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O espetáculo na notícia

A cobertura maciça dada pela grande mídia privada comercial ao júri do caso Richthofen vem confirmar, mais uma vez, a transformação da violência em espetáculo e do jornalismo em entretenimento

Andre Porto/Folha Imagem

Suzane von Richthofen: criminosa ou personagem de novela?

A significação de espetáculo remete para tudo o que chama a atenção, atrai, prende o olhar. Ao espetacularizar as coberturas jornalísticas, a mídia – a televisão, sobretudo – busca garantir a atenção do seu telespectador, mantê-lo atento, preso à revelação da tragédia humana com sua dramaticidade potencializada pelo mix de sons e imagens multicolorido. Só que, ao cumprir o papel a que foi reduzida – oferecer ao anunciante audiência para exposição da sua mercadoria –, a grande mídia transforma o seu jornalismo também em mercadoria espetacularizada.

Exemplo recente foi a cobertura da Copa do Mundo. A não ser o cidadão mais desavisado, poucos deixam de perceber que o futebol profissional envolve vultosos interesses financeiros – da mídia, dos clubes-empresa, dos agenciadores de atletas, dos fabricantes de equipamentos esportivos, dos países envolvidos etc. etc. Foram esses interesses que praticamente transformaram, durante cinco semanas, o nosso principal telejornal – o Jornal Nacional, da Rede Globo – em noticiário esportivo.

A associação de empresas de mídia com grupos comerciais globais constitui um dos temas mais relevantes na discussão contemporânea sobre os rumos do jornalismo. Essa questão tem sido identificada como “jornalismo sitiado”, sobretudo depois que o acelerado processo de concentração da propriedade no setor transformou muitos grupos de mídia – inclusive no Brasil – em apenas parte de imensos conglomerados que não necessariamente têm compromisso com a atividade jornalística.

Há diversos casos documentados de maior ou menor interferência direta desses conglomerados no jornalismo de suas empresas de mídia. Um deles virou sucesso, em 1999, no filme O Informante (The Insider), com Al Pacino e Russell Crowe, que dramatiza o jogo de interesses entre a indústria de tabaco e a rede americana de televisão CBS (Westinghouse) para evitar a divulgação de matéria comprometedora na revista noticiosa 60 Minutes.

Situações como essas é que fazem emergir os determinantes reais de coberturas espetaculares tanto no esporte como em crimes e escândalos. Isso se confirmou agora na cobertura dos júris dos assassinatos do casal Richthofen e dos jovens Felipe Caffé e Liana Friedenbach.

Há pouco mais de dois anos, em um Encontro Internacional pela Paz e contra a Guerra, realizado em Porto Alegre, o jornalista francês Bernard Cassen advertiu que entre aqueles que acreditam que “um outro mundo é possível” ainda há ilusões em relação à grande mídia – esquecem-se que ela é peça central do processo de globalização e que, portanto, a crítica à globalização deveria se dirigir igualmente aos meios de comunicação de massa.

A ilusão com os pequenos e ocasionais espaços oferecidos faz com que se deixe de investir naquilo que é de fato importante e estratégico: a criação de um sistema alternativo de comunicações, minimamente eficaz, que pudesse fazer frente à grande mídia na batalha diária pela conquista da opinião pública.

Essa é, certamente, tarefa prioritária para os movimentos sociais. É preciso, pelo menos, fazer cumprir a norma que já está na Constituição de 1988 e que fala em complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal (artigo 223). O que temos no Brasil é a hegemonia de apenas um dos possíveis sistemas de mídia. E é esse sistema dominante que tem priorizado historicamente – como agora – seu compromisso privado comercial em detrimento do interesse público.

Venício A. de Lima é jornalista e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília