Meio Ambiente atribui menor desmatamento a fiscalização e cadastramento de produtores

Diretor vê rejeição do mercado a carne da Amazônia como um dos fatores que explicam queda ao menor nível em 23 anos e lamenta que Congresso possa atrapalhar esforços ao abrandar Código Florestal

Ministério do Meio Ambiente acredita que metas podem ser atingidas antes do previsto (Foto: Agência Brasil)

São Paulo – A redução do desmatamento da Amazônia a 6,4 mil quilômetros quadrados entre agosto de 2009 e julho de deste ano levou o Ministério do Meio Ambiente a estimar que as metas projetadas para 2020 serão atingidas em 2016.

No ano passado, o Brasil apresentou ao mundo, durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, o objetivo de cortar em 80% o desmatamento da Amazônia dentro de uma década. Mas o recuo de 13,6% em relação ao período anterior (2008-09), menor nível da série começada em 1988, dá ao governo um tom de otimismo e a certeza de que, nova conferência do clima realizada nesta e na próxima semana no México, o Brasil poderá ser mais exigente com as demais nações.

Mauro Pires, diretor do Departamento de Combate e Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, afirma em entrevista à Rede Brasil Atual que a nova redução tem como explicações a trajetória delineada desde 2005, com a definição de um plano de combate, e o cadastramento de produtores rurais.

Sobre a possibilidade de que o Congresso aprove mudanças no Código Florestal, tornando mais branda a legislação, Pires é taxativo: “É importante ressaltar que muita gente, na Amazônia e no Brasil todo, faz sua parte. E agora não dá para chegar e falar que quem cumpriu foi bobo, e quem não cumpriu vamos passar a mão na cabeça.”

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Rede Brasil Atual – Que fatores levaram a essa queda no desmatamento?

O desmatamento tem de ser visto sob uma perspectiva histórica. A maioria corta por uma finalidade, e no geral a finalidade é econômica. Os vetores que contribuem para o aumento do corte da floresta são a pecuária e a indústria madeireira.  Desde o início desta década, o desmatamento apresentava uma curva crescente. Até 2004, quando o desmatamento apontou 27 mil quilômetros quadrados. 

Quando chegou a esse recorde de desmatamento, o governo criou o Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia. Creditamos a esse plano a redução que vem acontecendo desde 2005 porque se investiu muito em fiscalização conjunta do Ibama, da Polícia Federal e do Exército. Atividades de inteligência para saber os motivos do desmatamento, o que estava por trás do desmatador. 

E o que descobrimos é que o desmatamento não era uma atividade ilícita isolada: estava associado a grilagem de terra, trabalho infantil, ‘esquentamento’ de madeira e, portanto, sonegação fiscal. Ao desbaratar essas quadrilhas, inclusive com prisão de funcionários públicos, começou a desarticular o processo.

Outro fator que o plano gerou foi a criação de muitas áreas protegidas. Pegou terra que estava disponível e deu uma destinação ambiental a elas, tirando a possibilidade de ser uma área aberta para qualquer ocupação. Foram 25 milhões de hectares em unidades de conservação federais e 28 milhões em estaduais.

Do ano passado pra cá, teve outro fator importante que é o início da regularização ambiental. Muitos produtores começaram a ver que o mercado começou a embargar carne proveniente da Amazônia, o Ministério Público Federal fez ações fortes, e houve um estímulo para os proprietários fazerem seu cadastramento. É um instrumento estadual em que o proprietário dá todos os detalhes de sua área, então podemos detectar irregularidades e determinar a regularização. O produtor sabe que, se não fizer isso, não terá comprador. 

RBA – No ano passado havia quem avaliasse que a queda estava, em parte, associada à redução de demanda gerada pela crise internacional. O senhor concorda?

Isso teve alguma repercussão na taxa do ano passado, mas a economia brasileira recuperou rapidamente o crescimento e o desmatamento continua em queda. Nossos indicadores de multa aplicada e melhor cadastramento levaram a essa redução. Hoje, os proprietários pensam mais de uma vez antes de desmatar porque o satélite monitora 24 horas por dia. 

RBA – Uma das preocupações agora é com pequenas áreas de desmate. Por que isso acontece?

É importante dizer que são pequenas áreas, e não pequenas propriedades. Temos notícia de que médios e grandes produtores têm feito “puxadinhos” porque, como sabem que estão sendo monitorados, fazem pequenos desmatamentos para não chamarem atenção. Faz um puxadinho aqui, outro ali. Muitos acham que o satélite não vai encontrar. De fato, vamos ter que melhorar nossa tecnologia para captar cada vez melhor essas áreas.

RBA – Localmente, há destaques na redução do desmatamento?

Se a gente pegar os casos de Mato Grosso e Pará, historicamente os maiores desmatadores, continuam sendo os maiores, mas o ritmo é muito menor. Mato Grosso está em 800 quilômetros quadrados, e já chegou a ter doze mil quilômetros. Outros estados, como Amazonas e Acre, tiveram aumento, mas em termos proporcionais não chega a ser expressivo. 

RBA – A mudança de postura do governo Mato Grosso pode nos levar a dizer que, hoje, é parceiro do Ministério do Meio Ambiente?

O governo do Mato Grosso fez um plano de combate ao desmatamento que é importante porque sinaliza a decisão do Executivo em fazer parte desse processo de redução. Poucos dias atrás, o novo governador assinou decreto formalizando esse plano e trazendo metas ambiciosas de redução do desmatamento.

O que nos preocupa é a aprovação recente, pela Assembleia Legislativa, do novo zoneamento econômico e ecológico. Esse zoneamento, da maneira como foi aprovado, fere completamente as bases científicas da primeira versão, elaborada pelo Executivo. A primeira versão ia na mesma direção da política de combate ao desmatamento. Essa segunda proposta vai criar dificuldade para o estado porque, para ter força de lei, precisa ter aprovação do governo federal. O ideal é que o governo de Mato Grosso reavalie essa proposta antes de encaminhar ao Ministério do Meio Ambiente.

RBA – Além da fiscalização, o que será necessário aperfeiçoar daqui por diante?

Vamos ter que investir em atividades econômicas sustentáveis. Sem isso, a gente não vai vencer o desmatamento. São duas grandes frentes. Uma é o que chamamos de manejo florestal, como o corte seletivo de espécies arbóreas dentro de uma lógica, atividades de ecoturismo e unidades de conservação. A outra é investir numa agropecuária que, em vez de incorporar área, passe a incorporar produtividade. Não faz sentido, em pleno século XXI, termos uma pecuária cuja lotação por hectare é de uma cabeça. Tem chance de aumentar a economia do setor primário sem investir em expansão da área.

RBA – Ao mesmo tempo em que saem esses números, o Congresso discute a possibilidade de abrandar vários pontos do Código Florestal.

Se isso acontecer, será uma perda muito grande para essa política de diminuição do desmatamento. Vai significar mais emissões de gases de efeito estufa, perda de biodiversidade e, sem dúvida alguma, vai trazer dificuldade para essa política. Esperamos que o Congresso tenha maturidade suficiente para fazer mudanças no Código no sentido de avançar, com vistas a torná-lo menos burocrático, no sentido de fazer mais rápida a regularização, e não no sentido de passar a mão na cabeça de quem descumpriu.

Não é justo com quem cumpriu. É importante ressaltar que muita gente, na Amazônia e no Brasil todo, faz sua parte. E agora não dá para chegar e falar que quem cumpriu foi bobo, e quem não cumpriu vamos passar a mão na cabeça. Isso fere nosso espírito de cidadania, de participação em uma sociedade em que todo mundo tem deveres e direitos iguais.

RBA – Um argumento amplamente utilizado, inclusive pelo relator das mudanças no Código Florestal, é sobre a inviabilidade econômica da legislação atual. Que avaliação o senhor faz?

Não é verdade. Se comparar a queda do desmatamento na Amazônia com a expansão da atividade econômica na região, esse argumento cai por terra, porque o desmatamento vem caindo e a economia vem crescendo. Pega o PIB de Mato Grosso. Não houve queda, pelo contrário. 

O que está acontecendo é que os próprios consumidores e as grandes cadeias estão ampliando sua cota de responsabilidade ambiental. Aquele que percebeu que o caminho é esse já está fazendo sua transição para essa nova realidade. O que não se pode é ficar com uma legislação retrógrada para atender aos interesses desses grupos e ferir os interesses nacionais.