Formação deficiente

Mais da metade dos formandos em Medicina são reprovados em exame do Cremesp

Dos 2.891 recém-formados em faculdades paulistas, consideradas as melhores, 55% acertaram menos de 60% das questões, mostrando desconhecer condutas básicas dos casos mais comuns na rotina médica

Valter Campanato/ABr

Cremesp: resultados indicam problemas nos cursos, que formam profissionais despreparados para o mais básico

São Paulo – O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) divulgou na manhã de hoje (29) os resultados da décima edição do exame que avalia o desempenho dos recém-formados em Medicina. Os resultados são preocupantes: dos 2.891 formandos em faculdades no estado de São Paulo que participaram da avaliação, 1.589 (55%) acertaram menos que 60% das questões, ficando abaixo do critério mínimo definido pelo Cremesp. Apenas 45% – 1.302 formandos – conseguiram acertar mais de 60% das questões propostas. O dado preocupa sobretudo porque em São Paulo estão as melhores faculdades de medicina do país.

O percentual de reprovados é semelhante ao de dois anos anteriores – o que confirma que a formação continua com problemas. “Lamentavelmente, não temos como impedir que o profissional com graves deficiências em sua formação possa exercer a medicina. Por isso, o Conselho estuda mudar esse cenário”, disse o presidente do Cremesp, Braúlio Luna Filho.

“Não há dúvida de que o recém-formado que não acerta 60% das questões de uma prova como essa não terá condições de atender bem a população”, acrescentou o primeiro-secretário da entidade, Renato Azevedo Júnior. “Cabe à sociedade pressionar os parlamentares por leis que impeçam que esses profissionais exerçam a profissão. Não temos como negar o registro profissional a eles.”

De acordo com os dirigentes do Cremesp, o resultado é fruto das condições inadequadas de infraestrutura das faculdades de medicina, sobretudo as particulares, que não contam com hospital-escola e, tampouco, com laboratórios e outras dependências necessárias.

Eles criticaram ainda a avaliação dos cursos pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), criado para medir o rendimento dos formandos, mas que não implica em medidas corretivas para aqueles mal avaliados. “Entre os maiores reprovados estão cursos aprovados pelo Enade”, disse o presidente do Cremesp.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação não se manifestou até o fechamento da reportagem.

Esta foi a terceira edição do exame desde que se tornou obrigatório para os graduados que buscam o registro no Cremesp para atuar no estado. A apresentação do comprovante de participação é obrigatória para o registro profissional do médico no Cremesp. Mas o registro é fornecido a todos, independente do resultado.

Pela legislação vigente, o Cremesp não pode condicionar o registro à aprovação em um exame, o que depende de uma lei federal. O conselho defende um exame nacional obrigatório para os graduados, a exemplo do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A prova é composta por 120 testes de múltipla escolha, com cinco alternativas cada. Para ser aprovado, o recém-formado deveria responder corretamente a 72 questões – o que corresponde a 60% de acerto.

De acordo com critérios da Fundação Carlos Chagas, responsável pela elaboração do exame, 33% das questões são consideradas fáceis, 32,4% são de média dificuldade, 29,6% são tidas como difíceis e outras 4,6%, de grande facilidade.

Públicas e privadas

Participaram formandos de 30 escolas médicas de São Paulo, das quais 20 não chegaram a alcançar 60% de aproveitamento. Como era previsto, o pior resultado foi entre as faculdades particulares: entre esses cursos, a reprovação foi de 65,1%.

Entre as escolas públicas paulistas, a reprovação foi de 33%. Os cinco cursos de melhor aprovação são públicos, sendo que a melhor colocada alcançou 87,3% de aprovação.

O exame do Cremesp visa a avaliar o ensino de Medicina em São Paulo, mas há médicos de outros estados que participam. Em 2014, foram 468 formandos. A reprovação nesse grupo foi de 33,1%, sendo que entre os egressos de faculdades particulares a reprovação foi de 78%.

 

Recém formados desconhecem o diagnóstico ou tratamento adequado em casos básicos da rotina médica nas unidades de saúde, como pneumonia, pedra na vesícula ou ferimentos.

67% não souberam como avaliar o risco cirúrgico e nem determinar o exame pré-operatório no caso de uma senhora de 46 anos diabética, com pressão alta e dores no peito, que chega ao serviço de saúde com pedra na vesícula.

67% não souberam diagnosticar pneumonia em um bebê de 1 mês e meio, com tosse leve a moderada há dez dias, sem febre e com respiração acelerada e superficial.

67% demonstraram desconhecer o mecanismo de ação da lidocaína, uma droga usada no tratamento de arritmia cardíaca e como anestésico local. 66% erraram a conduta mais adequada para tratar um paciente com obesidade mórbida, 35 anos, apresentando alteração na frequência cardíaca e respiratória oito dias após ter sido submetido a cirurgia para redução do estômago.

47% não souberam como atender um rapaz de 23 anos que deu entrada no serviço de saúde vítima de ferimento a faca no tórax, na região entre a quarta e a quinta costela.

37% não souberam diagnosticar problema de saúde em senhora de 45 anos, sem problemas médicos anteriores, internada por dor de estômago aguda, vômitos e ultrassom, indicando microcálculos na vesícula. A resposta certa era pancreatite aguda.

Fonte: Cremesp