Após ocupação, obras de Belo Monte voltam ao ritmo normal

Indígenas durante ocupação de canteiro de obras de Belo Monte, no Xingu: tentativa de preservar cultura e raízes (CC/International Rivers/Flickr) Rio de Janeiro – A construção da usina hidrelétrica de […]

Indígenas durante ocupação de canteiro de obras de Belo Monte, no Xingu: tentativa de preservar cultura e raízes (CC/International Rivers/Flickr)

Rio de Janeiro – A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, volta ao ritmo normal 25 dias após ter sido paralisada pela ocupação parcial de seu canteiro de obras por cerca de 400 índios de diversas etnias. Mil e seiscentos operários retomaram hoje (16) o trabalho no sítio Pimental, desocupado no fim da semana passada após negociações entre as lideranças indígenas e a direção da Norte Energia S.A. (Nesa), consórcio responsável pela construção da usina no Rio Xingu.

Em reuniões realizadas em separado e acompanhadas por representantes da Secretaria Geral da Presidência da República e da Fundação Nacional do Índio (Funai), o presidente da Nesa, Carlos Nascimento, se comprometeu a atender as reivindicações apresentadas por líderes das etnias Xikrin, Kaiapó, Arara, Juruna e Parakanã. Os indígenas exigem o cumprimento das 38 condicionantes contidas no Plano Básico Ambiental (PBA) do projeto de construção de Belo Monte, como definições fundiárias, retirada dos não índios dos territórios, implantação de sistemas de atendimento na saúde e na educação, adoção de planos para garantir a pesca e a navegabilidade no Rio Xingu e saneamento básico nas aldeias, entre outras.

O cumprimento das condicionantes socioambientais do projeto é dever da Nesa, que tem de seguir as determinações impostas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O órgão ambiental, por sua vez, consulta a Funai sobre os componentes do PBA relativos aos índios. Aprovado pela Funai em 2 de julho após a realização de consultas junto às nove etnias diretamente impactadas pelo projeto nas Terras Indígenas (TI) de Paquiçamba, Arara da Volta Grande, Juruna e Trincheira Bacajá, o PBA ainda não tem um planejamento de operações específico para cada TI ou etnia. 

A Nesa se comprometeu a entregar esse detalhamento às lideranças indígenas em 30 dias. Em nota, afirma que “algumas reivindicações que motivaram a ocupação [do sítio Pimental] serão atendidas imediatamente e outras, pelo acordo, serão discutidas no âmbito de dois comitês: um comitê para monitorar a vazão à jusante do Rio Xingu e outro para acompanhar as condicionantes do PBA”. Os dois comitês, segundo a empresa, devem começar a funcionar na próxima semana.

Com aplicação prevista ao longo de 35 anos, o PBA ainda estará em fase de planejamento e definições nos próximos cinco anos: “Ainda é tempo de incorporar novas propostas”, garante Nascimento. O presidente da Nesa informou aos indígenas que as ações efetivas de mitigação e compensação pelos impactos causados pela construção da usina começarão “daqui mais alguns meses”.

Cooptação financeira

As entidades que compõem o Movimento Xingu Vivo Para Sempre denunciam que o cronograma original de Belo Monte previa que o início da construção da usina somente ocorreria após a aprovação do PBA, o que foi desrespeitado pela Nesa. Agora, já vivendo sob o impacto das obras e sem a definição prévia de medidas compensatórias, os indígenas estariam confusos ou alimentando falsas expectativas sobre o plano. 

Além disso, dizem os ambientalistas, a Nesa estaria aproveitando a confusão para promover um processo de cooptação financeira de diversas lideranças indígenas. Isso teria se refletido na negociação para o fim da ocupação do sítio Pimental, quando foi negociada separadamente com cada etnia a doação de carros, voadeiras (barcos), computadores, aparelhos de tevê, linhas de telefone e máquinas fotográficas. 

“A empresa, que chegou à reunião com vários assessores, em vez de explicar detalhadamente quando e como tomaria as providências devidas para minimizar os impactos sobre as aldeias, ficou discutindo a compra de mercadorias para os índios”, relata Biviany Rojas, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), que presenciou a negociação.

Enquanto o detalhamento do PBA não é definido, um plano emergencial elaborado com o acordo da Funai prevê que cada uma das aldeias impactadas pelo projeto receberá da Nesa R$ 30 mil mensais em produtos e mercadorias até que as condicionantes do plano comecem a ser aplicadas. Esse recurso, que está sendo pago desde setembro de 2010, virou, segundo a crítica feita pelos ambientalistas, uma espécie de indenização informal aos indígenas e vem se juntar ao total de R$ 22 milhões que a Nesa prevê repassar às aldeias até setembro dest e ano.

O resultado das “listas de compra” que os indígenas do Xingu já se habituaram a entregar mensalmente à Nesa, segundo os ambientalistas, é a cooptação de algumas lideranças. “A maior parte das etnias da região vive em situação de isolamento e não recebe assistência suficiente da Funai. Os indígenas são, portanto, vulneráveis a Papai Noel”, afirma Marcelo Salazar, também integrante do ISA.

Carta para Dilma

Uma carta assinada por 65 lideranças dos povos do Xingu que pedem a imediata suspensão da licença de instalação concedida a Nesa para construir Belo Monte foi enviada à presidenta Dilma Rousseff e aos presidentes do Ibama, Volney Zanardi Júnior, e da Funai, Marta Azevedo. O documento cita o descumprimento das condicionantes por parte da empresa, fato que tem “ocasionado enormes prejuízos e violado sistematicamente os direitos fundamentais dos povos indígenas atingidos”.

Também esta semana expirará o prazo dado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região envie informações sobre o estágio em que se encontram todos os processos relativos à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O objetivo do pedido, feito pela corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, é jogar um pouco de luz sobre os processos que envolvem o polêmico projeto, já que até agora apenas uma das 14 ações movidas pelo Ministério Público por conta de supostas irregularidades na execução das obras foi julgada.