Eleições 2016

Hospitais e exames na periferia: avanços entre desafios maiores que a cidade

Hospitais reformados, outros a serem entregues, filas menores para atendimento e estruturação de carreiras para servidores são ofuscados pela crise e aumento da demanda na rede pública

César Ogata/Secom

Inaugurado em dezembro, Hospital Gilson Carvalho, na Vila Santa Catarina, é o primeiro municipal equipado para fazer transplantes

São Paulo – A poucos dias das eleições municipais, integrantes de conselhos de saúde, da Pastoral da Saúde e do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo (Sindsep) fazem um balanço dos últimos quatro anos na cidade de São Paulo. A construção de hospitais e ampliação da rede de atenção básica, com mais participação popular e controle social, bem como a estruturação de carreiras dos trabalhadores – que melhora também a vida da população – estão entre os avanços mencionados.

A crítica, no entanto, fica por conta da manutenção do modelo em que a administração firma parcerias com organizações sociais, as OSs, na gestão de parte dos equipamentos municipais. O secretário municipal de Saúde, Alexandre Padilha, no entanto, diz que aumentou a fiscalização e o controle dessas organizações e destaca que, com isso, foi possível a retomada da atenção básica pela gestão de Fernando Haddad, que neste ano realiza 2 milhões a mais de consultas médicas em comparação a 2012, último ano da gestão que o antecedeu, com Gilberto Kassab.

“Antes a gestão estava totalmente entregue a essas organizações. Havia a situação de ter mais de uma operando no mesmo bairro, por distrito e até mesmo dentro da mesma unidade, causando disputa pelo acompanhamento do paciente, que acabava prejudicado”, diz. “Hoje cada bairro pode ter apenas uma OS atuando. E tem de cumprir o contrato, que tem obrigações como garantia de equipe mínima, por exemplo, com descontos nos recursos caso não cumpra. Além disso, informatizamos todas as UBSs, bem como a implementação do prontuário eletrônico de mais de meio milhão de usuários.”

Ele defende ainda que o gerenciamento por OSs traz alguns benefícios à população, como a possibilidade de contratação de agente de saúde em meio a lideranças da própria comunidade, o que não seria garantido por meio de concurso público.

Em dezembro passado, a prefeitura entregou o Hospital Gilson Carvalho, na Vila Santa Catarina, próximo ao Jabaquara, na zona sul. A unidade, que homenageia o pediatra e sanitarista morto recentemente, que ajudou a idealizar o SUS, foi criado a partir da compra, reforma e adequação do antigo hospital Santa Marina, da rede privada, fechado havia mais de quatro anos. A gestão é da OS ligada ao hospital privado Albert Einstein.

Primeiro hospital municipal de alta complexidade, tem 270 leitos, unidades de terapia intensiva adulta e neonatal, para o tratamento clínico e cirúrgico do câncer e de transplantes, além de banco de sangue, maternidade com instalações para parto humanizado, e pronto-socorro.

Promessas de campanha de Fernando Haddad, outros dois hospitais estão ainda em construção. O de Parelheiros, na periferia da zona sul, deverá ser entregue no final do ano. O da Brasilândia, na zona noroeste, vai ficar para 2017. O atraso se deve a problemas com a Companhia do Metrô, que disputava terreno com a prefeitura quando as duas obras são de extrema importância para a população de uma das regiões mais carentes da capital.

“Localizados na periferia, vão beneficiar muita gente. O da Brasilândia será o primeiro municipal da região da Freguesia do Ó. Vai ajudar a desafogar hospitais estaduais, como o do Mandaqui, de Taipas, Cachoeirinha e da Vila Penteado”, diz o integrante da coordenação da União dos Movimentos Populares de Saúde de São Paulo (UMPS) e do Conselho Estadual de Saúde, Luiz José de Souza.

Conforme explica, esses hospitais ligados ao estado são considerados de alta complexidade, voltados ao atendimento de ocorrências mais graves. Por isso, não deveriam estar sobrecarregados por demandas mais simples, que poderiam estar sendo atendidas em unidades de média complexidade, mantidas pelo município. “O de Parelheiros está localizado em bairro distante, em região de alta vulnerabilidade social”, completa Luiz, que há 25 anos milita em defesa do SUS.

Construção

De acordo com a Secretaria de Saúde, o hospital de Parelheiros vai beneficiar diretamente mais de 200 mil moradoras nos distritos de Parelheiros e Marsilac. A obra prevê 250 leitos, maternidade, pronto-socorro, hospital-dia, hospital-escola e centro de apoio e diagnóstico. Ali serão realizados exames de mamografia, endoscopia, raio-x, tomografia, ultrassom e ressonância magnética, além de atendimentos especializados nas áreas de clínica médica, pediatria, ginecologia, neonatologia, cirurgia geral e ortopedia.

Com entrega prevista para 2017, o hospital da Brasilândia terá 250 leitos, sendo 40 em UTI, pronto-socorro adulto e pediátrico, atendimento em clínica médica, cirúrgica, ortopedia, ginecologia, 16 salas de observação geral, oito centros cirúrgicos, três centros obstétricos, centro de parto normal com 28 leitos e centro de diagnóstico.

De 2013 para cá, foram criados na cidade 66 novos estabelecimentos ou serviços de saúde, incluindo hospitais-dia da Rede Hora Certa, UBSs, Consultórios na Rua, UPAs, Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) e centros especializados de reabilitação (CER).

Na avaliação de Luiz, da UMPS, a atual gestão acertou ao fortalecer a Estratégia de Saúde da Família e ao criar UBSs integradas a AMAs – onde além de vacinação, curativos e retirada de remédios, a população pode fazer exames de sangue, de fezes, urina e papanicolau, além de consultas com clínico geral e pediatra. Ele destaca ainda a inclusão de alimentos orgânicos na merenda da rede municipal, beneficiando crianças das creches, pré-escolas e alunos do ensino fundamental municipal, e a abertura da gestão à participação popular.

“Hoje os conselhos e comitês, como os de combate à dengue, trabalham sem interferências. Na gestão anterior, de Serra e Kassab, a atuação dos conselheiros era dificultada. Chegamos ao ponto de fazer reunião na rua porque esses gestores eram resistentes ao controle social e adiavam o quanto podiam a posse dos conselhos municipais”, conta Luiz, que integrava o Conselho Municipal de Saúde na época.

RBA
Plano de carreira de servidores da saúde foi aprovado em dezembro de 2014

Mais servidores

A retomada de negociações interrompidas na gestão Serra-Kassab, que culminou com a estruturação da carreira dos servidores, é destacada pelo vice-presidente do Sindsep, Leandro de Oliveira.

“É claro que foi demorada, com divergências nos encaminhamentos e deixaram ‘franjas’ a serem resolvidas. Mas concluímos os planos de carreira dos trabalhadores de nível médio e superior, com ganhos para todos, deixando para trás uma época em que os trabalhadores das OSs ganhavam muito mais”, diz.

De acordo com ele, escriturários e administrativos, que tinham salários de  R$ 775,00 em 2013, foram para R$ 920,00, sem perda de gratificações. “Os ganhos foram garantidos também para os aposentados”, afirma. “Os agentes de zoonoses, que na gestão de Maluf haviam sido retirados da Saúde e transformados em pessoal de apoio na gestão Marta Suplicy, foram finalmente reincorporados à saúde e tiveram seus salários, muito baixos, praticamente triplicados.”

Os planos foram aprovados pelos vereadores em dezembro de 2014, após 20 meses de negociação. Na época, um médico que trabalha 40 horas semanais recebia R$ 7 a hora na prefeitura, metade do que receberia nas OSs. O salário do médico da administração direta chegou então a R$ 12. Pelo plano, esse profissional deverá chegar ao final da careira ganhando cerca de R$ 20 mil. Auxiliares de enfermagem, por exemplo, saíram da faixa dos R$ 800 que recebiam para R$ 2 mil neste ano.

Aquém

Sem menosprezar os avanços, o coordenador da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de São Paulo e conselheiro estadual de saúde, padre João Inácio Mildner, entende que as conquistas estão aquém das necessidades de uma cidade tão grande e complexa. “Sei que há melhorias no atendimento à população, sobretudo carente. Mas ainda é pouco diante daquilo que a cidade precisa. Moro na capela da PUC, no bairro de Perdizes, que hoje também está cheia de moradores de rua, dormindo debaixo das marquises dos prédios”, lamenta.

Para o padre João, a insuficiência de recursos na cidade impede que a população seja atendida da maneira que merece. “Geralmente os municípios arcam com a maior parte do custeio da saúde, que tem de ser integral, tanto física como psíquica, com lazer, esporte, educação e habitação, entre outros campos”, diz.

“A gente sabe também que os orçamentos são como cobertores curtos. Infelizmente é essa realidade. E o SUS tem ainda de abraçar muita gente que saiu dos planos privados. Como fazer atendimento integral ao cidadão com pouco dinheiro?”, questiona. “E se o cobertor está curto agora, imagina depois, com a PEC 241 congelando recursos para a saúde. Os insumos e equipamentos são importados, em dólar. Nos assusta o futuro. Por mais que o gestor tenha boa vontade, ele não vai conseguir suprir. Tem municípios que aplicam 25% para as pessoas não ficarem sem atendimento.”

Refém

O coordenador da Pastoral da Saúde concorda com Leandro, do Sindsep, e com Luiz, da União dos Movimentos de Saúde. Para eles, a administração pública está “refém das OSs”, que administram mais de 67% da rede básica ambulatorial, como UBS, saúde da família  e pronto socorros, conforme o sindicato dos servidores. “O discurso era que seria reduzido o número de OSs. Mas não conseguiram. E houve mais espaço para elas dentro da administração”, afirma Leandro.

“São várias as desculpas para a falta de realização de concursos para servidores. E as OSs mostram que foram insuficientes para resolver gargalos do atendimento. A demanda continua reprimida. É preciso contratar”, diz Luiz.

Para o padre João, será difícil modificar o atual sistema de gestão por OSs sem a realização de concursos e contratação de novos funcionários. “Os quadros estão defasados e na saúde é que vai fazer mais falta. O primeiro passo é contratar funcionários públicos”, reforça. “E onde houver OSs, é necessário firme controle social para que os contratos sejam cumpridos. E que haja liberdade para a fiscalização. A OS pode prometer fazer o que na prática não está fazendo.”

Diálogo que resolve

Conforme ele destaca, a esperança está no controle social e no diálogo. “Os representantes dos conselhos de saúde e gestor, que dialogam com a gestão municipal, são eleitos pela comunidade conforme manda o SUS, e têm influência direta na gestão da unidade de saúde e na melhora do atendimento como um todo.”

Essa melhora, conforme ressalta o religioso, reflete-se na rotina de hospitais de ponta, como o Emílio Ribas, estadual, onde ele é capelão. “Se as UBSs têm médicos, enfermagem e tudo funciona, casos mais simples são resolvidos e não vão se agravar, tendo de seguir para centros de média e alta complexidade. Se o atendimento na base falta, o caso complicado vai demandar leitos e exames de alta complexidade, que fazem falta.”

Na avaliação de Leandro, do Sindsep, os desafios da cidade são muitos para serem resolvidos em pouco tempo. “Essas tentativas de acertar têm de ter continuidade. E a gestão deu azar com a crise econômica e política. Além disso, não dá para contar com o governo estadual, que nem sequer assinou parceria com o Samu. Se houvesse mais recurso, a coisa teria andado melhor”.

Padre João completa que, em tempos de orçamento cada vez mais apertado, melhorar a saúde significa fazer prevenção, que é mais simples e barata. “Muitas coisas poderiam ter sido evitadas com mais saneamento, educação para a saúde. E nossas crianças cada vez mais obesas, diabéticas. A luta é grande, mas a população tem a força, que esta no voto consciente.”