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Freio nos abusos

Justiça define que bancos têm de respeitar Código de Defesa do Consumidor e clientes ganham mais força para se proteger

paulo pepe

O constrangimento que correntistas de bancos vivem há tempos, de ter que comprar um seguro ou um plano de capitalização para conseguir um empréstimo, pode estar com os dias contados. A operação casada é proibida por lei. E pode se tornar um abuso do passado, junto com muitos outros praticados pelos bancos, se o cliente recorrer aos órgãos de defesa do consumidor. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) têm de ser obedecidas pelas instituições financeiras.

O setor mais lucrativo do país travou uma briga judicial para se safar dessa obrigação. Queriam tratamento diferenciado dos demais setores econômicos – indústria, comércio, prestadores de serviços – e que o CDC não patrulhasse as suas relações com os clientes e usuários. Na verdade, os bancos queriam criar um código específico, aplicado por eles mesmos e fiscalizado unicamente pelo Banco Central. Perderam. Num julgamento que durou quatro anos para terminar, encerrado no dia 7 de junho, o STF mandou os bancos tirarem o cavalo da chuva por placar incontestável, nove votos a dois.

Num país em que os banqueiros não estão habituados a perder, a decisão merece ser festejada. “Esperamos que as reclamações contra os bancos diminuam por que eles mesmos passarão a adotar as normas do código”, diz Marli Aparecida Sampaio, coordenadora da Fundação Procon-São Paulo. Para o presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Luiz Cláudio Marcolino, a decisão do STF tem um gosto especial para as entidades que lutaram pelo enquadramento dos bancos: “É uma vitória da cidadania”.

Ele destaca que os trabalhadores bancários também ganham com essa regulamentação. “Agora a direção do banco sabe o que pode e o que é ilegal. Isso pode contribuir para a redução do assédio moral para cumprimentos de metas que tanto atormenta os bancários”, diz o sindicalista.

Durante os quatro anos do julgamento, sindicatos e órgãos de defesa agiram em conjunto, com manifestações de rua e uma enxurrada de mensagens para os ministros do STF, além de disputar o espaço da polêmica nos jornais e revistas. Para Marcolino, esse movimento influenciou no resultado. “Mostramos que tinha um setor da sociedade que não se omitiu diante dos abusos dos bancos e não deixamos o assunto sair de pauta nesses mais de quatro anos.”

Na tramitação, os advogados dos bancos, Ives Grandra e Arnold Ward, recuaram da posição inicial que pedia a exclusão total dos bancos do código. Decidiram tentar “salvar” apenas seu livre arbítrio quanto à cobrança juros bancários – alegando ser assunto exclusivamente do bico do Banco Central. Dois ministros do STF, Nelson Jobim e Carlos Velloso, votaram pela aplicação parcial do código, rejeitando o controle de juros para operações de crédito e remuneração das aplicações. A maioria, porém, determinou o respeito ao CDC pelos bancos na sua integralidade.

idec

O que o código de defesa do consumidor garante

O banco não pode conceder empréstimos não solicitados, com crédito em conta corrente

O banco não pode obrigar a utilização de caixas eletrônicos

O limite de multa por mora no atraso de pagamento é de 2%

Quebra de sigilo é responsabilidade do banco

Também é responsabilidade do banco a utilização do cadastro do cliente por terceiros

Falhas eletrônicas (fraudes) que o cliente não causou são responsabilidade do banco, assim como falhas eletrônicas em ordens de pagamento, cheques, depósitos

Não podem ser cobrados cartão de crédito remetido sem solicitação, cartão magnético ou talão de cheques com 10 folhas por mês para acesso à conta

As tarifas só podem ser reajustadas uma vez por ano, contado a partir da data de abertura da conta corrente ou da contratação do serviço

É proibido obrigar o cliente a adquirir serviços (operações casadas)

Também são proibidas mudanças unilaterais em contratos. O cliente deve receber uma cópia do contrato com o banco, antes de abrir conta, com texto claro que discrimine o valor de tarifas

Contas exclusivas para recebimento de salário não podem sofrer tarifas. Nem o banco pode “dar” limite de crédito para o cliente sem alertá-lo que pode cobrar por isso

Os bancos chiaram. Fizeram terrorismo afirmando que dever satisfação aos direitos dos consumidores mexeria com o sistema financeiro. Marcos Diegues, gerente jurídico do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – rebate: “O código não é o instrumento para controlar juros, mas serve para eliminar os juros abusivos”. E cutuca: “10% a 12% ao mês são ou não juros abusivos? Os bancos deveriam pedir a revogação da lei que determina que agiotagem é crime”. Outro ponto polêmico são as tarifas. A receita com prestação de serviços, de acordo com o Dieese, corresponde a mais de 30% dos lucros dos bancos e cobre mais que uma folha de pagamento de pessoal em muitas instituições.

Como não existe uma política tarifária no país, os bancos cobram o que querem e são obrigados apenas a colocar um aviso na porta das agências. E põe abuso aí. Basta ver a tarifa para confecção de um simples cadastro, que chega a 300 reais. A única forma de defesa para os clientes segue sendo o Código de Defesa do Consumidor, graças a uma histórica vitória da cidadania contra o poder econômico.