Era Bolsonaro

Advogada questiona postura da Defensoria Pública da União sobre campanha de Damares

Após recomendação de defensores sugerindo a não veiculação de campanha pregando abstinência sexual para prevenir gravidez, DPU divulgou “nota de esclarecimento”

Arquivo/Agência Brasil
Arquivo/Agência Brasil
Damares: “Nossos jovens e adolescentes são seres pensantes. Não vamos colocá-los em uma manada, como se fossem movidos apenas pelo instinto sexual"

São Paulo – A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, faz uma campanha pessoal pelo chamado “Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce”. “Polêmicas à parte, colocamos o Brasil para discutir o tema”, disse a ministra em redes sociais no domingo.  A polêmica cresceu durante a semana. Nesta quarta-feira (5), ela escreveu no Twitter: “Quanta especulação. A campanha nunca foi sobre isso (abstinência sexual). Agora, o Plano de Prevenção à Iniciação Sexual Precoce vai sair”.

Depois que a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública de São Paulo enviaram, na semana passada, uma recomendação ao Ministério da Saúde e ao MMFDH, sugerindo a não veiculação de campanha pregando abstinência sexual como forma de prevenção da gravidez, a própria DPU divulgou “nota de esclarecimento”.

Nela, a DPU afirma que a recomendação contrária à adoção da campanha pelo governo “não representa necessariamente a leitura institucional (da Defensoria) sobre o tema, seja porque a carreira contempla membros com posicionamentos diversos acerca dessa específica política pública, seja porque o Defensor Público-Geral Federal não exarou posicionamento público institucional a respeito da questão”.

A “nota de esclarecimento” da DPU é assinada conjuntamente por defensores públicos estaduais de São Paulo e por dois defensores públicos federais. Ela invoca o princípio da independência funcional dos defensores e foi “retuitada” pela ministra Damares, que aproveitou o pronunciamento do órgão para capitalizar a questão politicamente: “Para quem achava que a Defensoria Pública da União estava contra a campanha (que sequer é destinada a defender ‘abstinência’), segue nota daquela Instituição”, escreveu Damares ao “retuitar” a nota da DPU.

A advogada Viviane Cantarelli, especialista em direitos humanos, estranha o fato de a DPU ter emitido uma nota para esclarecer algo – a independência funcional dos defensores – que já é de conhecimento público, ou pelo menos de quem atua na área.

“Qual a necessidade de divulgar a nota, já que se sabe que o defensor tem autonomia sobre seu posicionamento jurídico? Qual a necessidade da DPU escrever a  nota dizendo que o posicionamento não necessariamente representa o posicionamento da Defensoria Pública da União?”, questiona. “Se os defensores têm sua autonomia, por que a nota?”

Segundo a Assessoria de Comunicação (Ascom) da DPU, a recomendação ao ministério da Saúde é a posição jurídica dos defensores que assinaram a recomendação. De acordo com a independência funcional que rege a Defensoria Pública, explica, nenhum defensor fala institucionalmente pela Defensoria. A Ascom diz ainda que não tem responsabilidade sobre a citação da nota pela ministra Damares. E que a nota da DPU reforça a legitimidade constitucional dos defensores de se manifestarem segundo sua visão jurídica e fazerem a recomendação como fizeram.

Para Viviane, “se precisou da nota, é porque a recomendação anterior incomodou ou porque a ministra Damares ficou incomodada com aquele posicionamento”. “Se a DPU não tem dever por lei de justificar a postura, ela tem a função institucional da promoção dos direitos humanos e outros. Eticamente, não vejo como uma postura adequada a defensoria vir a público e dizer que a recomendação ‘não representa necessariamente a leitura institucional (da Defensoria)’ sobre o tema e, ao mesmo tempo, não se sente obrigada a falar sobre o que acha ou não. A questão é sensível demais, trata-se de direitos do adolescente”.

Segundo a recomendação, assinada pelos defensores e enviada ao Ministério da Saúde, a legislação, inclusive constitucional, determina que qualquer debate envolvendo “criança e adolescente deve ter como paradigma fundamental que está a se tratar de pessoas, com todos os direitos inerentes à pessoa humana, e não objetos”. Sendo assim, diz o documento, “devem sempre ter respeitados seus direitos humanos básicos e sua autonomia (…) para tomar decisões que afetem sua vida, não cabendo mais ao Estado tratá-los enquanto objetos de uma tutela assistencialista”.

Para a psicanalista Maria Rita Kehl, o ambiente de moralismo e puritanismo do Brasil hoje pode ser ilustrado por uma frase do escritor alemão Thomas Mann:  “’Toda época que tem medo de si mesma se inclina à restauração’”.

Nesta segunda-feira, o ministério comandado por Damares e a pasta da Saúde lançaram a campanha “Adolescência primeiro, gravidez depois – tudo tem o seu tempo”. “Nossos jovens e adolescentes são seres pensantes. Não vamos colocá-los em uma manada, como se fossem movidos apenas pelo instinto sexual”, disse Damares.