Humanidade precisa pensar nas ‘necessidades reais’, alertam economistas

Ricardo Abramovay considera que é ilusão acreditar que inovações tecnológicas darão conta do problema climático (Fotos: Clóvis Fabiano. Instituto Ethos) São Paulo – A poucos dias do começo da Conferência […]

Ricardo Abramovay considera que é ilusão acreditar que inovações tecnológicas darão conta do problema climático (Fotos: Clóvis Fabiano. Instituto Ethos)

São Paulo – A poucos dias do começo da Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, economistas indicam que o nível atual de consumo de parte da humanidade desconhece as necessidades reais e ultrapassa, cada vez mais, os níveis aceitáveis daquilo que é seguro e justo para a sociedade mundial.

O professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da USP Ricardo Abramovay considera que a atual crise civilizatória coloca em debate uma série de desafios para os próximos anos. Para ele, é preciso aumentar a ecoeficiência, ou seja, o impacto ambiental para a confecção dos produtos industriais, mas isso não é suficiente. “É óbvia a importância da inovação voltada à sustentabilidade, mas confiar nessa inovação para que as vinte toneladas caiam para duas toneladas é profissão de fé, e não estatística.”

Durante debate na Conferência Ethos 2012, realizada em São Paulo, o professor do Núcleo de Economia Socioambiental da USP expôs dados indicando que a sociedade precisa diminuir as emissões anuais de gases que provocam o efeito estufa para duas bilhões de toneladas ao ano por pessoa. Hoje, são sete toneladas, com um cidadão dos Estados Unidos tendo uma média de vinte toneladas, contra menos de duas de um indiano, o que coloca a humanidade frente a um novo formato de desigualdade, que não apenas leva em conta o parâmetro ético da disparidade de renda, mas do acesso aos bens materiais.

Com isso, para Abramovay, chega-se ao desafio de produzir mais para a base da pirâmide social, incluindo mais gente na classe média. Por fim, a questão crucial que se atrela ao problema da desigualdade e à ecoeficiência é a real motivação do modo de produção mundial. “Precisamos discutir não como a máquina do sistema econômico vai continuar girando, mas para que ela vai continuar girando. Essa lógica é inaceitável em um mundo de 7 bilhões de habitantes. Temos de fazer a pergunta elemental: para que isso serve? Que bens, que serviços reais estão sendo proporcionados à vida real?”, questionou. “Não se trata de se dizer contra o crescimento econômico. Isso é bobagem. A questão é crescer em qual direção, para usar como os produtos?”

Especialista em empreendedorismo social, o professor avalia que a mudança de lógica na governança global está criando a necessidade de uma participação cada vez maior dos cidadãos na tomada de decisão, o que vem também ampliando a percepção de que os recursos naturais hoje monopolizados pelas empresas são de interesse público. Em outra ponta, ele critica o setor privado por simular um papel aparentemente passivo no estímulo ao consumo desnecessário e inconsciente.

Dowbor considera que apenas uma mudança no sistema global de administração mudará o paradigma

“Um desafio consiste em fazer mais: saneamento, educação, qualidade, cidadania. Mas, de outro lado, precisamos de menos carros, de menos eletricidade, de menos gases que provocam o efeito estufa. A dificuldade, e que me parece fascinante, é que não adianta imaginar que a gente vai fazer mais para depois fazer menos. Não dá tempo. Precisamos de sistemas de governança que nos abram o caminho a respeito da urgência de fazermos menos.”

Governança: simples assim

Também presente ao debate, Ladislau Dowbor, economista da PUC de São Paulo, enfatizou que a questão da mudança na governança global deve ser a chave para o atual momento, de problemas econômicos, desigualdades sociais extremas e esgotamento de recursos naturais, com aumento da temperatura média mundial e elevação do número e do nível de catástrofes ambientais.

Para o professor, a crise financeira – classificada por ele como civilizatória – se mostra como uma oportunidade para expor os defeitos do sistema atual e facilitar as convergências em torno de um novo modelo. “O que funciona é onde as pessoas são organizadas em torno de seus interesses. É simples e democrático assim”, afirmou. “Estamos frente a uma mudança profunda caracterizada por uma crise civilizatória que envolve a mudança cultural. O ritmo de agravamento dos processos é muito mais acelerado do que nossa capacidade de transformação.”

Dowbor considera que o Brasil é fértil em exemplos de problemas na demarcação de prioridades. O sistema de pecuária extensiva, que ocupa muito mais área que a produção de alimentos, é uma das demonstrações de como se precisa repensar o modelo de produção de maneira a criar bons empregos e a valorizar a presença de pessoas na área rural.

Nas cidades, a escolha de administradores que preferem avenidas a soluções de transporte público expõe como o sistema político, guiado por interesses empresariais, deve sofrer uma transformação para que a representação seja feita por cidadãos para cidadãos. “O trânsito de São Paulo é uma tragédia”, diz, calculando as perdas sofridas pelas pessoas presas até três horas ao dia em engarrafamentos. “Somos sociedades ricas. Temos os meios, sabemos administrar empresas, mas não sabemos administrar a articulação em conjunto. Não sabemos fazer a sociedade funcionar. O desafio é de governança.”