Reforço em boa hora

De grão em grão, as campanhas salariais dos últimos anos vêm aumentando a participação do trabalho na renda nacional

Sergipe: “Melhorou bastante, antes o trabalhador não conseguia nem chegar no mercado, fazer uma compra” (Foto: Roberto Parizotti)

Crescimento econômico e inflação sob controle costumam ser ingredientes que, aliados a alguma dose de mobilização, garantem resultados positivos em uma campanha salarial. Não é à toa que nos últimos anos, segundo levantamento do Dieese, a maioria das categorias profissionais pesquisadas conquistou reajuste igual ou acima da inflação medida pelo INPC-IBGE – só no primeiro semestre deste ano, isso ocorreu com 97% das negociações salariais.
Apesar desse desempenho, é imprudente afirmar que o trabalhador brasileiro é bem remunerado.  Ao apresentar este ano um estudo sobre o tema, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, observou que a participação dos salários na renda é um indicador do desenvolvimento do país.

No período mais recente, o Brasil combinou positivamente redução no grau de desigualdade da renda pessoal e elevação da participação dos rendimentos do trabalho na riqueza nacional. No período 2008-2009, a participação do trabalho na renda nacional atingiu 43,6% – dez anos antes era de 40%. Para uma década, pode parecer uma evolução pequena. A questão é que ela representa uma mudança de curso, já que essa proporção vinha caindo gradativamente desde os anos 1970, depois de, no intervalo 1959-1960, ter chegado a 56,6%.

No mercado formal, o salário médio apurado (R$ 1.595,22) avançou 2,51% em termos reais no ano passado em relação a 2008, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego. Mas as variações são grandes: o salário médio chegou a R$ 3.445,06 no Distrito Federal e a R$ 1.130,31 na Paraíba.

Depois de um primeiro semestre positivo, o segundo começou com o acordo dos metalúrgicos que, no caso das montadoras do ABC paulista, aprovaram reajuste de 9% na data-base (1º de setembro), 1,66% de resíduo referente a 2009 – totalizando 10,81% – e abono no valor de R$ 2.200. Bem acima da inflação acumulada no período (4,29%).

Os bancários, após 15 dias de greve, assinaram acordo nacional prevendo reajuste de 7,5%, que embute aumento real de 3,08% – para salários acima de R$ 5.250, o aumento seria de R$ 393,75 fixos ou no mínimo 4,29%, o que fosse mais vantajoso (no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, que empregam cerca de 190 mil pessoas, os 7,5% foram para todas as faixas). Para o piso, o aumento foi de 16,33%, com 11,54% de aumento real. O acordo também incluiu a participação nos lucros ou resultados (PLR).

O Dieese estima que os reajustes para os salários dos próximos 12 meses mais a PLR dos bancários, cerca de 470 mil em todo o país, representarão o ingresso de R$ 6,1 bilhões na economia do país.

Em novembro, os químicos da região do ABC aprovaram acordo que, segundo o sindicato da categoria, representou os maiores aumentos reais de sua história. O reajuste foi de 8% na data-base (outubro), ante um INPC acumulado de 5,04%, além de aumentos no piso (9,2%) e na PLR (10%).

O coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre Prado de Oliveira, destaca como principais fatores para os resultados positivos das campanhas uma inédita combinação de crescimento econômico contínuo, com exceção de 2009, e taxas de inflação “em patamares baixos para os nossos padrões”. Questões que se somam a itens como maior espaço para negociação, em consequência da democracia, e a própria ação sindical. “Obviamente, você tem fatores derivados, como o crescimento da formalização, a redução do desemprego e a política do salário mínimo”, acrescenta Silvestre.

O ano de 2010 caminha, segundo o técnico, para exibir resultados melhores que os de anos anteriores em relação ao nível de ganho real (acima da inflação). No primeiro semestre, 25% dos reajustes analisados superaram a inflação em mais de 2%, ante 12% em 2009 e 11% em 2008. Os aumentos 3% acima da inflação são 12% do total, ante 5% e 4%, respectivamente. A maioria dos acordos com aumento real ainda se encontra na faixa de até 2% acima da inflação. Embora não faça parte da pesquisa do Dieese, o coordenador considera possível deduzir que os acordos também trazem avanços em outras cláusulas econômicas, como vale-refeição e cesta básica.

Silvestre observa que, apesar dos números positivos, parte dos ganhos é diluída por meio de mecanismos como a rotatividade da mão de obra e a terceirização. Por outro lado, não há como reclamar, como já fizeram alguns empresários, dos aumentos salariais recentes. “Os ganhos de salários estão muito abaixo do crescimento da economia. E não há evidência de que os salários tenham crescido mais que a própria produtividade.”

Para 2011, as projeções são mais modestas – crescimento menos intenso, mercado de trabalho menos dinâmico –, mas Silvestre acredita que o cenário continuará positivo para as campanhas salariais. “Não creio que isso vá mudar muito a tendência da negociação. Talvez haja alguma mudança na magnitude do ganho real. Mas as negociações terão desempenho parecido com o dos últimos anos.”

Fácil nunca é. Os bons resultados só vêm com esforço e organização, segundo João Batista da Silva, trabalhador na Seeber Fastplas, fabricante de autopeças plásticas com aproximadamente 600 funcionários em Diadema, na região do ABC paulista. “Antes tínhamos muitos problemas na negociação, conflitos”, lembra João Batista, 32 anos, há 13 na mesma fábrica. De uns anos para cá, os trabalhadores têm conquistado reajustes acima do acordo geral da categoria. Além disso, a negociação envolve a PLR, cujo valor total depende do cumprimento de metas de produtividade, qualidade e frequência ao trabalho. “Três meses antes do início da campanha, os colegas já começam a se perguntar”, conta João.

“O trabalhador fica bastante ansioso”, confirma o mecânico Wellington de Melo Costa, o Sergipe, 50 anos, há mais de 31 na fábrica da CBC, atualmente instalada no município de Ribeirão Pires, também no ABC. “Geralmente, o trabalhador não espera. Eles gastam antes, fazem uma dívida, principalmente os que têm um poder aquisitivo menor”, diz Sergipe, natural de Cedro de São João, no interior do estado que lhe empresta o apelido. Ele chegou a São Paulo em 1979 e nunca trabalhou em outra companhia. “Melhorou bastante. Às vezes ainda fica um pouco abaixo do que se espera. Mas antes o trabalhador não conseguia nem chegar no mercado, fazer uma compra.”  

 

Momento Favorável

por Anselmo Massad e Vitor Nuzzi

Com militância política originada no movimento sindical bancário, Paulo Bernardo está no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde março de 2005. Acompanha todos os embates entre governo e centrais sindicais em torno da valorização do salário mínimo e lamenta que o Congresso Nacional não tenha transformado em lei os acordos que a cada ano conferem algum aumento real ao piso nacional. Cotado para permanecer em algum posto estratégico no governo Dilma, o ministro espera deixar a discussão do reajuste do mínimo adiantada com as centrais, para que o tema seja uma encrenca a menos para o próximo governo administrar.

Se houver alguma proposta de desoneração da folha de pagamentos para reduzir o custo das empresas, de onde sairiam recursos para compensar perdas de arrecadação da Previdência e do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, por exemplo?
No governo Lula, estudamos essa medida como parte da reforma tributária. Basicamente, seria dentro do contexto da reforma – diminuiríamos a contribuição patronal da Previdência de 20% para 14% e também extinguiríamos o salário-educação, de 2,5%. Seria uma redução de impostos sobre a folha de salários em 8,5 pontos percentuais. Não foi aprovado, continuamos fazendo o que tem de ser feito, com simulações, e se você me perguntar se isso vai ser proposto imediatamente não tenho condição de saber. Na reforma tributária, estávamos implantando o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), uma unificação de vários impostos e contribuições federais, com uma força simplificadora grande. Seria uma vantagem para as empresas e com certeza diminuiria o custo de apuração e cálculo de impostos. E também (implantávamos) o IVA estadual, com a unificação do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) em todos os estados. Dentro desse arcabouço, achávamos que iríamos ficar compensados.

O senhor é favorável à criação de uma nova versão da CPMF?

Sou a favor da CPMF. Quando foi votada (a CPMF) em 2007, tínhamos resolvido colocar R$ 24 bilhões por ano na saúde. Foi invalidado a partir do momento da derrubada da CPMF. Hoje, discute-se no Congresso a regulamentação da Emenda 29 (que prevê investimento de 10% da arrecadação de impostos na área), o que é necessário, porque boa parte dos estados não cumpre a lei existente. Como contrapartida, os municípios têm de colocar mais recursos do que seria sua obrigação, porque é neles que estoura o problema. Se alguém falar que tem de pôr mais dinheiro, vai ter de dizer de onde vai sair. Acho que vai ficar para a discussão da reforma tributária, quando vamos debater se voltamos ao tema.

Como livrar a reforma tributária dos “pequenos interesses” que sequestram a discussão?

Esse tem sido um dos problemas. Quando se discute a reforma, o contribuinte ouve: “Vão diminuir minha carga de impostos”. O secretário de Fazenda acha: “Vai aumentar minha arrecadação”. Não é fácil conciliar as coisas. É até possível simplificar e diminuir alíquotas tributárias e isso ser acompanhado de uma melhora na arrecadação, porque é mais difícil sonegar, estimula a formalização da economia. Todas as tentativas de reforma tributária falharam por conta de os estados quererem fazer guerra fiscal – não querem regra única no país. Temos a obrigação de tentar de novo, tentar superar isso.

No início do governo Lula havia a discussão da reforma da Previdência no setor público. Essa questão está equacionada?

A reforma de 2003 não resolve tudo, até porque não conseguimos terminá-la, nem a regulamentamos – os projetos estão no Congresso, ainda não foram votados. O governo optou por não mandar proposta de reforma previdenciária que significasse tirar ou interromper direitos dos trabalhadores. Mas temos uma série de reformas menores que melhoraram muito o desempenho da Previdência, como o atendimento, a receita. Agora, se você olhar a situação demográfica no Brasil, fatalmente vamos ter de discutir regras novas. Um bom ponto de partida seria tentar uma reforma que signifique uma mudança importante para quem vai entrar no mercado, sem bater de frente com direitos que o trabalhador tem hoje.

Dilma tem bem menos experiência em negociações do que Lula, que não conseguiu levar esses projetos adiante…
Dilma tem uma história e características pessoais bem diferentes das do presidente Lula. Ele tem anos de negociação, de embates de ideias – no sindicato, no PT, um pouco no Congresso, nas eleições presidenciais. Ela tem experiência grande de ser gestora e administrar políticas de governo. Vai usar essas qualidades. E ela pega o governo com uma estruturação muito melhor do que Lula pegou. A campanha mostrou que Dilma aprende rápido a ir para o embate.

Como ela vai lidar com as demandas por cargos dos aliados?
Temos um sistema presidencialista em um sistema multipartidário. Não é só situação e oposição, mas 20 partidos dentro do Congresso com representação. Achar que você vai governar com um partido só é um erro. Tanto que fizemos uma coisa importante: a coligação antes da eleição, com 11 partidos. Já falamos que esses 11 partidos vão governar conosco. É absolutamente normal que eles queiram ajudar e ter gente no governo. Não é fácil, Dilma vai passar por um teste duro para montar isso e deixar pouco insatisfeitos seus aliados. Talvez satisfeito ninguém vá ficar.

Em termos de número de servidores, como está a relação entre concursados e terceirizados, em relação a 2003?
O número de servidores (federais) aumentou em, aproximadamente, 70 mil pessoas, um pouco mais de 10% do que tinha, 600 mil. Fizemos concurso para cerca de 120 mil pessoas, mas uma parte assume e sai – às vezes o governo paga salário menor que outro órgão – e houve aposentadorias. No total, o saldo líquido é esse. É razoável. Tem muita reclamação e pedido para contratação (nos ministérios), mas não estamos só investindo para resolver problemas de governo contratando. Por exemplo, na Previdência também informatizamos agências, investimos em atendimento remoto. Hoje, as universidades não têm mais necessidade de pedir autorização para concurso. Elas têm um número fixo de servidores – professor ou técnico administrativo – e, se sai um, podem fazer concurso para outro, sem precisar mais pedir autorização.

A terceirização no Executivo federal foi resolvida?
No começo do governo Lula, tínhamos cerca de 30 mil pessoas nos diversos órgãos. Fizemos um acordo com o Ministério Público no começo de 2005 e pedimos cinco anos para resolver o problema. Em um balanço recente, praticamente resolvemos tudo com concurso para substituir. Em alguns poucos casos isso ainda não aconteceu, porque o projeto para o concurso ou a criação de cargos não foi aprovado no Congresso a tempo. Há casos em que se aprovou já no período eleitoral, e o concurso ainda será feito. Vamos entregar um relatório ao Ministério Público mostrando que cumprimos o que dissemos, dando quase por encerrada a substituição de terceirizados por concursados.

Por que não se aprovou a política de valorização do salário mínimo, acordada com as centrais sindicais em 2006?
A correlação de forças vai ser melhor em fevereiro, quando tomar posse o novo Congresso. Mas até agora não foi aprovada porque a oposição obstrui todas as tentativas.

O senhor disse, ao referir-se ao debate sobre reajuste do salário mínimo, que o compromisso é deixar “nenhuma encrenca” para Dilma.
O governo já tem um monte de encrencas, normalmente. Não queremos criar nenhuma.