Anvisa proíbe aditivos que dão sabor aos cigarros

Por unanimidade, diretores da agência decidem proibir o uso de aromatizantes. Mas o açúcar continuará a ser usado

São Paulo – Depois de mais de um ano de debates, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu hoje (13) o uso de aditivos que dão sabor e aroma aos cigarros e similares vendidos no Brasil. A decisão não afeta os produtos derivados do tabaco destinados a exportação.

Estão proibidas também substâncias que potencializam a ação da nicotina no organismo, como o ácido levulínico, a teobromina, a gama-valerolactona e a amônia. “Pesquisas científicas apontam que muitos desses aditivos aumentam o poder da nicotina, fazendo com que os cigarros fiquem mais viciantes”, explicou Agenor Álvares, diretor da Anvisa. Contudo, não foram banidos aqueles usados para outras finalidades, como o açúcar, que segundo a agência, repõe a substância perdida durante o processo de secagem das folhas. 

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Os prazos para as indústrias se adequarem às novas regras, contados a partir da publicação da resolução, são de 18 meses para os cigarros e de 24 meses para charutos e cigarrilhas, entre outros derivados.  

“Nossa ação terá um impacto direto na redução da iniciação de novos fumantes, já que esses aditivos têm como objetivo principal tornar os produtos derivados do tabaco mais atrativos para crianças e adolescentes”, afirmou Álvares.

São classificadas como aditivos as substâncias adicionadas intencionalmente nos produtos derivados do tabaco para mascarar o gosto ruim da nicotina, disfarçar o cheiro desagradável, reduzir a porção visível da fumaça e diminuir a irritabilidade da fumaça para pessoas que não fumam.

Durante a reunião pública realizada na tarde de hoje em Brasília, a professora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz Vera Luiza da Costa e Silva alertou para a estratégia da indústria do tabaco no uso de aditivos para diminuir aspectos irritantes do cigarro e conseguir novos fumantes. “Os aditivos são uma armadilha para crianças começarem a fumar”, afirmou.

Fica proibida também a utilização de qualquer mensagem que possa induzir o consumidor a uma interpretação equivocada dos teores contidos em todos os produtos derivados do tabaco. É o caso de termos como: ultra baixo(s) teor(es), baixo(s) teor(es), suave, light, soft, leve, teor(es), entre outros, presentes nas embalagens. Desde 2001, essas expressões eram proibidas apenas nas embalagens de cigarro.

A Escola Nacional de Saúde Pública elaborou pesquisa, divulgada hoje, para a qual entrevistou 17.127 estudantes com idades entre 13 e 15 anos em 13 capitais. O levantamento integra um grande estudo internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre os entrevistados, 30,4% dos meninos e 36,5% das meninas disseram já ter fumado pelo menos uma vez na vida. E 58,2% dos meninos e 52,9% das meninas têm preferência pelo cigarro com sabor, sendo o de mentol o primeiro da lista. Ainda segundo os dados, para 60,8% dos adolescentes que compram cigarros com aditivos o sabor é o que mais desperta o interesse pelo cigarro. O sabor é importante para 33,1% dos entrevistados.

Em sua participação na reunião, o pediatra João Paulo Becker Lotufo, da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que uma pesquisa com crianças com idade entre 7 e 10 anos mostrou que, em cada 100 entrevistadas, uma já tinha fumado pelo menos um cigarro inteiro. O número subia para cinco entre as de 11 a 14 anos. O estudo também mostrou que 35% daquelas com mais 15 anos fumavam com freqüência.

“Pesquisas mostram que 60% dos adolescentes experimentam cigarros atraídos pelo sabor”, alertou Paula Johns, representante da Aliança de Controle do Tabagismo, organização não-governamental voltada à promoção de ações para a redução do impacto do tabaco. 

Lenildo Moura, consultor técnico do Ministério da Saúde, lembrou pesquisa do IBGE segundo a qual 6,3% dos adolescentes de 13 a 15 anos tinham fumado pelo menos um cigarro duas semanas antes da pesquisa. “Precisamos restringir. Senão vamos ampliar o número de pessoas vítimas de todos os malefícios trazidos pelo cigarro”, disse. Segundo ele, o governo federal está comprometido com a redução da prevalência das doenças crônicas não-transmissíveis, como o derrame e infarto, que têm no tabagismo um grande fator de risco.

O psiquiatra Carlos Salgado, do Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre, e integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria, disse que o tabagismo já traz sérios prejuízos sem a inclusão dos potenciais novos adeptos. Além disso, segundo ele, há o agravante da toxicidade dos aditivos. “Estudos mostram que os corantes usados na Coca-Cola desenvolvem células cancerosas em cobaias de laboratórios. Então é muito provável que os aditivos do cigarro queimados sejam muito nocivos à saúde”, destacou. 

Esta semana, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), ligado ao Ministério da Saúde, respondeu aos argumentos da indústria do tabaco veiculados recentemente, sobretudo em matérias pagas em grandes jornais. Segundo o órgão, a ciência comprova que o consumo dos produtos de tabaco provoca a morte de 5 milhões de pessoas a cada ano no mundo. No Brasil, onde há 25 milhões de fumantes, 200 mil morrem por ano. 

Para atrair crianças e adolescentes para o consumo, a indústria do tabaco criou nos últimos anos novos cigarros, charutos e outros produtos com aromas e sabores atraentes, para disfarçar o gosto ruim, a irritação e a tosse causada pelo cigarro, além de facilitar a primeira tragada e favorecer a dependência à nicotina. A ideia é tornar o produto agradável, acrescentando aditivos como açúcar, mel, cereja, tutti-frutti e chocolate, entre outros. Porém, ao tornar os cigarros mais palatáveis, atrativos ou com maior potencial de causar dependência, essas substâncias aumentam os danos à saúde. O Inca lembrou que outro grande investimento em marketing feito pela indústria do tabaco direcionado a crianças e adolescentes são as embalagens coloridas e o design bem elaborado. 

Ainda segundo o órgão do Ministério da Saúde, os adolescentes são mais vulneráveis a esses efeitos e têm maiores chances de se tornar dependentes. E muitos dos aditivos, inclusive o açúcar, se tornam altamente tóxicos e cancerígenos ao serem queimados.


Cronologia da luta contra o fumo
 
1988 – Passou a ser obrigatória a frase: “O Ministério da Saúde adverte: fumar é prejudicial à saúde” nas embalagens dos produtos derivados do tabaco.

1990 – Obrigatoriedade de frases de alerta em propagandas de rádio e televisão.
1996 – Comerciais de produtos derivados do tabaco só podem ser veiculados entre 21h e 06h. Além disso, fumar em locais fechados passa a ser proibido (exceto em fumódromos)
2000 – Criação da Gerência de Produtos Derivados do Tabaco, na Anvisa. Brasil é primeiro país do mundo a ter uma agência reguladora que trata do assunto.
2000- É proibida a propaganda de produtos derivados de tabaco em revistas, jornais, outdoors, televisão e rádios. Patrocínio de eventos culturais e esportivos e associar o fumo a praticas esportivas também passa a ser proibido.
2001 –  A Anvisa determina teores máximos para alcatrão, nicotina e monóxido de carbono. Imagens de advertência passam a ser obrigatórias em material de propaganda e embalagens de produtos fumígenos.
2002 – É proibida a produção, comercialização, distribuição e propaganda de alimentos na forma de produtos derivados do tabaco. 
2003 – Passa a ser obrigatória o uso das frases: “Venda proibida a menores de 18 anos” e “Este produto contém mais de 4.700 substâncias tóxicas, e nicotina que causa dependência física ou psíquica. Não existem níveis seguros para consumo destas substâncias”
2005 – É promulgada Convenção Quadro de Controle do Tabaco. Primeiro tratado mundial de saúde pública, do qual o Brasil é signatário.
2008 – Novas imagens de advertência, mais agressivas, passam a ser introduzidas nos rótulos de produtos derivados do tabaco.
2010 –  A Anvisa publica duas consultas públicas sobre produtos derivados do tabaco: uma prevê o fim do uso de aditivos e a outra regulamenta a propaganda desses produtos, bem como exposição nos pontos de venda e prevê nova frase de advertências nas embalagens.
2011 – Lei federal proíbe fumar em locais fechados e Anvisa proíbe o uso de aditivos em produtos derivados do tabaco.