Dia mundial da prematuridade

Hospital municipal da periferia de São Paulo usa redes para acalmar prematuros

Aconchegados, os bebês descobrem que no balanço das redes é mais fácil ficar confortável e relaxados e assim ganham peso e se desenvolvem mais rápido

Hospital da prefeitura de São Paulo aposta em equipamentos modernos e em redes para acalmar prematuros <span>(Jailton Garcia/ RBA)</span>Tranquilos e com espaço limitado os bebês ganham peso e se desenvolvem mais rápido <span>(Jailton Garcia/ RBA)</span>Para médica, bebês passam mais tempo dormindo, possivelmente por causa do balanço, mais agradável <span>(Jailton Garcia/ RBA)</span>No Hospital Alípio Correa Neto, em Ermelino Matarazzo, pais ficam com os bebês o tempo que desejarem <span></span>Sempre houve preocupação grande com a sobrevivência, mas não tanto com a qualidade de vida, diz Márcia <span>(Jailton Garcia/ RBA)</span>Quando os bebês adquirem pelo menos dois quilos, apresentam quadro clinico estável e conseguem mamar sozinhos, vão para casa  <span>(Jailton Garcia/ RBA)</span>“Eu percebo que na rede ela fica mais calminha na rede", diz a mãe Vanilda Silva Medeiros. Toque materno é sempre incentivado <span>(Jailton Garcia/ RBA)</span>

São Paulo – Em meio a aparelhos e medicamentos supermodernos, um hospital da prefeitura de São Paulo, localizado em Ermelino Matarazzo, zona leste da cidade, lançou mão de um costume tradicional em diversas regiões do país para acalmar os bebês nascidos de parto prematuro: o uso de redes para relaxar. Com um modelo pequeno, desenhado pela própria equipe e adaptado às incubadoras, os recém-nascidos descobrem o que já sabemos: que no balanço das redes é mais fácil ficar confortável e relaxar. Hoje (17) é Dia Mundial da Prematuridade.

Aconchegados na rede, em silêncio, com a iluminação reduzida e com atenção integral da equipe, os bebês recebem os cuidados necessários para ganhar peso, começar a mamar sozinhos e ir para casa. “Apesar de não haver literatura médica que comprove a eficiência do uso de redes, no dia a dia percebemos que eles ficam mais calmos e que não se movimentam tanto. Isso é essencial para que ganhem peso, porque só respirar e manter a pressão arterial já consome muita energia dos prematuros”, conta a médica coordenadora da unidade neonatal do Hospital Alípio Correa Neto, Márcia Dia Zani.

Márcia desenhou as redes e encomendou a costureiras. Os resultados da prática começaram a ser monitorados e documentados pela equipe. “Faz nove meses que estamos usando essa técnica. Como não encontrei referências, eu medi as incubadoras e mandei fazer nas redes. Hoje temos 17, mas já estamos encomendando mais, porque há a necessidade de trocá-las todos os dias”, diz. “É fácil e barato: uma rede dessas, feita em larga escala, custa R$ 10 reais e é uma cosia que pode ajudar muito. Os bebês imediatamente se acalmam, passam mais tempo dormindo, acredito que por causa do posicionamento e do balanço, que é agradável.”

As redes também cumprem o papel importante de limitar os movimentos do bebê que, pelo tato, percebem uma barreira física. Quietinhos, eles ganham peso e se desenvolvem mais rápido. “É benéfico para as famílias também. Elas vêm isso como um ato de carinho. Para a enfermagem também facilita os procedimentos, porque é simples de usar”, conta a médica.

“Eu percebo que na rede ela fica mais calminha mesmo e acho muito bom. Estou sempre aqui com ela, todos os dias”, conta a dona de casa Vanilda Silva Medeiros, mãe de uma bebê que nasceu de 31 semanas, bem menos que as 40 consideras ideais para desenvolvimento do feto. Com os cuidados, ela passou de 1,375 quilo para 1,595 em um mês.

O uso das redes nas incubadoras do Hospital Alípio Correa Neto, inspirado em hospitais da região Nordeste, é parte de um projeto de humanização do atendimento aos prematuros, que permite também que mães e pais fiquem com os bebês todo o tempo que quiserem. A equipe os incentiva a tocar os bebês e mantê-los junto ao corpo, seguindo orientações do Ministério da Saúde, no chamado Método Canguru.

“Antes havia uma preocupação grande com a sobrevivência desses bebês, mas não tanta com a qualidade de vida. Eles são indivíduos, que sentem dor e precisam do vínculo com a família. Eles saem antes do tempo da barriga, que é um ambiente acolhedor, e vêm para um hospital. Tudo o que fazemos é para que eles não tenham sequelas emocionais e físicas”, diz Márcia.

O contato pele a pele ajuda as mães a produzir mais leite e os bebês a controlar a temperatura do corpo, a respirar melhor, a controlar a pressão arterial e craniana e a frequência cardíaca, além de estabelecer um vínculo afetivo com a família. “Com as mães e os pais, os bebês têm o que chamados de toque positivo e amoroso, diferente do nosso, que é um toque técnico, por mais carinho que tenhamos. Eles ainda não desenvolveram a noção do que é bom ou ruim e acabam aprendendo que tudo é ruim. Aí você vai dar um beijo e ele sente dor e repulsa. Isso vai ao longo da vida e eles podem ter dificuldades de relacionamento. Com o toque da mãe eles vão saber a diferença entre a picada da agulha e um carinho”, diz Márcia.

No Brasil, a taxa de prematuridade é de 12,4%, segundo dados do Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde. Isso equivale a 40 partos prematuros por hora, ou 931 por dia, o dobro da média dos países europeus. A taxa de sobrevivência é de apenas 30%, sendo que a prematuridade é a principal causa de morte até os 28 dias de vida do bebê. Os principais motivos das taxas elevadas no Brasil são as ainda presentes falhas no pré-natal e o uso de drogas lícitas e ilícitas durante a gestação.

Márcia destaca que um dos focos do atendimento são as mães. “Elas imaginavam um bebê forte, mas eles chegaram frágeis e pequenos. Dá medo. Temos bebês aqui que nasceram com 500 gramas apenas… Mas se eles choram e o coração bate, investimos todo o nosso esforço.”

Os resultados são comprovados nos sorrisos pelos corredores da Unidade Neonatal: “Eu me sinto muito segura com esse tipo de atendimento. Eles me deixam entrar toda hora, posso ficar sempre com ele no colo, conversar e ter a certeza que está sendo bem cuidado. Percebo até que ele já reconhece minha voz e vejo que a cada dia está se recuperando”, conta a dona de casa Vaneide dos Santos, mãe de um bebê prematuro, internado há 23 dias.

O hospital é ligado à Organização Social Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” (Cejam) e a perspectiva é levar o projeto para os outros oito hospitais administrados pela autarquia, por meio de um projeto voltado a humanizar o atendimento aos prematuros.

A próxima iniciativa da unidade de Ermelino Matarazzo será a criação de um grupo de pais enlutados, para que eles possam se encontrar e conversar com a equipe sobre os procedimentos adotados. “Faz parte do cuidado humanizado também cuidar das famílias quando temos perdas. A ideia é que eles possam voltar aqui e conversar com quem cuidou dos bebês e com outros pais. Isso ajuda no processo de luto e na superação dessa perda”, avalia a médica.