Novo diretor do Ibama toma posse sob pressão por Belo Monte

Planalto afirma que hidrelétrica é estratégica para o país, mas obra enfrenta oposição de ambientalistas e índios

No Senado, índios afirmaram ter desistido das negociações com o governo e que Belo Monte pode fazer do Xingu um “rio de sangue” (Foto: Márcia Kalume. Agência Senado)

O ministro de Meio Ambiente, Carlos Minc, deu posse ao novo diretor de Licenciamento Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Pedro Alberto Bignelli ocupou até terça-feira (1º) a superintendência do Ibama em Mato Grosso e chega ao cargo sob pressão para que aprove a licença ambiental da hidrelétrica de Belo Monte, maior empreendimento brasileiro desde Itaipu. Com capacidade de geração de 11 mil megawatts, a usina no Rio Pará é um projeto de décadas que o atual governo pretende levar a cabo, mas enfrenta oposição de movimentos socioambientais e de populações da bacia do Rio Xingu.

No Planalto, a avaliação é de que, sem o projeto, o Brasil não consegue sustentar o crescimento econômico previsto para os próximos anos. O ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, fala – em tom de ameaça – que será preciso recorrer a “fontes sujas” de energia caso Belo Monte não seja rapidamente construída.

Pedro Alberto Bignelli afirmou à reportagem ter participado de uma reunião muito cordial na tarde de quarta (2) com o ministro Minc e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O novo diretor disse ter apresentado suas posições com clareza, mas não quis entrar em detalhes.

Convidado por Minc e pelo presidente do Ibama, Roberto Messias, Bignelli afirma estar inteirado dos processos de licenciamento porque vinha participando de grupos que discutem o tema com organizações não-governamentais e comunidades ribeirinhas.

“A gente sabe que a todo o momento pode ser chamado para colaborar. Belo Monte é mais um dos processos de licenciamento. Há inúmeros processos, esse é mais um”, afirmou.

Bignelli terá a seu lado um novo coordenador-geral de Infraestrutura de Energia Elétrica, ainda não nomeado. O antigo ocupante do cargo, Leozildo Tabajara da Silva Benjamin, foi autorizado a deixar a função na terça-feira (1º) e agora retorna para suas funções na regional do Ibama no Amapá.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, o ex-coordenador não escondeu a irritação com o ministro Lobão, que na opinião dele quer ganhar no grito a licença ambiental de Belo Monte. “O Ibama não é cartório para dar só a licença. A gente precisa autorizar o projeto com um processo sólido, adequado, e depois monitorar tudo isso”, reclama.

Benjamin deixou claro que contaram, para sua decisão, as más condições de trabalho no Ibama, com muita demanda para pouca gente, pressões excessivas e salários considerados baixos: “O que não pode é, com essas condições, quererem que todos os processos saiam adequadamente. Claro que alguns vão ser postergados porque não há capacidade de pessoal para atender a essa demanda”.

O ex-coordenador afirmou não duvidar que o presidente do Ibama, Roberto Messias, acabe por também deixar o cargo. Durante audiência sobre Belo Monte na Comissão de Direitos Humanos do Senado, a ex-ministra Marina Silva afirmou ter informação de que Messias se sente muito desconfortável no cargo, depois das saídas de Sebastião Custódio Pires (diretor de licenciamento) e Leozildo Benjamin. A senadora, agora do PV, afirmou ter informações de que Pires pediria demissão de qualquer maneira por não querer assinar a licença de Belo Monte.

“Querem que analistas ambientais passem por cima da técnica, dos procedimentos legais, e, às vezes, até da ética. É muito grave que um empreendimento dessa magnitude esteja sofrendo pressões, me parecem, políticas”, afirmou.

O atual ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, minimizou as pressões sofridas pelo Ibama. “Não é só com Belo Monte. Houve a mesma discussão com as usinas do Madeira, com as usinas do Tapajós. Mesmo que seja uma hidrelétrica com o melhor critério, que inunde uma área pequena, sempre vai haver uma população local, um ambientalista, contra (a construção)”, afirmou.

O ex-coordenador do Conselho de Superintendentes do Ibama no Nordeste, Raimundo Bonfim Braga, discorda que os responsáveis por licenciamento ambiental não sofram pressões. Seis meses depois de ser exonerado, ele apontou em conversa telefônica que há uma dificuldade em atender os interesses governamentais e das organizações da sociedade civil, além da possibilidade de responder na Justiça por eventuais falhas.

“Caberia ao ministro do Meio Ambiente mediar a questão. Lembro que nos tempos da Marina Silva, ela cuidava disso com muito carinho, chamava para si a responsabilidade. Minc não tem essa preocupação, não presta atenção nas questões do dia-a-dia”, destaca.

Audiência pública

Em audiência pública no Senado, realizada nesta quarta-feira (2) especialistas apresentaram problemas no Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte. Foi a primeira de uma série de audiências sobre o tema planejada pelos parlamentares.

Francisco Del Moral Hernandez, coordenador do núcleo que produziu o estudo intitulado “Análise crítica do impacto ambiental do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte”, questiona até mesmo a viabilidade da obra. Ele considera que a usina provocará danos ao meio ambiente e afetará o modo de vida das pessoas que vivem na região.

Durante o evento foram levantadas críticas às audiências públicas organizadas pelo Ibama. O Ministério Público Federal conseguiu na Justiça o direito de que fossem organizadas novas discussões. A argumentação dos procuradores é de que, nos eventos de setembro, no Pará, houve uma série de irregularidades. Um dos problemas é que foram feitos apenas quatro encontros, o que na visão do MPF deixou de fora muitas comunidades que serão afetadas pelas obras.

O procurador da República em Altamira, Rodrigo Timóteo Costa e Silva, entende que não se levou em conta o impacto de Belo Monte sobre as unidades de conservação.  “O projeto Belo Monte não é de governo, é de Estado, e tem que ser muito discutido com os povos indígenas, os ribeirinhos e outras pessoas afetadas. Discutir Belo Monte é discutir um projeto de desenvolvimento na Amazônia”, destaca.

Também sob ataques ao Ibama ocorreu a primeira audiência pública organizada pelo próprio Ministério Público Federal sobre a hidrelétrica, na terça-feira (1º) em Brasília. O instituto, a Eletrobras e a Funai não enviaram representantes para o debate.

“São ausências significativas, mas não representam fracasso da audiência. É uma oportunidade de o Ministério Público conhecer de perto a situação dos moradores do Xingu e os problemas desse empreendimento. Se não há disposição para o diálogo, buscaremos a via judicial, como sempre fizemos”, disse a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat.

Com informações da Agência Senado, do Ministério Público Federal e da Agência Brasil.