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Termômetro da pandemia

Se a segunda onda da gripe A vier fraca como no hemisfério norte, o alerta deverá ser revisto pelas autoridades. Governo vacina agora os grupos mais suscetíveis às complicações

Antonio Cruz/ABr

A menina Marina, ao lado do irmão e da mãe, vai ao Posto de Saúde em Brasília para receber a vacina contra a gripe A por ser portadora de doença crônica

Depois que um novo tipo de gripe afetou duas pessoas e matou uma em meados de abril de 2009, o governo do México declarou o alerta sanitário para o vírus A (H1N1). Em menos de dez dias, Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), anunciou que o surto poderia virar uma epidemia mundial. Em seguida, a prefeitura de Nova York informou que exames laboratoriais confirmaram o diagnóstico de gripe suína em oito dos cerca de 100 estudantes que estiveram no balneário mexicano de Cancún. A OMS elevou para 5 o nível de alerta, numa escala que vai até 6. A partir de então, pessoas usando máscaras tornaram-se a imagem mais comum em jornais e na televisão. Viagens foram canceladas, jogos de futebol suspensos, escolas evacuadas e férias escolares prolongadas. Em 12 de junho, um dia depois de a OMS declarar pandemia – que significa a ampla distribuição geográfica da doença, e não sua letalidade –, o laboratório Novartis noticiou a produção do primeiro lote de vacina. Em meio ao pânico, começava a corrida dos governos para garantir o imunizante.
Um ano depois de a gripe A ter tomado conta do noticiário, o Brasil vai para a reta final de sua estratégia de vacinação, iniciada em 8 de março. Já foram vacinados indígenas, trabalhadores da área de saúde, gestantes, doentes crônicos e crianças de 6 meses a 2 anos. A campanha prevê ainda vacinação de pessoas de 20 a 29 anos, idosos com mais de 60 anos, portadores de doenças crônicas e pessoas de 30 a 39 anos. Ao todo, haverá vacinas para cerca de 90 milhões de pessoas, e a estimativa é que pelo menos 62 milhões sejam imunizadas.

No final do ano passado, o Ministério da Saúde comprou 83 milhões de doses, pelas quais pagou R$ 1 bilhão. São vacinas da Sanofi, via Instituto Butantan, GlaxoSmithKline (GSK) e Fundo Rotatório de Vacinas da Organização Pan-Americana de Saúde. Em 25 de fevereiro, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou a aquisição de mais 30 milhões de doses para incluir no público-alvo pessoas de 30 a 39 anos – faixa etária com maior número de hospitalizações e mortes depois daqueles grupos priorizados anteriormente. A inclusão atende também a solicitações de diversos secretários estaduais, como o do Rio Grande do Sul, onde a maioria dos 272 mortos estava nessa faixa etária.

O custo será de R$ 300 milhões. Segundo Eduardo Hage, diretor de Vigilância Epidemiológica, a compra adicional já estava prevista: “Quando a estratégia foi anunciada, em 26 de janeiro, destacamos que, se houvesse alterações na situação epidemiológica e disponibilidade de vacina, outros grupos seriam incluídos”. Além disso, o governo aproveita a queda no valor do imunizante: o preço da dose da Sanofi passou de US$ 7,60, na primeira compra, para US$ 4,37.
Embora a procura seja grande nos postos públicos e mesmo nas clínicas particulares, a compra adicional chegou a levantar suspeitas de que o Brasil teria cedido a pressões dos fabricantes, empenhados em desovar no hemisfério sul os milhões de doses encalhados nos países do Norte.

“Não há dúvida de que os governos foram fortemente pressionados pelos laboratórios”, diz Hélcio Marcelino, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (SindSaúde). “Mas no caso do Brasil ficou claro que o lobby não funcionou. Tanto é que a estratégia de imunização continua a mesma anunciada anteriormente”, acrescenta.

Segundo números oficiais, em 2009 o Brasil registrou 27.850 casos e 1.632 mortes – o maior número absoluto de óbitos em todo o mundo pela nova gripe. Já o tipo comum da doença afetou 39.679 pessoas e suas complicações mataram 1.705. O impacto do vírus A em 2010 é imprevisível. “O número de casos poderá ser maior, por haver muita gente ainda vulnerável, ou menor, em função da vacina que começa a ser aplicada. Além disso, o agente causador pode se modificar, ficando mais ou menos ativo que o da gripe comum”, diz a infectologista Nancy Bellei, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Por isso, não podemos relaxar nas medidas preventivas. É sempre melhor prevenir do que remediar.” 

A técnica em enfermagem Andréa Maria de Aquino Munhoz, de São Paulo, já foi vacinada contra a nova gripe, embora tenha recebido a vacina contra o tipo comum. Ela conta que atua em um centro de referência em aids e cuidou de muitos doentes da nova gripe no ano passado. “Felizmente, onde trabalho nenhum paciente morreu por causa dela, mas muitos tiveram sérias complicações.” 
O encalhe na Europa, que levou à queda nos preços, começou em novembro passado, quando a Holanda anunciou a venda de 19 milhões dos 34 milhões de doses encomendadas. A Suíça, que comprou 13 milhões dos laboratórios GSK e Novartis para uma população de 7,7 milhões de habitantes, também anunciou a venda de 4,5 milhões de doses e fez doação à OMS. A Espanha comunicou a devolução das vacinas não utilizadas, argumentando que seus contratos com a Novartis (22 milhões de doses), a GSK (14,7 milhões) e a Sanofi-Aventis (400 mil) incluem cláusulas que permitem devolver os excedentes.

No começo de janeiro, o governo alemão começou a negociar com a GSK um corte de metade dos 50 milhões de doses encomendadas. Era de esperar. Em agosto, enquete da revista Der Spiegel revelou que somente 13% dos entrevistados disseram querer se imunizar, enquanto 25% responderam que provavelmente se vacinariam. A pesquisa constatou que só 28% dos entrevistados na faixa entre 18 e 29 anos – justamente o grupo mais infectado na Alemanha – encaravam a vacina de forma positiva.

Diferença entre a gripe comum e a influenza A
 As duas doenças agem de forma semelhante, possuem os mesmos sintomas e grau de letalidade. Ambas podem se apresentar por meio de febre repentina, acima de 38 ºC, dor de cabeça, dores musculares e nas articulações e dificuldade respiratória. A diferença entre um resfriado e uma gripe é a presença da febre, o sintoma mais comum nos casos de infecção por influenza. Portanto, uma pessoa com a nova gripe tem a febre como um dos principais sintomas, além da tosse e dores nas articulações e nos músculos. 

O vírus é mortal? Não, o que ocasiona a morte são as complicações geradas pela doença, principalmente a pneumonia.

Reações adversas

Além do declínio da atividade do vírus H1N1 na Europa Ocidental, há outras explicações para a baixa procura pela vacina. Os países estão preparados para enfrentar as doenças – daí não realizarem campanhas de vacinação. Consequentemente, a população não está acostumada à imunização em massa, como acontece no Brasil. Em alguns casos, a preocupação com eventuais reações adversas, que circulam principalmente na internet, chegou a ter certa influência. Entre elas, está a rara síndrome de Guillain-Barré, que afeta nervos responsáveis pela função motora. Como o imunizante modifica o sistema imunológico, que se prepara para combater o vírus, a reação ataca também o nervo periférico. O paciente pode apresentar fraqueza nas pernas, nos braços, músculos faciais e, em casos mais graves e raros, alterações respiratórias, na pressão e na frequência cardíaca.

Exageros

Para completar, houve uma série de escândalos. Na França, a compra de 94 milhões de doses deu o que falar. Dos 63 milhões de habitantes, apenas 6 milhões se vacinaram. O excesso francês ainda causa polêmica. Em fevereiro, o Senado criou uma comissão de inquérito para investigar a gestão da campanha de vacinação. Parlamentares acusam o governo de ter contratado especialistas ligados a grandes laboratórios, que teriam exagerado a gravidade da epidemia para forçar a compra. O governo desembolsou € 712 milhões. 

As acusações contra a indústria resvalaram na OMS. Em outubro, um blog abrigado no site da prestigiada revista Science noticiou o que até então não passava de teoria conspiratória, atribuindo ao virólogo holandês Albert Osterhaus, consultor da OMS, a suspeita de ter alimentado o temor sobre a pandemia para favorecer os interesses do seu laboratório. O nome do cientista está ligado também ao alarme do organismo internacional sobre a gripe aviária.

Para colocar mais lenha na fogueira, o presidente da Comissão de Saúde do Parlamento Europeu, o epidemiologista alemão Wolfgang Wodarg, quer que a entidade investigue se houve conflito de interesses entre a OMS e fabricantes. Em seu blog, Wodarg afirma que a gripe suína é “o maior escândalo médico do século” e acusa os laboratórios de “ter organizado uma psicose” e que “um grupo de pessoas da OMS está associada de maneira muito estreita à indústria farmacêutica”.

A repercussão foi tamanha que, em janeiro, a OMS respondeu às acusações em duas ocasiões. No dia 22, a diretora Margaret Chan usou a abertura da sessão anual do organismo, em Genebra, para justificar as medidas e o alarme sobre a doença, que em dez meses matou cerca de 14,1 mil pessoas em todo o mundo. “Fornecer aconselhamento independente é uma função importante da OMS. Levamos esse trabalho a sério e nos resguardamos de qualquer influência inapropriada”, disse, em comunicado distribuído à imprensa, acrescentando que a reação da entidade à pandemia, declarada em junho passado, “não teve a influência da indústria”. No dia 26, o órgão defendeu seus laços com parceiros do setor privado como “essenciais para alcançar seus objetivos em saúde pública hoje e no futuro”.

“Em meio a dúvidas e suspeitas, há uma certeza inquestionável: a maciça propaganda em torno da pandemia da gripe A, que matou aproximadamente 14 mil pessoas no mundo, num feito trágico, porém longe das 500 mil mortes anuais causadas pelas gripes sazonais”, diz o economista Fabiano Garrido, consultor do Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco, Vinhedo e Regiões, em São Paulo. Para Hélcio Marcelino, do SindSaúde, todos os excessos são prejudiciais. “De um lado há a mídia alarmista, incluída no esquema dos laboratórios e do jogo político, que fez da nova gripe uma doença muito mais grave e letal do que a sazonal, pondo a população em pânico”, diz. “De outro, a ignorância e desprezo de quem crê que gripe não é doença, que suas complicações não matam, e por isso nenhum tipo de gripe merece a mínima atenção.”

Higiene e orientações em caso de suspeita de gripe
Lavar as mãos com frequência e sempre que tossir ou espirrar.

Utilizar lenço descartável para higiene nasal.

Cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir.

Evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca.

Se surgirem sintomas de gripe (principalmente febre, tosse, dor de cabeça e no corpo), procure o médico mais próximo e não tome medicamento por conta própria.