Fórum social mundial

Polêmica em progresso

Em sua décima realização, o Fórum Social Mundial “retornou a Porto Alegre”. Ou será que foi Porto Alegre, seu berço, que “retornou ao Fórum”?

Sergio Moraes/REUTERS

Passeata de abertura do Fórum de 2003 percorre as ruas de Porto Alegre

O que mudou na trajetória da cidade de Porto Alegre e do Fórum, depois que este já passou pelos cinco continentes? Isso não é pergunta sobre o sexo dos anjos nem retórica. Tanto é que desta vez não foi só a capital gaúcha a sua referência, mas a Grande Porto Alegre. E o encontro nessa Região Metropolitana abriu uma série de outros, a começar pelo Fórum Temático da Bahia (de 29 a 31 de janeiro), o Catalão, em Barcelona, o de Madri, mais os de Kpomassé, no Benin (África), e em Praga, Brno e Usti nad Labem (na República Tcheca).

Hoje, há quem veja o Fórum como fracasso: “O discurso autonomista, tão proeminente nas primeiras edições do FSM, apresenta-se agora como uma relíquia exótica, desprovido de vida e conexão com a realidade. O que explica a irrelevância à qual, pouco a pouco, vai sendo condenado o próprio Fórum” (“FSM, décima edição”, de Breno Altman, em www.cartamaior.com.br 6/1/2010). Ou como esperança: “O FSM e o chamado ‘espírito de Porto Alegre’ ganharam o mundo, constituindo-se como um espaço em movimento e como um espaço dos movimentos em luta por uma mundialização alternativa” (“FSM – 10 anos Grande Porto Alegre”, de Eduardo Mancuso, idem, 9/1/2010).

Essas opiniões opostas são a ponta de um iceberg que acompanha o Fórum desde sua primeira edição em Porto Alegre, em 2001, e por todas as demais – Porto Alegre, 2002, 2003, 2005; Mumbai, 2004; Caracas/Bamako/Karashi, 2006; Nairóbi, 2007; policêntrico (A Global Call for Action), 2008; Belém, 2009. Para os entusiastas, o caráter descentrado do Fórum, que não tira documentos finais únicos desde sua fundação, é prova de sua vitalidade e pertinência. Para os críticos, essa falta de “centralidade” é prova de que o Fórum pode ser um evento bonito, mas inócuo. Na verdade, uns e outros têm pontas de razão.

O FSM surgiu como resposta ao Fórum Econômico de Davos, na Suíça. Com o fim dos regimes comunistas, Davos adquiriu uma espécie de autoridade planetária para refletir e recomendar orientações políticas e econômicas. Entretanto, sempre houve protestos contra essas manifestações. Um particularmente gigantesco foi o de Seattle, em 1999. Esses protestos levaram à criação do Fórum. Com o passar do tempo, o FSM “libertou-se” desse caráter de “resposta a Davos”, passando a ditar a própria agenda e o próprio caminho. Quem hoje carece de identidade é o Fórum suíço.

Apesar da autonomia do FSM em relação a governos e partidos, não dá para separar a escolha de Porto Alegre como sede das primeiras edições do sucesso das várias administrações populares na cidade. E a perda dessas gestões não deve ser descartada como uma das causas do afastamento do FSM de seu berço. Nem se pode separar esse “retorno” à Grande Porto Alegre do fato de várias atividades acontecerem em municípios administrados por governos de esquerda. O fator político explica também por que muitas das atenções se voltaram preferencialmente para o Fórum Temático da Bahia. Um dos êxitos do Fórum de Belém foi a presença de cinco presidentes sul-americanos: Lula (Brasil), Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Fernando Lugo (Paraguai). Na Índia, o Fórum teve apoio organizacional do Partido Comunista.

Por último, vale destacar que além de promover temas da agenda mundial, como os do meio ambiente e da cultura da paz, o Fórum reuniu e potenciou em escala mundial a atuação de uma “geração” muito diferenciada de intelectuais que passaram a se identificar com seu espaço: Eduardo Galeano, Susan George, Vandana Shiva, Tariq Ali, Samir Amin, Emir Sader, Ignacio Ramonet, Hazel Anderson, Daniel Bensaïd (falecido em janeiro deste ano), Bernard Cassen, Michel Löwy, Noam Chomsky, Walden Bello, Immanuel Wallerstein, Arundhati Roy, Leonardo Boff, entre muitos outros e muitas outras.

Seja de que ângulo se olhe para ele, o século 21 nasceu com o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, e não (esperemos) com o 11 de setembro de 2001 em Nova York.