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DESUMANO

Jessé Souza: ódio contra o pobre produz 70 milhões de pessoas com fome no Brasil

O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU em 2014. Mas a partir de 2016, os índices foram piorando até que em 2022 o país voltou a ser inserido na vergonhosa lista

Rovena Rosa/EBC
Rovena Rosa/EBC
População vítima da insegurança alimentar e da fome aumentou no governo de Jair Bolsonaro (PL)

São Paulo – A existência de mais de 70 milhões de pessoas com fome no Brasil é resultado de um projeto de ódio contra os mais pobres, afirmou o sociólogo Jessé Souza em entrevista ao ICL Notícias desta quinta-feira (13), transmitido pela TVT e Rádio Brasil Atual. “Precisamos de alimentos para nos mantermos vivos. É uma obrigação do estado com a sociedade que não vem sendo cumprida”, disse o  estudioso das desigualdades e das classes sociais no Brasil, referindo-se ao relatório sobre insegurança alimentar divulgado nesta quarta-feira (12) pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

O documento mostra um cenário cruel, com a piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil. Pelo menos 70,3 milhões de pessoas têm dificuldade para se alimentar. E outras mais de 21,1 milhões de pessoas no país estão em insegurança alimentar grave: ou seja, estado de fome. O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU em 2014. Mas a partir de 2016, os índices foram piorando até que em 2022 o país voltou a ser inserido na vergonhosa lista.

“Há dez anos tínhamos menos da metade das pessoas passando fome, que dobrou nos últimos anos. Isso tem a ver com o golpe de 2016. Mas se aprofundou com Bolsonaro, que muito tardiamente, pouco antes das eleições, deu alguma ajuda, eleitoreira”, disse Jessé. “Hoje a gente tem um terço da população com fome, sem fazer as três refeições. E parte disso aí às vezes sem comer o dia inteiro”, lembrou.

Para o sociólogo, a situação foi causada pelo desmonte da estrutura de assistência social no país. Isso explica porque, mesmo em São Paulo, cidade mais rica do país, há cada vez mais pessoas morando nas ruas. “O Brasil é um país que joga gente no lixo. Em nenhum outro país do mundo se joga gente no lixo”.

Combate à fome e golpe de estado

E nesse processo, segundo ele, as pessoas pobres perdem o acesso à escola e não têm trabalho adequado. Com Bolsonaro, esse quadro se deteriorou de forma absurda. “São 70 milhões de pessoas passando fome, uma coisa absurda. Claro que teremos um esforço de reestruturação para chegarmos pelo menos à situação de dez anos atrás”.

Por isso Jessé chamou de “destrutivo e desumano” o governo de Jair Bolsonaro (PL), representante de uma parte da elite que “não tem nenhum compromisso com o povo”. E mais: “Um espírito escravocrata entre nós”. Isso porque, segundo ele, a escravidão é também o ódio ao pobre. A perseguição policial, o sofrimento de classe e raça, em que não se dá condição de ascensão.

“E qualquer tentativa de inclusão redunda em um golpe de estado. Não tem nada a ver contra a corrupção, mas com um grau civilizatório primitivo, que aceita isso. Temos de fazer uma escola pública de qualidade, em tempo integral. É a melhor forma de recuperar essas pessoas”, disse, referindo-se à maioria dos alunos, que vão à escola mais para comer do que para estudar. E a Leonel Brizola (1922-2004), que governou o Rio de Janeiro de 1983 a 1987, e seu então secretário de Educação Darcy Ribeiro (1922-1997), que criaram os Cieps.

Jessé reiterou que a pobreza é um projeto com fins de exploração. “Há exploração dessas pessoas para cumprir funções que os escravos cumpriam. O que são esses adolescentes pedalando 14, 15 horas por dia para entregar comida, pizza? Eles levam a comida nas costas, mas estão com fome. E quem rouba para não morrer de fome entope as prisões.  É o ódio contra o pobre; subtrair alimento nesses casos é um direito fundamental da pessoa humana”.

Recriação do Bolsa Família

Logo após a divulgação do relatório da FAO nessa quarta-feira, o ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate a Fome (MDS) comentou o abandono das pessoas mais pobres.

“O país sofreu muito nos últimos três anos pela falta de cuidado e atenção com os mais pobres. Se tornou comum ver pessoas passando fome, na fila por ossos e catando comida no lixo para se alimentar. Isso foi a quebra e interrupção de um trabalho iniciado pelo presidente Lula em seus primeiros governos e que trouxe grandes avanços nesta área. Esse relatório da FAO comprova que os últimos anos representaram um período de degradação da população mais pobre do nosso país”, disse o ministro.

Para o enfrentamento da situação, Wellington Dias destaca a implementação total do novo Bolsa Família e seus novos adicionais por crianças, gestantes e adolescentes até 18 anos incompletos. Segundo ele, a medida proporcionou a retirada de 18,5 milhões de famílias da linha da pobreza, segundo dados de junho.

“Desde sua recriação, no início deste ano, o programa Bolsa família proporcionou a retirada de 43,5 milhões de pessoas da linha da pobreza. Isso significa que elas têm uma renda per capita (por pessoa) garantida acima de R$ 218. Essa é uma ação de várias outras que estamos desenvolvendo para reduzir a pobreza e tirar o país novamente do mapa da fome. Todo esse trabalho tem garantido alimento na casa e na mesa dos mais necessitados”, ressaltou.

Plano Brasil sem Fome

Além do MDS, outros 23 ministérios atuarão em conjunto no plano Brasil sem Fome. Segundo o governo, a ação foi construída a partir do aprendizado da trajetória que retirou o país do Mapa da Fome. É o caso de programas como o Fome Zero e o Brasil Sem Miséria, que tornaram o Brasil referência mundial no tema.

O plano, que será lançado nos próximos dias, terá três eixos:

  • Acesso à renda, redução da pobreza e promoção da cidadania;
  • Segurança alimentar e nutricional: alimentação saudável da produção ao consumo;
  • Mobilização para o combate à fome.

As metas principais são:

  • Tirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030;
  • Reduzir a extrema pobreza (a 2,5%) e a pobreza, com inclusão socioeconômica;
  • Reduzir a insegurança alimentar e nutricional.

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Redação: Cida de Oliveira – Edição: Helder Lima