Página virada

Apertada, eleição de Humala enterra fujimorismo e favorece integração no continente

População espera novos programas sociais (Foto: © Piero Vargas/Foto Andina)

Viva Perú, c…!, bradou o presidente eleito Ollanta Humala em praça pública, na festa de sua posse, em 28 de julho. A frase, uma das mais populares do país, resumiu o sentimento de alívio com a vitória suada sobre Keiko Fujimori­, herdeira de um dos ícones do vizinho sul-americano, há décadas imerso numa intensa história de corrupção, violações aos direitos humanos e com 52% de seus habitantes vivendo na corda bamba da pobreza. “É um triunfo de todos vocês”, declarava Humala, depois de, nos bastidores, trocar de roupa e fugir do protocolo e dos seguranças para conseguir chegar à festa como a maioria dos peruanos, de calça jeans e camisa branca, e de mãos dadas com a mulher, Nadine Heredia.

Não é só o gosto pela quebra protocolar que o assemelhou ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O discurso moderado, que aponta um governo que priorizará a inclusão social, porém sem grandes rupturas com o modelo econômico, foi outro ponto em comum. Para acalmar o mercado financeiro, Humala nomeou para o cargo de primeiro-ministro o empresário Salomón Lerner Ghitis, e o economista Luis Miguel Castilla para a pasta da Economia. Castilla ocupava, até o começo de julho, o cargo de vice-ministro da Fazenda do governo conservador de Alan García, alvo frequente de críticas de Humala durante o período eleitoral.

O fato esquentou o ambiente partidário do primeiro presidente de esquerda eleito no país. A recém-nomeada ministra da Mulher, Aida García Naranjo, no entanto, tratou de assegurar que os compromissos com as políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade darão o tom do mandato.

E estarão também na agenda dos titulares da Economia e do Banco Central. “A Economia precisa ter claro que o programa do governo é de inclusão”, avisa.

Durante o discurso de posse, no Congresso Nacional, Ollanta Humala prometeu trabalhar para enterrar a expressão “exclusão social” no país e decretou o aumento do salário mínimo, dos atuais 600 soles (cerca de R$ 340) para 675, imediatamente, e para 750 (R$ 430), em 2012.

Declarou a ampliação dos programas sociais, como o Juntos, versão peruana do Bolsa Família, que atende 471 mil famílias. E a criação de outros, como o Pensión 65, dirigido à população acima de 65 anos desprovida de seguridade social pública, e o Cuna Más, espécie de auxílio-creche para que as mães deixem os filhos em local sob cuidado profissional. Discursou ainda sobre investimentos em saúde, em todos os níveis de educação e na agricultura familiar. “Estamos com esperanças novamente”, declaravam vários populares que se aglomeravam na manifestação na Praça das Armas.

Sobre a relação com o mercado, em vista da desconfiança dos que viram, no desenrolar do processo eleitoral, o candidato abrandar o discurso que adotara, o presidente prometeu uma “nova relação” entre o Estado e o mercado. Avisou que o Estado será “promotor do desenvolvimento” e impulsionará a criação de “oportunidades para todos”.

Fujimorismo

Ollanta Humala ago 2011 (foto: Vidal Tarqui/Foto Andina)

Durante o segundo turno da campanha presidencial, Humala enfrentou Keiko­ Fujimori. Foi de apenas três pontos percentuais a vantagem sobre a filha do ex-presidente Alberto Fujimori, eleito em 1990. Dez anos depois, sob uma saraivada de denúncias, de corrupção a violação de direitos humanos, foi forçado a renunciar. Em 2009 a Justiça o condenou a 25 anos de prisão e lhe impôs o pagamento de indenizações ao Estado no valor de US$ 13,5 milhões e US$ 1,6 milhão a 28 vítimas.

No governo a partir de 1991, Alberto Fujimori aplicou no ano seguinte o que se chamou de um “autogolpe”. O Congresso foi dissolvido e houve intervenção no Judiciário. Apenas em janeiro de 1993 o país voltou a ser regido por uma Constituição, que ainda vigora e dá mais poderes ao Executivo que a de 1979, elaborada ainda durante o governo militar, um ano antes da volta de um presidente civil.

Para se distanciar desse legado, Ollanta Humala jurou obediência à Constituição de 1979, e não à vigente, promulgada em 1993 por Fujimori. Sua atitude sinaliza disposição ao diálogo e respeito ao Legislativo. Parlamentares ligados ao fujimorismo a receberam com vaias e gritos durante a sessão solene. Martha Chavez, a principal referência do recente passado peruano, declarou que o país está “sem presidente e vice”, uma vez que o juramento foi realizado a partir de uma Constituição não vigente.

O Peru mantém uma política de alinhamento com os Estados Unidos. Um acordo de livre-comércio vigora desde 2007 entre os dois países. O discurso de posse observou o interesse em privilegiar uma aproximação com os países latinos. “Queremos uma economia integrada especialmente com os países andinos e a América do Sul”, declarou Humala ao Congresso, evocando nomes como os de Simón Bolívar e San Martín. “Nossa região é imensa, rica em recursos, porém também em histórias e em culturas comuns. Como escreveu Bolívar, a união é o que falta para completar a nossa regeneração, e esse é um objetivo pendente para todos os povos da América.”

Sintomaticamente, ainda no dia 28  uma reunião extra­ordinária da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)  foi realizada no Palácio do Governo, em Lima. Um dos temas era a integração regional para evitar consequências da crise que afeta os Estados Unidos e a União Europeia. Em entrevista à imprensa antes dos dois eventos, o assessor especial da Presidência do Brasil, Marco Aurélio Garcia, alertou: “O continente tem de estar preocupado com a situação mundial, porque estamos assistindo a modelos econômicos derretendo”.

Durante a reunião, a presidenta Dilma Rousseff apresentou um estudo elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), com o apoio da Unasul, demonstrando taxas mais reduzidas de pobreza e de indigência nos países graças aos “governos mais democráticos e representativos das camadas menos favorecidas”. 

Dilma endossou a necessidade de a América do Sul se comprometer com o combate à pobreza extrema. “Sabemos que isso requer vultosos investimentos na área social, tendo como objetivo a universalização de serviços essenciais, como os de saúde, educação e previdência. Esse desígnio, eu tenho certeza, orienta as ações dos governos e dos países da região”, disse. “Não podemos incorrer no erro de comprometer tudo o que conquistamos, não porque quiséssemos ou por erros que cometêssemos, mas por conta dos efeitos de uma conjuntura internacional desequilibrada que estamos enfrentando.”