primeiros cuidados

Cidade da Grande São Paulo abre cinco creches noturnas e amplia auxílio a famílias

Unidades em Itapevi têm atividades para crianças de um a dois anos e meio até 22h30; especialista considera legítimo atender a demanda dos pais, mas alerta para respeito a horário biológico

Professora ajuda aluno a colorir desenho em creche noturna de Itapevi (Fotos: Raoni Maddalena/RBA)

São Paulo – Pelas janelas da sala de aula já e possível ver o céu escuro. O relógio marca 19h30 e 29 crianças de um a dois anos e meio organizam uma fila para irem ouvir uma história. Elas continuarão em atividades pedagógicas até as 22h30, como ocorre todas as noites no Centro Municipal de Educação Básica (Cemeb) Jardim Vitápolis, uma das cinco creches noturnas que foram inauguradas entre fevereiro e março em Itapevi, na região metropolitana de São Paulo. A demanda elevada faz com que mais sete unidades estejam em projeto. Na visão de especialistas na área de educação, a medida pode ser positiva para ajudar famílias, mas precisa ser acompanhada de um projeto que respeite o momento biológico dos alunos.

Localizada em um dos bairros mais industrializados no município, a creche, assim como as demais, atende apenas filhos de mães que trabalham à noite, em geral como seguranças, balconistas e operárias, além das que retomaram os estudos no período noturno, no ensino médio ou na universidade.

Para fazer a matricula, as creches exigem uma carta da empresa ou da escola comprovando que a mãe está ocupada à noite. “Se ela deixar de trabalhar ou estudar à noite a criança é transferida para o período regular automaticamente”, conta o prefeito Jaci Tadeu (PV), autor do projeto. A proposta não consta de seu plano de governo. “Não queremos as mães indo para a balada e deixando os filhos aqui.”

Os professores são orientados para desenvolverem a maior parte das atividades pedagógicas no período da tarde, afirma a supervisora pedagógica das crechesAo todo são 125 crianças iniciando sua vida escolar no período da noite em Itapevi.
“Antes, a mãe deixava a criança na escola, ia para casa, saía no fim da tarde para trabalhar e retornava por volta das 22h. Não havia convívio de mãe e filho. Agora elas podem passar a manhã juntos”, conta o prefeito. “As indústrias estão chegando e há emprego para as mães. Não queremos que elas percam essa oportunidade por não terem onde deixar seus filhos”.

Estrutura

Os bairros onde funcionam as creches noturnas foram escolhidos pela demanda, como explica o secretário de Educação de Itapevi, Cesar Pimentel. “Nós divulgamos o projeto e abrimos inscrição para as mães interessadas na própria escola. A partir dela fomos identificando onde a demanda era mais acentuada e em fevereiro inauguramos a primeira.”

Outras experiências

As creches noturnas já são uma realidade na Suécia há 20 anos. Elas funcionam durante a noite toda e não desenvolvem atividades pedagógicas, apenas de cuidados e sono. Durante o dia, as crianças frequentam uma creche tradicional. Atualmente, elas estão presentes em 123 das 290 áreas administrativas do país e são frequentadas por quase 5 mil crianças.

Já existem duas iniciativas no Brasil semelhantes à de Itapevi: Curitiba tem quatro creches funcionando até as 23h. E São José do Rio Preto, a 450 quilômetros de São Paulo, possui duas escolas no mesmo horário.

As creches noturnas funcionam nas mesmas unidades das convencionais, que vão das 6h às 18h. Foi adicionado a elas um turno a mais, das 13h às 22h30. Para dar conta da demanda foram contratados 35 auxiliares de desenvolvimento infantil, que trabalham oito horas por dia no cuidado das crianças. Professores do período convencional foram convidados para assumirem as turmas da noite e ganham hora extra para isso.

Por enquanto, a Secretaria de Educação garante o professor em pelo menos um dos turnos (tarde ou noite). A administração municipal promete contratar mais professores de educação infantil para suprir as vagas tanto das creches noturnas quando das outras sete que estão em construção. Em uma escola há professores nos dois turnos e em duas apenas no noturno.

Uma delas é a Jardim Vitápolis, que inaugurou seu período noturno em 25 de março. Lá as crianças fazem quatro refeições (almoço, lanche da tarde, jantar e ceia) e têm um período de 30 minutos sono, que termina por volta das 18h30. A partir daí elas não dormem mais até chegarem em casa. “As crianças fazem as mesmas atividades das do período da tarde e se desenvolvem tão bem quanto”, conta a professora Andrea Viana.

Currículo escolar

A proposta curricular do município para as creches, baseada nos parâmetros curriculares nacionais, tem como eixo central atividades que desenvolvam os movimentos e a linguagem oral, como a contação de histórias, o canto e a escuta da fala das crianças. Depois disso estão brincadeiras que incentivem a musicalidade e que proporcionem contato com artes, natureza, sociedade, língua escrita e números.

“A gente tenda moldar as atividades pedagógicas no período em que eles estão mais espertinhos, que é à tarde, e à noite trabalhar mais o lúdico, com filmes e brincadeiras”, conta a supervisora pedagógica de Itapevi, Lilian Braga. “Nas duas creches que têm professor apenas à noite as atividades pedagógicas são nesse horário. Não há perdas para essas crianças porque todas as atividades são muito lúdicas, ligadas a brincadeiras.”

Na creche noturna Vereador Ubiratan José Chaluppe, 25 crianças estudam à noite e há uma fila de espera de mais cinco. “Não noto prejuízos para essas crianças. As atividades e os estímulos são os mesmos e permanece muito despertas”, conta a diretora da unidade, Cícera Pires de Oliveira.

Cinco crianças de até dois anos e meio aguardam uma vaga a noite na creche Vereador Ubiratan José ChaluppeApesar da demanda por vagas nesse período, a especialista em educação infantil Denise Carreira observa que as creches não podem, sozinhas, “dar conta de tudo”. “Com certeza a iniciativa de Itapevi deve estar contribuindo para que muitas famílias possam se desenvolver oferecendo cuidado e segurança para suas crianças. É uma demanda legítima, que tem de ser enfrentada pelo Estado, mas não necessariamente com creche”, avalia.

“Há um debate nacional que aponta a importância de equipamentos sociais noturnos, para as famílias que trabalham à noite, mas não necessariamente no sentido educacional, porque elas têm de descansar e dormir”, avalia Denise, que é coordenadora da organização não-governamental Ação Educativa. “Pode haver outros equipamentos que ofereçam atividades de lazer, recreação, cuidado e sono.”

As creches noturnas de Itapevi têm despertado interesse em municípios vizinhos, segundo o secretário Cesar Pimentel. “O projeto invadiu a região. Fui convidado para apresentá-lo em uma reunião de gestores municipais de Educação, no próximo dia 10. Nas inaugurações também fomos procurados por um vereador de São Paulo e um de Indaiatuba (SP)”, conta. “Estamos sentindo que podemos ajudá-los com nossa experiência.”

Hoje, Itapevi tem uma fila de espera por educação infantil de 1.584 crianças e a expectativa de prefeitura é zerá-la em até dois anos. Ao todo, a rede conta com 15 creches e 2.500 alunos nessa etapa.