SAÚDE DO TRABALHO

Em debate, médica critica empresas ‘verdes por fora e cinzentas por dentro’

Pesquisadora da Fundacentro lembra que muitas companhias já foram condenadas por expor trabalhadores a condições inadequadas

São Paulo – Em conferência sobre saúde do trabalhador, hoje (11), a médica do Trabalho Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro (fundação vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego), afirmou que o desenvolvimento sustentável é um termo muito usado pelas empresas para valorizar a sua imagem, mas algumas delas “são verde por fora e cinzenta por dentro”. Ela lembrou que Santander, Perdigão, Sadia, Walmart, Petrobras, Itaú, entre outras companhias, já foram condenadas a partir de diferentes ações do Ministério Público do Trabalho (MPT), por demissões de trabalhadores adoecidos, exposição de trabalhadores a substâncias tóxicas e desrespeito a pausas mínimas de trabalho, entre outros problemas.

“São grandes empresas que se dizem sustentáveis e com responsabilidade corporativa, que plantam árvores, mas sabemos que isso não e bem assim. Eles não contam a quantidade de lixo que produzem nem como tratam a saúde de seus trabalhadores”, disse a médica, durante a 1ª Conferência Estadual de Saúde do Trabalhador, organizada pela CUT paulista. O evento, que vai até amanhã, visa a sistematizar propostas para serem encaminhadas à conferência nacional, prevista para novembro do ano que vem.

Para Maria Maeno, é necessário criar uma relação entre a saúde do trabalhador e o meio ambiente, como movimentos históricos, com perspectivas diferentes e pontos em comum. “Quando discutimos o Brasil funcionando 24 horas por dia, discutimos o mundo do consumo e países que optaram por esse modelo econômico. Mas não podemos esquecer que isso significa mais trabalhadores em ciclos nocivos à sua saúde e mais lixo no meio ambiente. Quando falamos em rios poluídos, devemos falar também da forma de coleta que temos e das condições de trabalho que isso envolve.”

Ela destaca que a abordagem das empresas está sempre direcionada ao indivíduo. “Se ele sofreu um acidente, é porque não prestou atenção. A utilização que as empresas fazem para culpar o trabalhador pelo seu acidente é generalizada. São inúmeras as doenças hoje provocadas pelo trabalho, o que só aumenta o ônus para toda a sociedade.”

Segundo dados do Ministério da Previdência Social, em 2012 o Brasil teve mais de 700 mil acidentes de trabalho. Em São Paulo, foram cerca de 245 mil – destes, cerca de 40 mil referem-se à denúncias feitas por sindicatos ou outras fontes, excluídas as empresas. Do total de acidentes no ano passado no estado, 53% atingiram trabalhadores de 19 a 34 anos. Em média, 18 empregados por dia não retornaram ao trabalho, por invalidez ou morte.

“O mundo do trabalho é cruel. O recurso financeiro, em vez de ser gasto com saúde e prevenção, está sendo utilizado para doença, invalidez e acidentes. Temos de nos organizar e mudar essa lógica, porque ao capital não interessa fazer essa mudança”, afirma a secretária da Mulher Trabalhadora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS), Maria Godói.

Para ela, o debate sobre as condições de saúde deve ser feito em conjunto com outros relacionados ao mundo do trabalho. Terceirização, competitividade, pressão pelo cumprimento de metas, rotatividade, pessoas expostas a ritmo acelerado, instabilidade e ameaça de desemprego estão diretamente interligados à saúde.

“Para propiciar um mundo de trabalho competitivo, tudo gira em torno de valor financeiro e não humano. Isso cria um sentimento de vulnerabilidade que reflete na vida social dos trabalhadores, com aumento das doenças ocupacionais, hipertensão, assédio moral, distúrbios mentais, estresse, doenças respiratórias”, afirma a sindicalista. “A saúde não pode ser isolada do resto. Sabemos do enfrentamento que temos de fazer nas inúmeras áreas, porque a meta do capital não é a nossa, ela não observa a vida.”

Discussões sobre nanotecnologia também fizeram parte da conferência. Segundo alguns dos participantes, a nanotecnologia vem ganhando espaço nas mesas de negociações. A manipulação da matéria em escalas muito pequenas ainda tem efeitos pouco conhecidos por parte de trabalhadores e patrões.

“Se tivermos de pensar numa escala, podemos imaginar o nanômetro como um grão de areia, localizado entre Salvador e Natal, na distância de 1.126 quilômetros entre estas duas cidades”, afirma o técnico do Dieese Thomas Ferreira Jensen. “O mesmo material considerado seguro na escala maior, na escala nanopartícula pode entrar na pele, ou se tornar aerosol e entrar no organismo via respiratória.”

Segundo o Dieese, no Brasil existem cerca de 150 empresas envolvidas com projetos de desenvolvimentos de produtos em nanotecnologia, interagindo com setor acadêmico, com destaque para as petroquímicas e cosméticos. Desde 2008, os trabalhadores do ramo químico discutem em negociação coletiva os riscos que envolvem a nanotecnologia e tentam inserir cláusula em convenção, mas enfrentam resistência do lado patronal. Em abril do ano passado, o setor farmacêutico foi o primeiro a aceitar a inclusão do tema em acordo, como recomendação para as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) abordarem com os trabalhadores os riscos existentes e medidas de proteção.

“A incorporação do progresso técnico tanto pode ser benéfica como danosa. Ainda não há estudos confiáveis para avaliar os riscos da nanotecnologia na saúde do trabalhador, mas é necessário incorporar essas tecnologias a um processo seguro”, afirma Jensen. As negociações e estudos em torno de nanotecnologias envolvem as assessorias do Dieese, Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat), Fundacentro e sindicatos.

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