Sonhos periféricos

Ativistas sociais veem com ceticismo promessas do Plano Diretor de SP

Moradores das periferias falam de suas expectativas e não se empolgam com possibilidades de que as boas ideias saiam do papel

sonia bischain

Representantes do bairro acreditam que em 2030 a Brasilândia estará em pleno conflito com as forças econômicas. O bar do Sarau da Brasa recebe cartinhas dizendo que terá de sair

São Paulo – O PDE oficializou zonas rurais na cidade de São Paulo, que poderão ter acesso a incentivos fiscais para produção agrícola e atividades de ecoturismo. Entre moradores, a expectativa é que se consolidem novos negócios e que o número de visitantes que troquem a São Paulo do caos por uma cidade mais tranquila em viagens de fim de semana aumente. “Quem sabe a gente não vira uma nova Campos do Jordão?”, sonha Fernando José de Souza, o Fernando Bike, membro do Conselho Participativo de Parelheiros, no extremo sul. “Temos a temperatura mais baixa da cidade. Por que não vir para cá, em vez de ir para outra cidade?”, provoca.

A região abriga a Área de Proteção Ambiental Capivari Momos e conta com pontos já explorados, que precisam de investimentos e divulgação. O mirante Krukutu dá vista para Mongaguá, Itanhaém e Praia Grande, no litoral sul do estado, e está próximo de cachoeiras e trilhas. “Pelo Plano Diretor, isso está dado. Mas há instabilidade grande na questão da moradia. Com a regularização fundiária pode haver mais investimentos de fato. Tendo certeza de que as moradias estão certinhas, as pessoas vão se sentir mais à vontade em investir e receber pessoas”, acredita.

Fernando aprova os investimentos em ciclovias na região. “Estive em uma reunião com o Haddad e foi falado que teríamos 21 quilômetros entre a Avenida Teotônio Vilela e a Estrada do Marsilac. Se sair do papel, incentivará ainda mais o ecoturismo.” Há também expectativa para que a região da Subprefeitura, que abrange 353 quilômetros quadrados (mais de dez vezes o tamanho da de Pinheiros) e cerca de 139 mil habitantes, passe a ser atendida por pelo menos um hospital público. Hoje é preciso ir até o Grajaú, também na zona sul – a uma hora e meia de transporte público. “O hospital está mais na propaganda do que na vida real. Seria muito importante para nós.”

Zona oeste

A produtora cultural Laura Sobral, do movimento A Batata Precisa de Você, vê dois cenários para a zona oeste em 2030. Ou a região, que concentra pouco mais de 1 milhão de pessoas, estará totalmente tomada pelos mais ricos, ou, o que é mais difícil, áreas populares continuarão sendo populares, porém mais dotadas de infraestrutura, beneficiando seus moradores tradicionais. É pela segunda opção que ela trabalha.

“A gente não vai conseguir fazer uma cidade justa no capitalismo”, receia. “O Plano Diretor tem coisas ótimas. O aumento da fruição nos térreos dos prédios, do uso misto… Mas temos de ver como os bairros tomados por prédios vão ficar. Em certa escala é bom, porque aumenta o adensamento. Mas é importante preservar a população de baixo poder aquisitivo nesses lugares quando as melhorias chegarem”, observa. Ela lembra que bairros como Pompeia e Butantã também vivem sob pressão do setor imobiliário.
“É uma relação muito predatória com a zona oeste.”

Laura crê que em 2030 o largo estará vivo e popular. O movimento surgiu em 2014, depois de concluídas as obras de “revitalização” do Largo da Batata, no bairro de Pinheiros. O local cheio de vendedores ambulantes, botecos, casas de forró e lojas de R$ 1,99 parecia não combinar com a paisagem de seu entorno, depois que foi “beneficiado” pela Operação Urbana Faria Lima. Foram erguidos prédios espelhados que não podiam refletir a simplicidade da vida no chão. Desde então, as pessoas se encontram semanalmente no largo para realizar atividades, desenvolver e cuidar elas mesmas do mobiliário – antes, o local estava deserto, sem bancos nem árvores, o que afastava ainda mais as pessoas. “Aqui sempre foi uma praça com dimensões metropolitanas. Foi uma das primeiras ocupações da cidade, onde havia uma aldeia indígena. Sempre ligou a cidade com outras e outros bairros. É porta de entrada para a zona oeste, onde esse processo de gentrificação tem avançado”, afirma.

Zona norte

Antes era o samba de escolas como a Rosas de Ouro. Hoje, saraus como o da Brasa mantêm viva a identidade da zona norte. Daqui a 15 anos, ainda não se sabe. A região de 2,2 milhões de habitantes é a mais arborizada da cidade. Seis das sete subprefeituras locais têm área verde por habitante acima da média do município, que é de 12,5 metros quadrados. Na Jaçanã/Tremembé, a média chega a 90, ficando atrás apenas de Parelheiros. Boa parte dessa cobertura se deve à proximidade da Serra da Cantareira, região que vem sendo castigada pelos impactos ambientais da construção do trecho norte do Rodoanel, prevista para acabar em 2017, e também pelas crescentes ocupações irregulares, em consequência da pressão dos preços de alugueis em bairros mais estruturados.

Na Brasilândia, por exemplo, em 2030 já deve estar em operação a linha 6-Laranja do Metrô. A linha, que ligará o bairro à estação São Joaquim da linha 1-Azul, no centro expandido, será executada por um consórcio de empresas privadas, assim como a linha 4-Amarela. O Move São Paulo 6 terá participação da UTC Engenharia, Queiroz Galvão, Odebrecht e Eco Realty Fundo de Investimentos, que terão a concessão da operação até março de 2039.

A obra preocupa moradores que devem ser removidos para dar lugar a estações. “O bar onde está o Sarau da Brasa, por exemplo, vive recebendo cartinhas dizendo que nós teremos que sair”, conta um dos fundadores, Michell da Silva, o Chellmí. “Eu acho que em 2030 a Brasilândia vai estar em mais conflito, econômica e socialmente. Pode até ser que tenha mais centros culturais chegando. Mas não podem vir como discos voadores. Tem de ter diálogo”, afirma.

Aos 30 anos, Chellmí se diz membro da “geração puxadinho”, frutos de pais que, “de um jeito ou de outro”, conseguiram erguer suas casas. Com o encarecimento da região, os jovens têm dificuldade de se fixar no local. “Óbvio que o metrô adiantaria para a gente. Mas eu sempre sonhei em comprar uma casa onde eu nasci e não vou conseguir. Quem está excluído vai continuar excluído. Nos saraus, a gente fala que não é um poema que vai alimentar a barriga das pessoas, mas pode alimentar a alma e fazer essa pessoa ser mais crítica”, afirma. “Eu acredito na transformação. Não na mobilidade social. Mobilidade não depende de nós. Agora, transformação é o moleque não ir pra biqueira e ir pro sarau. Eu não consigo abraçar o mundo. Mas tocar, fazer um carinho – opa se consigo.”

Zona leste

Depois de décadas de luta, no próximo ano deve ser inaugurado o primeiro campus de uma universidade federal na zona leste de São Paulo. Na região mais populosa da cidade vivem 4 milhões de pessoas, um terço da população. Mas os indicadores sociais são precários. Até 2030, deve receber grandes volumes de investimento público e privado, com incentivos fiscais para a instalação de empresas. Mas o padre Antonio Luiz Marchioni, o Ticão, um dos entusiastas da luta pela universidade, acha pouco. “O maior problema que temos é a desigualdade. No ano 2000, o 1% mais rico abocanhava 13% de toda a renda da cidade. Dez anos depois, a mordida cresceu. Ficaram com 20%. Na zona leste isso é claro.”

Ele sonha em ver o Rio Tietê recuperado, com parques em suas margens. Mas não se anima com o projeto que vem sendo desenvolvido pelo governo do Estado. “Eles estão fazendo. Mas sem diálogo com as comunidades. Aí não adianta. Eles não fazem o que é preciso fazer porque aí seria necessário mexer com as grandes empresas, que jogam veneno no rio”, denuncia. Ticão espera um futuro de políticas mais humanizadas. Especialmente em educação. “Nossa universidade será focada em engenharias, mas do jeito que está o ensino só terá gente de fora. A escola, se quiser construir a cidade do futuro, tem de mudar de nome. Cada escola tem de ser um centro cultural, esportivo e educacional”, defende.

Padre Ticão crítica a gestão Haddad e os acenos de seu Plano Diretor. “Eles ficam falando de mobilidade, de bicicleta. Na periferia as pessoas andam a pé e as calçadas são horríveis. Imagino que eles que dizem isso viajam muito para a Europa. A esquerda está perdendo. Vamos levar uma surra e não voltamos mais”, diz, lamentando o cenário que prevê para 2030.