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O nome da lei

Maria da Penha denunciou a agressão do marido e a ineficiência da Justiça. Sua persistência conquistou a lei que amplia a proteção das mulheres contra a violência doméstica

jr. panela

Dois acontecimentos mudaram significativamente a vida de Maria da Penha Maia Fernandes nas últimas duas décadas. O primeiro, trágico, deixou-a paraplégica aos 37 anos, em 1983, quando o próprio marido, Marcos Antonio Heredia Viveros, deu-lhe um tiro nas costas enquanto ela dormia. O segundo acontecimento, heróico, foi em 2006, quando ela presenciou, no Palácio do Planalto, a promulgação da Lei da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Lei n° 11.340/06, ou simplesmente a “Lei Maria da Penha”.

O objetivo é aumentar a proteção contra agressões familiares (de maridos, companheiros ou parentes), inclusive do mesmo sexo, seja de forma física, psicológica, sexual, patrimonial, seja moral. Não serão mais aplicadas penas leves, como trabalho voluntário e cestas básicas. Estão previstos juizados especiais e atendimento policial específico, o agressor poderá ser preso em flagrante e, em contrapartida, a mulher só poderá retirar a queixa perante o juiz.

A farmacêutica Maria da Penha dá nome à lei por ter persistido na denúncia da ineficiência da Justiça na apuração e condenação de seu agressor. Duas semanas depois da primeira tentativa de assassinato, em maio de 1983, o ex-marido, professor universitário, tentou eletrocutá-la na hora do banho. O agressor foi condenado, apelou, teve o julgamento cancelado com erros judiciais e passou apenas 30 meses na prisão.

Para Penha, a agressão sofrida só foi minimizada quando, em outubro de 2002, poucos meses antes da prescrição do crime, Marcos Antonio foi julgado e condenado a 19 anos de prisão, os quais cumpre hoje em regime semi-aberto. Um ano antes do julgamento, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acolheu denúncia encaminhada por Penha e várias entidades de direitos humanos e responsabilizou o Brasil por “negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres”, o que deu repercussão ao caso e acelerou a mudança na legislação. Foi também o primeiro caso de aplicação da Convenção de Belém do Pará, um tratado internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres nas Américas.

Passados sete meses da aprovação da Lei Maria da Penha, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República quer agora saber o que de fato foi implementado e estudar as conseqüências da sua aprovação. Em fevereiro, publicou edital para formação do Observatório de Monitoramento de Implementação e Aplicação da Lei, para contratar em forma de consórcio organizações não-governamentais e instituições universitárias que deverão pesquisar os resultados.

A convocação do Observatório se deve às inúmeras dificuldades ainda encontradas. Existem controvérsias sobre a aplicação da lei, não há estrutura policial e judicial condizente com o que foi aprovado, há reclamações de que as denúncias ficam restritas a boletins de ocorrência e o agressor continua com ameaças. A reação das próprias mulheres ainda é confusa: em algumas cidades há estímulo à denúncia; em outras prevalece o medo da perda do marido provedor e as denúncias diminuíram. Há ainda registros de casos como o da mulher que enviou a si própria mensagens ameaçadoras e atribuiu ao ex-namorado, que responde processo por crime, ou a que encenou uma agressão por ciúme e foi desmentida pelo próprio pai.

penhaSem ressentimentos
Hoje uma mulher vigorosa e sem ressentimentos, Maria da Penha Maia Fernandes divide sua agenda entre a casa onde mora, em Fortaleza, e viagens por todo o país, nas quais narra sua trajetória de vida. No último dia 28 de fevereiro, atendeu à reportagem da Revista do Brasil.

Especialistas acreditam que algumas mulheres que já tinham receio de denunciar ficaram ainda mais temerosas, e o número de queixas é que tem diminuído, não o de agressões. A senhora concorda?
Concordo que as queixas têm diminuído, mas não que as mulheres tenham deixado de denunciar. Os maridos é que vêem que a lei funciona e estão respeitando mais.

O que mudou na sua vida após a agressão?
Tudo. Tive de me readaptar a um novo tipo de vida, superar as dificuldades da deficiência adquirida. Ficar menos dependente, ter maior autonomia. No início houve dificuldade para criar meus filhos, um de 1 ano e 8 meses e outro de 6 anos, mas tive apoio da minha família.

E depois de a lei ser promulgada?
A dimensão foi tão grande que nem me lembro que estou de cadeira de rodas. A gente sente nos encontros as mulheres muito agradecidas, o movimento de mulheres foi fortalecido, as delegadas podem trabalhar porque agora elas têm como socorrer uma mulher vítima de violência. Têm condições de prevenir e responsabilizar. Com certeza vai refletir no homem, que pensará duas vezes antes de ser violento. O homem vai ver que é muito mais vantajoso não agredir.

Como é sua agenda hoje?
Minha agenda de março e abril está praticamente lotada. Só tenho espaço agora para maio.

A senhora cobra para comparecer a eventos? Do que a senhora vive hoje?
Aposentei por invalidez, pelo Instituto de Previdência do Estado do Ceará. Trabalhava como farmacêutica e bioquímica. Quanto aos eventos, a maioria não é remunerada. Eu acho que tenho de estar presente mesmo. Quando uma empresa grande me convida e propõe algo, digo: “Vocês dão o que quiserem”.