Biotecnologia precisou de 40 anos para desenvolver dois ‘truques’, afirma pesquisador canadense

Pat Mooney aponta que mercado transgênico está estagnado, mas alerta que vem aí a nanobiotecnologia, que tem o Brasil entre os candidatos a sede dos primeiros testes

Para o ganhador do “Girafa Awards” Pat Mooney está nas mãos dos pequenos agricultores a biodiversidade mundial

PORTO ALEGRE – Com 30 anos dedicados à pesquisa sobre biotecnologia e biodiversidade, Pat Mooney considera que trabalha com um assunto tedioso. Não que os efeitos dos organismos geneticamente modificados (OGMs) e dos produtos que os acompanham, em especial agrotóxicos, não sejam sentidos ao redor do mundo, longe disso.

Mas, na visão do canadense que dedica sua vida a detectar problemas nessa área, a biotecnologia leva quatro décadas de pesquisas para conseguir dois “truques”: plantas tolerantes a certos herbicidas e mais resistentes a insetos. De resto, apenas a lamentar que quatro empresas controlem o mercado mundial de sementes, contra mais de 7 mil que o faziam em 1970.

Esse tédio todo, no entanto, está prestes a acabar. O diretor-executivo do ETC Group (Grupo Etcétera) alerta que estão em curso pesquisas sobre nanobiotecnologia, na qual não se alteram as partes genéticas dos organismos, mas se reconstroem as mesmas. Pode-se construir literalmente o que quiser, mas os efeitos disso, ninguém sabe.

O ganhador de um prêmio Girafa Awards, uma de suas muitas condecorações, justifica a honraria ao esticar novamente o pescoço para ver – e contar – o que as empresas que controlam a biotecnologia estão preparando.

Confira os principais trechos da entrevista do co-fundador do ETC, organização não-governamental que estuda o impacto das novas tecnologias nas comunidades rurais, à Rede Brasil Atual.

 

Nanotecnologia e biotecnologia na agricultura

A biotecnologia é usada no campo há 40 anos e ainda não conseguiu ir muito longe. Ainda é muito pouco significativa, tem presença em cinco países e com apenas quatro empresas. Elas de fato só têm dois “truques”.

Um é a tolerância a herbicida e, o outro, resistência a insetos. A primeira é apenas aumentar as vendas de herbicidas produzidos. Está estagnado. Vem crescendo um pouco por causa da China e da África do Sul, mas é uma tecnologia precária que não funciona tão bem.

O que vemos agora é um movimento novo das empresas de olhar para um outro nível dessa tecnologia, que poderia ser chamada de “nano”, mas é mais “nanobiotecnologia”. Em vez de mover alguns genes, como se faz em biotecnologia de uma espécie para outra, a estratégia agora é construir o DNA do começo ao fim.

Isso é feito basicamente com quatro açúcares, chamados de A, C, D e G. Essas quatro substâncias são anexadas em um sintetizador genético – que é muito barato, pode-se comprar um usado na internet por US$ 400 – e se constrói, com um notebook, o gene de uma planta.

Ajusta-se o gene com DNA artificial – não é mover um gene, é construir do zero. Isso é chamado de nanobiotecnologia ou biologia sintética. Há mais investimentos nisso do que em biotecnologia, muito mais. Em breve, vamos ver isso nos campos. Muito em breve.

Há limites para isso no Canadá?

Ainda não, mas vai haver, eu acho. É muito chocante a tecnologia, e muitos cientistas trabalhando nisso, especialmente no setor público, têm medo. É impressionantemente perigoso. Há um esforço para promover uma regulação, mas no momento não há. Não é uma transformação de genes nem a transferência de uma espécie para outra, e isso dribla as regras relacionadas a biossegurança definidas pela convenção de biodiversidade.

Há iniciativas correlatas em outras partes do mundo?

Tem sido experimentado nos Estados Unidos, grandes investidores são empresas de energia e a indústria química e de sementes. DuPont, Exxon, BASF, British Petroleum e o governo dos EUA. Mas não há produtos comerciais no campo ainda. Um dos primeiros lugares onde vai ser testado, no entanto, deve ser o Brasil, porque vem sendo testado por empresas de açúcar brasileiro junto à Universidade de Berkeley, na Califórnia, para desenvolver formas sintéticas de cana-de-açúcar.

Concentração

Há três ou quatro empresas que trabalham com biotecnologia. Entre elas, a Monsanto é disparadamente a maior. DuPont e Syngenta são grandes companhias que vêm atrás, seguidas de Dow Chemical Company em quarto. Essas quatro controlam metade do suprimento de sementes pelo mundo. As mesmas quatro controlam cerca de 95% das sementes geneticamente modificadas. São muito dominantes. As três primeiras controlam o mercado de pesticidas. Seu sucesso não se dá com ciência, mas em controlar sementes e pesticidas ao mesmo tempo. É sua vitória.

A biotecnologia é apenas a ferramenta usada para convencer governos e outras empresas de que, primeiro, deve haver proteção de patentes. Segundo, devem ser desmontadas políticas anticartel nos países para permitir fusões de empresas de pesticidas e, terceiro, se livrar de empresas públicas do setor, como a Embrapa, USDA (nos EUA), e outros.

Não fazem mais pesquisas públicas para fazendeiros, mas para empresas. Conseguiram isso. Em 1970, havia 7 mil empresas de semente no mundo e nenhuma tinha sequer 1% do mercado. Hoje, temos três ou quatro que dominam o setor.

O objetivo dessas empresas nunca foi combater a fome, resolver problemas ambientais, mas assumir o controle do mercado. A proposta com nanobiotecnologia ou biologia sintética é exatamente a mesma, garantir controle de biocombustíveis, bioalimentos, biocosméticos, tudo o que pode ser produzido pelo carbono vivo.

Insegurança alimentar

É uma situação perigosa, porque sabemos que em regiões tropicais e subtropicais pode haver perdas de colheita por causa da mudança climática nos próximos 20 a 40 anos, o que pode trazer reduções em qualquer parte de 20% a 50% da produção total.

Estamos em um momento peculiar. De onde eu venho, dizem que, se o planeta esquentar, poderíamos plantar coisas ao norte, mas tudo o que há ao norte são rochas, não serve para plantar comida.

O que temos é um extraordinariamente não-inovador – realmente tedioso – tipo de companhias que dominam o suprimento de sementes que não têm qualquer capacidade de pesquisa para responder à mudança climática.

Biodiversidade nas mãos dos pequenos

A boa notícia é que temos uma diversidade incrível ainda nas mãos de camponeses pelo mundo. É uma diversidade linda. Soa emocionante dizer que pequenos fazendeiros vão salvar o mundo, que têm diversidade, conhecimento, que são maravilhosos e tal, mas são as empresas que têm o dinheiro e muita pesquisa.

Aqui está a realidade. Desde 1960, as empresas juntas produziram 72,5 mil variedades principalmente de plantas de 12 espécies: trigo, arroz, milho, soja etc. Isso entre as espécies usadas para alimentar pessoas, porque, de todas essas, nos últimos 50 anos, 59% são flores, não comida. No mesmo período de 50 anos, camponeses produziram 1,9 milhão de variedades de plantas de 7 mil diferentes espécies de todo tipo de tubérculos, ervas, feijões etc.

As empresas não prestaram atenção. Sabemos que são 1,9 milhão porque é o que entregaram a bancos nacionais de genes, sabemos que está lá. De um lado, 72 mil e, do outro, 1,9 milhão; de um lado, 12 espécies, do outro, 7 mil.

Se vamos sobreviver à mudança climática, precisamos de toda a diversidade que esses fazendeiros têm – e ninguém mais. Do ponto de vista da indústria de estoques vivos, quatro empresas controlam o setor com cinco espécies – frango, vaca, porcos, ovinos e caprinos.

Dessas cinco, trabalha-se com apenas cem raças. Fazendeiros, no mesmo período, trabalham com 40 espécies e quase 8 mil raças que ninguém mais tem. Se temos diversidade, precisamos usá-la, o que quer dizer auxílio financeiro para garantir aí uma forma de sobreviver.

Mudança de hábito

Em países como o Canadá, onde menos de 3% da população é de fazendeiros, as pessoas estão se tornando mais preocupadas com a origem de seus alimentos. Acredito que isso vem crescendo. Alguns fazem movimentos por produtos orgânicos e produzidos em regiões próximas.

Isso explodiu nos últimos três ou quatro anos. É bem maior do que costumava ser. Neste período do ano estamos no meio do inverno, temos o Sábado da Semente, em que as pessoas trocam sementes. São grandes encontros entre fazendeiros e gente que cultiva plantas em seus jardins.

Costumava haver três dessas, agora são 50 em cidades grandes e pequenas, envolvendo dezenas de milhares de pessoas querendo cultivar alimentos em seus quintais. O objetivo no Canadá é aumentar em 40% o cultivo de vegetais e frutas em nossos jardins urbanos.

A mudança de atitude leva a apontar a indústria com desconfiança, de não acreditar nela para garantir a nutrição e necessidades, por isso é preciso trabalhar com fazendeiros. É ainda maior na Europa e está crescendo nos Estados Unidos, e também no Brasil. Há oito ou 10 anos, estive em Porto Alegre para um encontro de troca de sementes, e a Usina do Gasômetro ficou completamente lotada.