Por que a agressividade?

Se estereótipos regionais ainda dão margem para agressões, as punições poderiam ensinar novas gerações a não ser preconceituosas nem de brincadeira

Francis: “Somos brasileiros e não estamos invadindo nenhum país” (Foto: Maurício Morais)

Apesar do desenvolvimento em curso na região, os nordestinos ainda são alvo de discriminação e preconceito. O episódio da estudante de Direito que postou no Twitter mensagem carregada de ódio é emblemático. A autora foi denunciada ao Ministério Público Federal por crime de racismo e de incitação ao crime de homicídio. A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco passou a monitorar manifestações na internet sobretudo a partir de junho, quando notícias sobre enchentes que afetaram a região eram comentadas em tom odioso e discriminatório.  
“Nunca me senti atacada de maneira tão direta e violenta”, desabafa a maranhense Francis Bezerra, presidente da Associação dos Nordestinos do Estado de São Paulo. “Pela internet, a palavra escrita se torna ainda mais agressiva. Somos brasileiros e não estamos invadindo nenhum país.”

O professor de Psicologia Joseli Bastos da Costa, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vê menos relevância no episódio. “Houve repercussão porque a web pauta a mídia. Mais grave do que aquela menina falar tamanha besteira são episódios como a explosão de uma bomba num centro de tradições nordestinas, na capital paulista, em meados da década de 90, e ataques violentos a homossexuais, como este recente, na Avenida Paulista”, afirma.

Para ele, o importante do caso é que reabre a discussão da existência do preconceito e suas consequências. Costa diz que o fenômeno é inerente à maneira como o indivíduo constrói o conhecimento sobre o mundo ao redor a partir das primeiras impressões, estímulos e indícios. “Nossos ancestrais eram devorados pelos predadores quando perdiam tempo elaborando o pensamento. Daí a necessidade de uma rápida leitura do mundo, em especial do outro”, analisa.

A soma de aspectos individuais e socioculturais, choques de culturas, reconhecimento de diferenças e a competição por bens materiais ou simbólicos, quando anexados a emoções, abrem caminho para a discriminação. “Como os nordestinos ocupam um espaço, no caso em São Paulo, acabam sendo bodes expiatórios inclusive da violência que, na verdade, tem causas complexas. Essa visão estereotipada vem da migração, da pobreza e da população profissionalmente menos qualificada, em geral – e equivocadamente – associada à criminalidade”, diz o professor.

Em sua análise, como São Paulo é um caldeirão cultural, o contato de populações diferentes provoca essa tensão que contou com o componente político. A eleição frustrou grupos apoiadores do representante paulista na disputa. “O protagonismo nordestino, na figura de Lula, deu vazão ao preconceito preexistente, e a essa insanidade, a essa irracionalidade da mensagem no Twitter.”

Para a professora de Psicologia Sheyla Fernandes, da Universidade Federal de Alagoas, o sentimento de identidade ferida é patente para quem é alvo de preconceito desde que se entende por gente. Isso porque, por volta dos 5 anos, a criança é capaz de se diferenciar, percebe a existência do grupo padrão tido como modelo e constrói sua identidade por comparação e por meio de diversos estímulos que recebe do ambiente. E, das experiências de sucesso e fracasso ao longo de seu desenvolvimento, elabora sua identidade pessoal e coletiva.

“Dá para imaginar uma identidade construída com base no preconceito e na discriminação?”, questiona Sheyla. “Os prejuízos são imensos e de difícil solução para quem pertence a um grupo sempre associado à ignorância, pobreza e marginalidade. Embora um membro de um grupo marginalizado possa mudar seu estatuto social, sua identidade, sua essência e a ideia que construiu de si mesmo ao longo dos anos são sempre complexas.” A violência é o problema mais sério trazido pelo preconceito. Em sua forma mais ostensiva é expresso em violência física, verbal, moral. Os direitos das vítimas de preconceito, aliás, são completamente tolhidos. Já a discriminação acarreta danos econômicos, intelectuais e fere a dignidade.

“Com as conquistas pela igualdade de direitos, o preconceito expresso passou a ser visto de forma aversiva, inclusive considerado crime. Mas sua essência permanece imutável. Ou seja, internamente as pessoas continuam sentindo preconceito, mas não o expressam mais. Tanto que na intimidade de ambientes domésticos, em rodas de amigos, pode ser expresso de forma ostensiva, como por meio de piadas”, ressalta Sheyla.

A saída é o treino para o controle da manifestação preconceituosa por meio da lei. “É preciso que aprendamos a olhar o outro de maneira humana. A punição ensinará as próximas gerações a não fazer piada com o outro seja pela cor, origem, religião ou opção sexual”, diz. O problema, segundo ela, é que sempre vai haver grupos diferentes em tensão, em conflito. “A luta contra o preconceito é permanente e fundamental para a humanização e a civilização da sociedade.”