memória

Meu nome é Djalma

Ele foi para a coletânea de lendas futebolísticas ao combinar inteligência, técnica, força e lealdade. Djalma Santos sempre entrou e saiu de campo pela porta da frente

“Mário era um ponta esquerda fenomenal. Maluquinho, é verdade, adorava dar dribles desconcertantes nos adversários, não para humilhá-los, mas porque se divertia. Não tinha nenhuma objetividade. A torcida, porém, o amava e ia a loucura quando as tais jogadas aconteciam. Era sempre assim, todo domingo. Naquele domingo de verão de 1949, o Pacaembu fervilhava à espera do Corinthians e do seu divertido ponta, Mário.

“O adversário era a Portuguesa, e, na lateral direita, um desconhecido, Santos, “neguinho” troncudo, que estava lá prestes a ser a próxima vítima. E não deu outra. Não havia passado nem dez minutos do primeiro tempo quando Mário parou em frente a Santos (que ainda não tinha o Djalma no nome), gingou, brincou, ergueu a bola, deu um chapéu e saiu pelo lado, enquanto o estádio quase ia abaixo.

“Os torcedores do Corinthians ainda riam do lance quando, novamente, a bola para o lado esquerdo do ataque alvinegro. Dessa vez, Santos chegou primeiro. Poderia simplesmente se desfazer da bola. Mas para quê? Esperou por Mário. Gingou, brincou, ergueu a bola, deu um chapéu e saiu jogando com o requinte de fazer uma embaixadinha – que viraria a sua marca – antes de lançar a bola para o ataque.

“A torcida engoliu o riso. Mário não acreditou no que viu. “Que neguinho atrevido!” Os corintianos acabavam de ser apresentados àquele que se tornaria o maior lateral-direito da história. Aquele lance parecia dizer: “Muito prazer, meu nome é Santos. Djalma Santos”. Anos depois, Mário e Djalma se transformaram em grandes amigos e riam muito lembrando daquela ensolarada tarde de domingo.”

Do porão ao palácio

O texto acima é uma das 18 crônicas do livro Djalma Santos, do Porão ao Palácio de Buckingham (Amazon Books). A ideia dos jornalistas Adriana Mendes, Flavio Prado e Norian Segatto foi intercalar o relato biográfico do “maior lateral-direito da história do nosso futebol” com histórias pitorescas colhidas com amigos e familiares do craque que defendeu a seleção brasileira por 111 jogos, entre 1954 e 1968. Djalma disputou quatro Copas do Mundo e foi bicampeão, em 1958 e 1962. Entrou para a coletânea de lendas do esporte no Brasil ao combinar inteligência e técnica, precisão nos desarmes e passes, força física e lealdade – nunca um árbitro apontou-lhe um cartão vermelho.

O atleta, cidadão uberabense (nasceu na cidade mineira de Uberaba, onde morreu em julho do ano passado), é também modelo de uma fidelidade clubística impensável. Jogou 453 partidas pela Portuguesa de Desportos, entre 1948 e 1959, quando transferiu-se para o Palmeiras. Ali seria um dos fundadores da “Academia de Futebol”, da qual só sairia em 1968, 498 partidas depois. O livro do trio de jornalistas levou três anos para ser produzido e resultou numa luxuosa obra, com vasto estoque de imagens. Um trabalho elegante como o craque a quem, como quase todos de sua geração, o país ficou devendo um reconhecimento mais digno. (PD)