nenhum projeto concreto, fazer uma “parceria no enfrentamento das mudanças climáticas”.

Já o governo do Brasil, que foi pioneiro ao apresentar metas voluntárias na COP realizada em Kuala Lumpur, na Malásia, também promete entregar sua INDC até o fim de julho. Segundo informação do Ministério do Meio Ambiente, “as metas se encontram em fase final de consulta junto aos diversos atores sociais envolvidos na discussão desse tema”.