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Cientista político denuncia censura em entrevista por citar a palavra ‘golpe’

Caso ocorreu hoje (8), na rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo alegação do diretor da rádio, há uma lei que impede o uso da palavra na rádio da instituição

Divulgação/Sul21

Cientista político, Benedito Tadeu César denunciou no Facebook a censura imposta pelo diretor da rádio Ufrgs

Sul 21 – O cientista político Benedito Tadeu César denunciou nesta quinta-feira (8) que uma entrevista que concedeu ao programa Entrevista Coletiva, da rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi censurada pelo diretor da emissora, André Prytoluk, que teria alegado a existência de uma lei que impediria falar a palavra “golpe” em programas de veículos ligados à universidade, bem como fazer críticas ao governo federal. Mais tarde, Prytoluk teria citado a “legislação eleitoral” e a menção a partidos que participam da eleição municipal como justificativa para a não veiculação da entrevista. No final da manhã, Benedito Tadeu César publicou a seguinte nota em sua página no Facebook:

“Acabo de gravar um programa Entrevista Coletiva, na Rádio da Universidade, coordenado pela Sandra de Deus. Ao final da gravação, o André, diretor da rádio, entrou no estúdio e proibiu a veiculação do programa, que deveria ocorrer agora às 11h, alegando que falamos em GOLPE e que já uma lei, que ele recebeu cópia ontem, proibindo que se faça críticas ao presidente da República e se falar em Golpe”.

Logo após esse episódio, o cientista político se dirigiu à Reitoria da UFRGS para obter informações sobre a existência de tal “lei” que proibiria a menção a certas palavras ou certos temas dentro de espaços de comunicação da universidade. Benedito Tadeu César conversou com o vice-reitor Rui Vicente Oppermann, que já havia sido informado do caso e feito contato com a professora Sandra de Deus, responsável pelo programa. Segundo relato do cientista político, a reação de Oppermann foi de desaprovação à decisão de censurar o programa e de defesa da liberdade de expressão e do pensamento crítico na universidade.

O vice-reitor informou que ouvirá o diretor da rádio da UFRGS e outras manifestações que ocorrerão na reunião do Conselho Universitário, na manhã desta sexta-feira (9), quando será emitido um posicionamento oficial da universidade. Rui Oppermann aprovou a divulgação por outras mídias e pelas redes sociais do áudio do programa censurado e assegurou que ainda haverá uma decisão sobre a veiculação do mesmo também pela rádio da UFRGS.

“Ocorreram duas graves agressões que não podem passar despercebidas e sem reação. A primeira, à autonomia universitária e à missão primordial da universidade, que é a de geração e difusão do pensamento crítico e inovador. A segunda e igualmente importante, à autoridade docente, uma vez que a professora Sandra de Deus foi agredida em sua autoridade acadêmica, diante de seus alunos e durante uma atividade letiva”, afirmou Benedito Tadeu César, após o encontro com o vice-reitor.

Estudantes de Jornalismo da UFRGS, que participaram do programa como entrevistadores, divulgaram nota conjunta denunciando a postura do diretor da rádio. A nota, assinada por Aniele Bernst, Letícia Paludo, Luísa Rizzatti, Matheus Nietto, Paloma Fleck e Vinicius Dutra afirma:

“O programa Entrevista Coletiva, gravado nesta manhã na Rádio da Universidade, com o cientista politico Benedito Tadeu César, não foi veiculado porque o diretor da Rádio alegou que a Rádio da Universidade era chapa branca, e que não poderíamos falar “nem bem, nem mal” do governo. Sob a alegação de hierarquias e do respeito ao chefe, referindo-se a Michel Temer, fomos impossibilitados de rodar o programa às 11h. Além disso, falou que existia uma lei que restringia a gente de falar em golpe. Estamos disponibilizando a entrevista inteira para que possam ouvir o material. Na pauta, falamos de crise política das coligações, processo de destituição de Dilma Rousseff, manifestações e previsões futuras para o quadro nacional. Estamos conversando com a professora Sandra de Deus e nos informando das tais leis (se entraram em vigor agora, como afirma o diretor). Lembramos que o jornalismo e o exercício do pensamento crítico são extremamente necessários. Não compactuaremos com leituras que visem a uma interpretação sob o signo da censura”.

Um grupo de alunos e alunas do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS também divulgou uma nota de repúdio à “censura promovida hoje pela Rádio Universitária ao professor aposentado deste Programa”. A nota, que exige a imediata veiculação do programa, afirma:

“A censura a um programa de rádio ou a qualquer manifestação dos cientistas políticos da UFRGS será veementemente repudiada pelo corpo discente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política desta Universidade. Casos assim abrem as portas para o extremismo autoritário provocado por governos que assumem via golpe de Estado. Relembramos que o fundador da área de Ciência Política na UFRGS, professor Leônidas Xausa, foi expurgado desta Universidade por um ato autoritário da ditadura militar, ao não aceitar a livre manifestação do pensamento daquele professor. Em âmbito nacional, recordamos o caso da cientista política uspiana Maria do Carmo Campello de Souza, presa e torturada pela ditadura militar por se opor ao autoritarismo. Esses ataques dirigidos a comunidade da Ciência Política, no passado e no presente, são extremamente nocivos ao ideal democrático, ao Estado de Direito e ao exercício da nossa profissão”.

O Sul21 entrou em contato várias vezes com a direção da rádio da UFRGS para ouvir a posição de André Prytoluk sobre o episódio. As tentativas de contato não tiveram sucesso nem retorno. Segundo Benedito Tadeu César, o diretor da rádio teria se justificado, por meio de um e-mail, que o programa teria ferido a legislação eleitoral porque houve a menção aos partidos políticos PT, PMDB, PSDB, que estavam envolvidos nos episódios do impeachment. Na avaliação do diretor, essas menções feririam a legislação eleitoral, porque eles estão concorrendo nas eleições.

Ouça a entrevista censurada