Estrutura das corregedorias da polícia paulista dificultam punição

Impunidade de policiais acusados de crimes coloca trabalho de corregedorias em xeque

São Paulo – A falta de autonomia das corregedorias de polícia em São Paulo é motivo de críticas por parte de ativistas de direitos humanos. A baixa efetividade na investigação de crimes cometidos por membros das forças de segurança paulista são o principal indicador do problema, o que torna ainda mais preocupante o cenário de ofensiva do governador Geraldo Alckmin (PSDB) conta outro órgão de controle, a Ouvidoria Pública.

A Ouvidoria é especialmente importante porque, embora não seja o único órgão de controle das polícias, era o que tinha mais autonomia. “As corregedorias da Polícia Militar e da Polícia Civil são pouco eficientes, porque há poucos policiais sendo punidos”, critica Samira Bueno. Um caso emblemático é o da ação das forças de segurança de 12 a 20 de maio de 2006, após ações do PCC. No período, 493 pessoas foram assassinados por policiais.

Boa parte das ocorrências foi descrita como “auto de resistência”, no entanto há cadáveres que foram encontrados com até 22 tiros. Em Santos, foram, em média, 8,6 disparos por cadáver. Embora os exames nos corpos das pessoas assassinadas pelas polícias indiquem abusos, até o momento não há o registro de nenhuma punição, segundo a ouvidoria de São Paulo. Do total, 13% dos casos chegaram a ser encerrados.

É de Santos que vem Débora Maria Silva, mãe de uma das vítimas da reação da polícia. Seu filho trabalhava como gari havia sete anos quando foi morto, no dia 19 de maio. Hoje, Débora é líder da ONG Mães de Maio, que luta pela punição dos responsáveis pelas mortes e por um novo modelo de segurança pública. “Na prática, está decretada a pena de morte no Brasil”, diz. Para ela, os mecanismos de controle das polícias, não têm funcionado.

Brutalidade

A repressão ocorrida em maio de 2006 quase que dobrou o número de mortes pela polícia. Foi um crescimento de 84% dos casos se comparado com o primeiro semestre de 2005. Mesmo depois disso, a brutalidade das polícias brasileiras segue chamando a atenção de ONGs internacionais, como a Human Rights Watch. O relatório de 2010, por exemplo, classifica a brutalidade policial e a execução extrajudicial como “um problema crônico”. Na edição de 2009, o documento chamava a atenção para o fato de as polícias do estado de São Paulo terem matado, no ano anterior, mais do que todas as da África do Sul, um país com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes maior do que a paulista.

O coronel da reserva da Polícia Militar, André Vianna, destaca, no entanto, algumas iniciativas que visam coibir o comportamento violento da polícia, como o treinamento sobre direitos humanos e ação policial oferecido aos membros da corporação desde 1998 a partir de uma parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Ele também cita a atuação da corregedoria da Polícia Militar. Segundo ele, a corregedoria é o órgão que concentra as denúncias encaminhadas pela Ouvidoria e pela Central de Operações da Polícia Militar e as repassa para o superior responsável, que deve aplicar as sanções aos subordinados.

O controle da própria Polícia Militar sobre esses mecanismos, no entanto, pode dificultar ainda mais a implementação de punições. O baixo índice de elucidação de casos depois dos ataques do PCC pode ser em parte explicado por uma suposta falha técnica nos centros de gravações da Central de Operações da Polícia Militar, que teria impedido o registro adequado de denúncias contra a polícia.

Para José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, entidade que presta apoio a presidiários, na prática, não se pode nem ao menos falar em uma corregedoria de fato. “Na verdade, ela nem existe, são batalhões destacados para fazerem as investigações.” Para Samira, o fato de não existir uma unidade da Polícia Militar com um plano de carreira independente para os corregedores torna a investigação dos colegas arriscada do ponto de vista profissional. “Mesmo que um delegado tenha boas intenções e decida ser corregedor, seis meses depois ele pode ser reconduzido ao posto de policial para trabalhar para alguém que ele estava investigando”, exemplifica.

Luiz Gonzaga Dantas concorda com a crítica. “Um corregedor pode ser transferido e se tornar subordinado a um delegado ou diretor do departamento que ele corrigiu, que pode querer aplicar uma vendeta”, diz. Ele informa que a Ouvidoria Pública de São Paulo enviou um rol de sugestões ao governo do Estado para a melhoria do controle das polícias, dentre as quais está a criação de uma carreira para a Corregedoria Pública, o que garantiria a independência do corregedor de seus investigados até sua aposentadoria.

O assessor jurídico da Pastoral Carcerária também faz ressalvas em relação à corregedoria civil. Para ele, essa seria antes um “sindicato que está lá para defender os interesses da própria polícia” do que um órgão independente. Para Samira, embora com uma atuação ainda insuficiente, a Corregedoria da Polícia Civil teria mais desenvoltura por estar subordinada à Secretaria de Segurança Pública e não à própria corporação.

Jesus Filho, no entanto, questiona: “Quem investiga um crime praticado por um policial civil? O próprio policial. Quem investiga um crime militar? É a própria polícia militar. Nós não temos instituições democráticas.”

 

André Cabette Fábio produziu esta reportagem para o programa “Repórter do Futuro”, publicada em caráter especial pela Rede Brasil Atual