O Saci tem um nome a zelar

Quando o propusemos como mascote da Copa 2014, sabíamos que dificilmente seria escolhido. Há milhares de imagens livres do Saci. Não daria tanto lucro à Fifa e à CBF

Ilustração: Vicente Mendonça

Sei o que muitos vão dizer de mim: “Ele está com inveja”. Mas já andava remoendo há meses sobre a nossa proposta da Sociedade dos Observadores de Saci de colocá-lo como mascote da Copa do Mundo de 2014. Nas minhas conversas desde meados do ano passado, tenho dito que, se a Copa for mal organizada ou se a seleção brasileira for vagabunda como a que jogou na África do Sul, “a seleção do Dunga”, era melhor que o Saci não fosse escolhido. Seria uma desmoralização para o nosso personagem, e digo sempre que o Saci tem um nome a zelar.

Quando o propusemos como mascote, sabíamos que dificilmente seria escolhido. Um dos motivos principais é que ele é um personagem pronto, acabado, há milhares e milhares de desenhos do Saci, de pequenas esculturas e tudo o mais. E este é o problema: não daria tanto lucro à Fifa e à CBF.

A prova veio com a notícia de que o escolhido foi o tatu-bola. Nada contra o tatu-bola. É um ser brasileiro muito interessante, ameaçado de extinção. E tem a ver com futebol por se transformar em bola – forma de defesa contra predadores. Isso com os predadores não humanos, que desistiam de comê-lo por não conseguir furar sua carapaça. O tatu-bola, chamado de tatuapara, “tatu encurvado” em tupi, não estava preparado para o predador humano, que tem mãos, pega a bola e leva para um lugar em que em algum momento ele tem de voltar à forma normal para se alimentar.

Quem sabe o seu papel de mascote proporcione algum dinheiro para projetos preservacionistas. Migalhas, talvez, mas melhor do que nada.

E é bem melhor do que alternativas como a babaquice proposta pelo prefeito do Rio, de que a mascote fosse o Zé Carioca, personagem de gibi criado durante a Guerra Fria, pelos estúdios Disney, para mostrar que os gringos olham para o seu quintal, a América Latina, da qual somos parte. É um personagem do imperialismo, que daria royalties para os gringos, e é preciso lembrar que a Copa não é carioca, será no Brasil todo.

Agora, voltando à CBF e à Fifa, vejam que tomaram todos os cuidados e registraram patente para ninguém poder usar o tatu-bola sem pagar, para que essas entidades e seus dirigentes se encham de grana.

Fora o pagamento de algum estúdio para “bolar” o desenho do personagem (quanto será?), haverá um desenho oficial da mascote. Quem ousar fazer qualquer coisa com ele, paga!

E se fosse o Saci?

Entre os muitos desenhos já prontos dele, há um, por exemplo, feito pelo Ohi, em que do seu cachimbo saem bolhas de sabão que viram bolas de futebol. Muitos ilustradores e desenhistas amadores fariam seu próprio Saci futebolístico. E isso não interessa à Fifa nem à CBF, não é?

Por falar nisso, a Fifa mete o bedelho em tudo. Se ela quer estádios assim ou assado, por que ela mesma não faz os estádios? Não! Nós fazemos, eles não gastam nada e ficam com os lucros. Viramos colônia da Fifa?

Enfim, o tatu-bola – fora essas questões comerciais e a ganância de instituições ditas esportivas – é um bom personagem. Mas, se escolhessem o Saci, o Brasil lucraria muito com o despertar da curiosidade pela nossa cultura popular, provocando estudos aqui e a divulgação, no exterior, de outros aspectos de nossa cultura.

Todos os meus amigos que viajaram para o exterior e usaram lá uma camisa com o desenho do Saci despertaram curiosidade, muitos quiseram saber sua história e quiseram camisetas iguais. Lembro do Cauê, um sol criado especialmente para ser mascote dos Jogos Pan-Americanos do Rio. Nunca despertou nenhum interesse em ninguém. Mascote só funciona quando tem relação estreita com a cultura de um povo.

Finalmente, torço para que a Copa seja bem organizada e tenhamos uma seleção digna. Que honre o tatu-bola e ajude a preservar esse animal tão brasileiro.