"Primeiro Mundo"

ONU e OMS criticam movimento ‘pula fila’ das vacinas contra covid-19 por países ricos

Entidades denunciam que países ricos estão comprando mais vacinas do que precisam. Covid-19 deixa explícita a desigualdade entre países

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Para entidades como a Human Rights Watch e a Oxfam, a capacidade do consórcio Covax Facility não será suficiente para por fim à pandemia de covid-19

São Paulo – Lidando com desafios que envolvem a produção e logística de distribuição dificultando que o processo de imunização em massa seja mais veloz, o mundo já tem mais de 70 milhões de pessoas imunizadas contra a covid-19. Agora, a desigualdade também começa a se mostrar um novo fator de conturbação na busca da solução para a maior crise sanitária da humanidade em mais de 100 anos. Isso porque países mais ricos promovem um movimento de “pular a fila” da vacinação no mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) lamenta que, ainda no início, muitas distorções já são relatadas. “A promessa de acesso equitativo às vacinas está em grave risco”, assumiu hoje (27) o diretor-executivo da OMS, Tedros Adhanom.

A OMS elaborou um programa para uma distribuição o mais igualitária possível dos imunizantes aprovados contra a covid-19. O modelo foi batizado de “Covax”, e consiste na compra de grandes lotes de vacina para a distribuição em países mais pobres. Entretanto, países ricos passaram a assinar contratos bilaterais com empresas produtoras dos imunizantes, ignorando grupos de risco e, até mesmo, estocando vacina para além de suas populações.

Desiguais

“A abordagem do tipo ‘eu primeiro’ deixa os mais pobres e vulneráveis do mundo em risco. Muitos países têm comprado mais vacinas do que precisam. Agora enfrentamos o perigo real de que, embora as vacinas tragam esperança para os que vivem nos países ricos, grande parte do mundo poderia ficar para trás”, completou Tedros.

De acordo com a OMS, 75% das vacinas produzidas até agora chegaram em apenas 10 países. O órgão lamenta que países ricos utilizem de sua influência e capacidade econômica para vacinar jovens saudáveis enquanto idosos e pessoas em grupos de risco morrem aos milhares por dia em países mal articulados, como o Brasil.

:: Como anda a vacinação contra a covid-19 ao redor do mundo?

Risco para todos

A desigualdade na distribuição das vacinas também preocupa a Organização das Nações Unidas (ONU). Na segunda-feira (25) o secretário-geral da organização, António Guterres lamentou, durante seminário no Fórum Econômico Mundial, tradicionalmente sediado em Davos, na Suíça, mas on-line neste ano. “Vacinas estão chegando rapidamente em países de alta renda, mas não nos mais pobres. Vacinas precisam ser bens comuns globais”, disse.

Guterres ainda fez um alerta que se adapta exatamente à realidade brasileira. O descaso com o vírus, a não adoção de medidas de isolamento social e até mesmo a não utilização de máscaras contribuem para um cenário de ampla disseminação da covid-19. Isso contribui para o surgimento de novas variedades e mutações do vírus, o que pode colocar em xeque até mesmo a vacinação que já começou. “É crucial fazer vacinas acessíveis a, pelo menos, 20% de população em países em desenvolvimento. Se o Hemisfério Sul ficar sem imunização, o vírus terá novas mutações e não conseguiremos pará-lo”, disse.

Caso de Israel

Israel é um país pequeno, de pouco mais de 9 milhões de habitantes. O país é reconhecido por ser onde o processo de imunização está mais avançado até o momento. Mais de 45% da população israelense já foi vacinada e os resultados já aparecem. O surto local de covid-19 está em franca redução, e o país segue para ser o primeiro a atingir uma imunização coletiva.

Contudo, o sucesso de Israel carrega ao menos dois problemas centrais. O primeiro é o da vacinação de jovens saudáveis em detrimento de grupos de risco. O segundo é a exclusão sistemática dos palestinos que vivem em territórios ocupados por Israel, ou mesmo em território israelense.

De acordo com o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OHCHR) da ONU, palestinos em Gaza e Cisjordânia não terão acesso às vacinas “em um futuro próximo”. Israel apenas garantiu a vacinação de árabes residentes de Jerusalém, deixando mais de 5 milhões de palestinos desprotegidos. Já os israelenses que vivem em território invadido da Palestina, os “colonos”, estes sim, serão vacinados.

Apartheid

“Moral e legalmente, esse acesso diferenciado aos cuidados de saúde necessários em meio à pior crise global de saúde em um século é inaceitável”, afirma a OHCHR. Em contrapartida, o ministro da Saúde de Israel, Edelstein, disse, em entrevista à BBC, que “palestinos devem cuidar de sua própria saúde”, e que “Israel não é legalmente obrigado” a vacinar os palestinos, de acordo com tratados internacionais.

O ministro ainda adotou um tom agressivo, que chegou a ser alvo de críticas de parlamentares dos Estados Unidos, principal aliado de Israel. “Quando se trata de vacinação, a principal obrigação de Israel é com seus cidadãos. Eles pagam impostos por isso, não é?”, disse. Por sua vez, a deputada norte-americana Rashida Tlaib rebateu: “É difícil assistir enquanto esse Estado de apartheid continua a negar (a vacina) a seus vizinhos, as pessoas que respiram o mesmo ar que eles, que vivem nas mesmas comunidades”.


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