Questionamentos ao voto de Lewandowski mostram aversão de ministros do STF à crítica

Sociólogo ressalta a dificuldade que alguns ministros têm para aceitar o contraditório apresentado pelo voto do revisor

Para o professor Venício de Lima, o plenário do STF não tem servido ao exercício do contraditório (Foto: Nelson Jr. STF)

Rio de Janeiro – Revisor da Ação Penal 470, mais conhecida como processo do mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski tem apresentado durante o julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal (STF) uma visão sobre os autos que em muitos casos é oposta àquela descrita na peça de acusação ou no voto do relator, ministro Joaquim Barbosa. Os embates verbais entre os dois se tornaram uma das marcas do julgamento, e algumas interrupções do relator à fala de Lewandowski, consideradas rudes, chegaram a ser repreendidas pelos ministros com mais tempo de casa. Ao longo da semana, no entanto, o voto do revisor sobre o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, favorável à absolvição, foi interrompido por diversos colegas, em uma atitude pouco habitual no STF.

Observador atento deste e de outros julgamentos realizados no STF, o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Venício de Lima afirma que a hostilidade à visão dos autos representada no voto de Lewandowski é um dos fatos marcantes na análise do processo do mensalão: “Fiz algumas observações sobre a dificuldade que o relator tem demonstrado, quase incapacidade mesmo, de lidar com alguém que não concorde com o voto dele. A Justiça evidentemente surge do contraditório entre acusação e defesa, mas temos um juiz da Suprema Corte, relatando um caso tão importante como esse, que se revela com uma dificuldade fantástica de lidar com esse contraditório”.

Na quinta-feira (4), a interrupção mais incisiva partiu do ministro Gilmar Mendes, no momento em que Lewandowski absolvia Dirceu do crime de corrupção ativa: “Vossa Excelência condena alguns deputados por corrupção passiva, entendendo que houve repasse de recursos para a prática de algum ato, aparentemente ato de apoio ou participação. Também condena Delúbio Soares como corruptor ativo. Não parece que está havendo uma contradição no voto de Vossa Excelência?”, questionou.

Em outro momento, foi a vez de o ministro Marco Aurélio Mello interromper o voto do revisor, após este afirmar que não existem nos autos provas de que Dirceu seria o mandante do repasse de dinheiro do PT e das empresas de Marcos Valério aos partidos da base aliada: “O senhor realmente imagina que o tesoureiro de um partido político teria essa autonomia?”, indagou, se referindo a Delúbio, condenado por Lewandowski. Na véspera, em tom de ironia, Marco Aurélio disse a Lewandowiski que este o iria “acabar convencendo de que não houve repasse de dinheiro do PT aos partidos”. Em todos os casos, o revisor contra-argumentou, reiterando a defesa de suas teses.

Também na sessão de ontem, Lewandowski seria interrompido ainda pelo presidente de STF, ministro Carlos Ayres Britto, e pelo decano da casa, ministro Celso de Mello. As duas interrupções foram elegantes, ao contrário do ríspido bate-boca travado com Barbosa alguns dias antes, durante o julgamento. Em determinado momento, o relator, visivelmente contrariado, chegou a acusar o revisor de fazer “vista grossa” e de “contornar o processo”. Lewandowski retrucou: “Se Vossa Excelência não admite a controvérsia, deveria propor à comissão de redação do STF que abolisse então a figura do revisor. Vossa Excelência quer que eu coincida com todos os pontos de vista de Vossa Excelência?”.

Ao analisar o que ocorreu no plenário do STF esta semana, Venício de Lima afirma que a intolerância de Barbosa ao voto apresentado por Lewandowski pode ter se estendido aos demais ministros: “A maioria assentada do plenário nessas várias votações que já ocorreram tem uma dificuldade grande de aceitar o contraditório que o revisor está apresentando. Ele já foi interrompido várias vezes com críticas, o que não é bom. Não me refiro ao mérito do conteúdo do voto do revisor, mas à sua interrupção por pessoas que obviamente não concordam com o que ele está falando”, diz.

Já para o advogado Pierpaolo Bottini, professor da Faculdade de Direito da USP, as interrupções ao voto do revisor são inerentes aos julgamentos colegiados e não podem ser evitadas: “Se os outros magistrados têm alguma dúvida ou algum questionamento a fazer, eu acho perfeitamente possível que eles o façam, que eles possam interromper para pedir um esclarecimento ou colocar um ponto de vista. Independentemente do tom com que eles façam isso, faz parte do julgamento colegiado. Então, eu acho difícil evitar esse tipo de coisa. Faz parte da arte e do drama de você julgar em um coletivo”, diz.