Editorial: o povo quer influir mais. E a política pode mais

Ao leitor

a partir de foto de Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Todos gastaram anos falando sobre a necessária reforma política, agora as ruas exigem

Desconfie se ler ou ouvir em algum lugar que as manifestações de junho – que espantaram, assustaram e também emocionaram o país – eram previsíveis. Não, ninguém sabia. Como em 2008, quando uma crise financeira surpreendeu e estremeceu o mundo. Em geral, o máximo que os analistas econômicos, políticos e, por que não?, esportivos podem fazer é tentar explicar ou buscar em algum canto da memória ou da teoria alguma justificativa para fatos que volta e meia mudam a história.

No caminho, surgem oportunistas de plantão, tentando adaptar fatos a suas convicções e interesses. Sob o manto da imparcialidade, elegem culpados e tentam pôr seus propósitos à frente. Há também os interessados em fabricar crises, os inconformados derrotados em outros carnavais, e aqueles sempre inclinados à tentação autoritária.

Um fato: o que aconteceu durante duas semanas em algumas das maiores cidades brasileiras atropelou as agendas, as visões acomodadas e os atores de sempre. A plateia vaiou e jogou tomates. Pode ter atingido alvos errados aqui e ali, mas demonstrou claramente sua insatisfação. Outro fato: houve, sim, muitos avanços e redução de desigualdade nos últimos anos. Mas milhões de brasileiros seguem vivendo sob más condições, com suas demandas por saúde, educação e por transporte público decentes. O cotidiano ainda é difícil e irrita o cidadão.

No plano do poder, a política reforçou a sensação de mal-estar. O país apresentou melhorias sociais e econômicas, mas as instituições permanecem com seus vícios. O governo, a oposição, os partidos, todos gastaram anos falando sobre a necessária reforma política porque, como alertam movimentos sociais e da cidadania, a “força da grana” tem influência excessiva no processo eleitoral e na vida pós-urnas. Como nada sai do lugar, a falta de transparência agrava a desconfiança.

O governo tem a oportunidade de ouvir mais os movimentos sociais que querem avançar na democracia e nas conquistas sociais. É hora de esses movimentos disputarem a agenda. De o Parlamento legislar. De as instituições demonstrarem sua importância. De o Estado agir em consonância com o que se ouviu em junho – e que já se ouvia ao longo da história. O povo quer influir mais. E a política pode mais.