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A casa do sorriso

O Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, em Bauru (SP), é referência no tratamento de fissuras nos lábios e céu da boca e de deficiências auditivas. O atendimento é humanizado, com profissionais especializados, e tudo pelo SUS

Olicio Pelosi

Atividades lúdicas fazem parte do dia a dia

A  pequena Laiza escolheu uma roupa de bailarina para usar. Vestido de tule amarelo, tiara prateada, bonequinha nas mãos. Está distraída com os coleguinhas, assistindo aos bonecos Areta e Aretuso. Nem parece que ela, de 4 anos, e Ana, a mãe, estão num hospital. Aguardam o telefone tocar e a “tia” avisar que é hora de ir para o centro cirúrgico, onde vai ser submetida a uma operação de correção labial. Como ela, cerca de 250 pacientes de todo o Brasil, em geral crianças, passam diariamente pelos corredores decorados do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (USP), na cidade de Bauru, interior de São Paulo.

Conhecido como Centrinho, o hospital combina atendimento multidisciplinar integrado, humanização, aconchego, brincadeiras e arte. Tudo para aliviar a dor e as dificuldades dos pequenos pacientes e familiares. O tratamento é longo e pode ir dos 3 meses aos 18 anos.

Quando Ícaro nasceu com fissura labial, Cristiane nunca tinha ouvido falar de anomalias craniofaciais. “Foi um choque. Não deixaram nem eu ver. Eu já sabia que tinha alguma coisa errada”, lembra. “Eu só não suspeitava que fosse tanto. Mas depois o próprio pediatra, na maternidade, me falou do Centrinho.” Aos 3 meses, Ícaro passou pelo primeiro atendimento. Aos 12 anos e três cirurgias depois, ele e a mãe comemoram. “Nós nos consideramos vencedores, porque do jeito que eu vi… A gente não imagina que vai ficar perfeito do que jeito que é”, afirma Cristiane.

Para a mineira de Ipatinga, o tratamento e, principalmente, a forma como é feito foram essenciais para o restabelecimento de Ícaro, que quer ser técnico de informática quando crescer. “Eles tratam a gente como ser humano. A gente tem tudo pelo SUS”, destaca. “Tendo dinheiro ou não, o tratamento tem a mesma qualidade.” Segundo a mãe, o diferencial está na atenção às crianças e famílias. “O carinho que eles têm com o filho da gente é especial.” 

Olicio Pelosiyuri
Yuri, de Belo Horizonte, viajou com a mãe até Bauru para fazer um implante coclear. Já está ouvindo e até pede para diminuir o volume
Abaixa o volume! Yuri, de Belo Horizonte, viajou com a mãe até Bauru para fazer um implante coclear. Já está ouvindo e até pede para diminuir o volume

 Desde 1967 o Centrinho já atendeu 75 mil pessoas. O hospital acompanha casos de pessoas nascidas com anomalias craniofaciais, como fissuras labiopalatinas, deficiência auditiva e síndromes relacionadas. Cada criança ou adulto passa por uma equipe de muitas especialidades. Dentistas, fisioterapeutas, psicólogos, pediatras, otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos, neurologistas, cirurgiões plásticos, neurocirurgiões, geneticistas, biólogos, fisiologistas, pedagogos, assistentes sociais, recreacionistas, nutricionais e enfermeiras são responsáveis por dar o atendimento humanizado e integral aos pacientes.

Iure, de 3 anos, brinca com massinhas na mesma sala que Laiza. Ele vai passar por uma cirurgia para colocar um implante coclear – uma prótese de alta tecnologia, também conhecida como ouvido biônico. A mãe, Luciana, é só alegria. O procedimento de aproximadamente R$ 46 mil, custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), vai permitir que o garotinho ouça pela primeira vez. Iure e Luciana são de Brasília e depois da operação, como a maioria dos pacientes, voltam para casa de ônibus. 

No mesmo dia, a Revista do Brasil encontrou outro Yuri, também de 3 anos, de Belo Horizonte. Tem a cabeça enfaixada porque fez o implante coclear um dia antes. Mãe e filho fariam novamente o trajeto de 13 horas entre Belo Horizonte e Bauru, um mês depois, para que o ouvido biônico fosse ligado. A reportagem foi conferir. Ao ouvir os primeiros ruídos, Yuri reagiu rapidamente, emocionando a mãe: “A emoção é muito grande. Não é uma cura, mas saber que ele vai poder ouvir, falar ‘mamãe’, ‘papai’, é maravilhoso”, disse Adriana.  

O Tio Gastão

tio

O professor doutor José Alberto de Souza Freitas dirige o Centrinho há 42 anos. Mas ninguém o conhece. Já o Tio Gastão, homem alto, sorridente, de avental branco, sentado no jardim do hospital, conversando com as mães, todo mundo sabe quem é. O pesquisador conta que descobriu a importância de tratar anomalias craniofaciais de forma integrada, humanizada e multidisciplinar ao acompanhar casos de crianças na década de 1960. Inicialmente, a correção de fissuras labiopalatinas se restringia à operação plástica dos lábios, que com o crescimento da criança voltavam a surgir, junto com outros problemas. Também percebeu que as crianças com essas anomalias não completavam o ensino médio, porque recebiam apelidos e sofriam discriminação pela voz fanha, lábio e nariz achatados. 

O Centrinho já nasceu em 1967 com visão multidisciplinar. Mas Tio Gastão disse que não está contente. “As crianças precisam de tratamento em outras áreas”, afirma. Por isso, em alguns meses, assim que o novo hospital for inaugurado, o Centrinho vai atuar na área de cardiopatologias congênitas. “O professor Zerbini nos disse: quando tem uma fissura na face, tem uma no coração. O coração e a face se formam mais ou menos no mesmo período embrionário”, revela. A morte precoce de crianças é resultado da falta de diagnóstico de problemas do coração. A expectativa é que o hospital também atenda crianças com deformidades múltiplas e complemente a reabilitação craniofacial com cirurgias estéticas. “O paciente só é reabilitado quando gosta de se olhar no espelho. Quando você tem raiva do espelho, é muito difícil vencer outras barreiras na vida”, ensina Tio Gastão. 

Raridade

Raphaela

Raphaela, de 8 anos, está internada no Centrinho desde a segunda semana de vida. Ela tem uma síndrome rara. Menos de dez pessoas no mundo têm a síndrome Carey-Fineman-Ziter, e Rapha é o único caso brasileiro. O principal sintoma da doença, de tratamento ainda desconhecido, é a falta de força muscular para respirar. Ela também sofre com o comprometimento de outros órgãos, como rins e estômago, e paralisia facial. “Desde que ela nasceu, dizem que vai morrer. Mas ela desmente qualquer prognóstico médico”, afirma a avó  Elisabeth. Rapha já passou por cinco cirurgias de alto risco, só respira com a ajuda de equipamentos e continua lutando pela vida. 

Depois de tantas operações, de tantos “chamados finais”, Beth está otimista com a evolução. A menina é considerada a princesa da Unidade de Cuidados Especiais (UCE), onde bebês portadores de síndromes congênitas também recebem atenção. Beth e toda a família estão todos os dias na UCE. Em 2009, a avó comemorou os 8 anos de Rapha com uma festa em homenagem ao hospital. Para ela, a neta ensina que é preciso comemorar, viver e agradecer a cada dia. “Por que eu vou reclamar, se um bebezinho suporta tudo isso?” 

Arteterapia

Silvana, de Unaí (MG), está na sala de espera cirúrgica aprendendo a fazer um lápis decorado. Assim tenta se acalmar. Seu filho Hugo, que ainda não completou 2 anos, estava recebendo seu ouvido biônico. “Eu estava mais nervosa quando cheguei”, conta. “Esse é um aconchego para quem passa por um momento difícil.” O hospital oferece a sala, materiais e funcionárias para ensinar as mães a fazer tapetes, bordados, artesanato enquanto esperam. “Elas chegam tensas, choram, mas depois uma começa a partilhar com a outra sua história e nós oferecemos artesanato para se distraírem”, explica Lurdes Feriato da Silva, uma das professoras de artesanato.

Mariana, de Cariacica (ES), acompanha o neto em sua oitava cirurgia no Centrinho e também aprende a decorar um lápis. Roberto, o neto, veste paletó, calça e peruca para o teatro que vai começar. Todo dia é assim. “De repente, sai uma peça com pacientes e familiares, um show de bonecos, uma dramatização, uma fábula ou uma sátira”, descreve a terapeuta ocupacional Márcia Almendros Moraes. Roberto nasceu com fissura labiopalatina. “Eu tinha uma cavidade só, do nariz até a boca”, comenta. Desde os 8 anos faz tratamento no Centrinho. Já operou o nariz três vezes, o palato uma vez e fez enxerto ósseo e de gengiva. Por último, realizou a segunda rinosseptoplastia.

Olicio PelosiLaiza
De bailarina, Laiza brinca enquanto aguarda a cirurgia

“Quando ele nasceu, mamava a conta-gotas”, lembra Mariana. O tratamento deu vida nova ao jovem, hoje com 21 anos. “Mudou tudo. Melhorou minha fisionomia, meu bem-estar, minha vida pessoal”, detalha Roberto. “Antes eu era chamado de fanhoso, gaguinho. Hoje sou normal, faço artes marciais, nado, namoro.” Como em muitos casos, Roberto e Mariana têm ajuda do SUS para a viagem e alimentação e complementam o restante.  

É bom saber
Anomalias craniofaciais são deformidades que acometem a região do crânio e da face. As mais comuns são as fissuras labiopalatinas. Se a fenda for só no lábio é chamada de fenda labial ou fissura labial. Se for só no palato (céu da boca), então é fissura palatina. E, se atingir ambos, é fissura labiopalatina. Um em cada 650 bebês nasce com anomalia craniofacial no Brasil.  

O que provoca?
De acordo com Maria Irene Bachega, diretora da Divisão Hospitalar e ouvidora do Centrinho, uma combinação de fatores genéticos e ambientais pode ser a causa da fissura. Os genéticos envolvem uma inter-relação de várias informações genéticas (genes) herdadas dos pais. Entre os fatores ambientais, podem provocar malformações o uso de álcool ou cigarros pela mãe; a realização de raios X na região abdominal da gestante; ingestão de medicamentos como anticonvulsivantes ou corticosteroides nos primeiros três meses de gravidez.  

Agendamento  
Quando uma mãe ou familiar telefona para o Centrinho, a central de agendamento explica todo o tratamento, solicita documentação e exames e em poucos dias a família já recebe retorno com o agendamento da consulta. “Nossa central é complexa e já informa à família que o tratamento pode durar até 18 anos”, diz Maria Irene.

Assistência social
O tratamento do Centrinho é gratuito. Há programas de assistência social que auxiliam financeiramente as famílias de outros estados no transporte e hospedagem. Saiba mais em www.redebrasilatual.com.br. Encontre também no site uma relação de hospitais credenciados pelo SUS para realizar procedimentos na área de malformações labiopalatinas. 

A relação de hospitais e programas que tratam de lesões labiopalatinas  

Em nível governamental, existe o Auxílio TFD (Tratamento Fora de Domicílio). Um benefício definido por portaria do governo federal, editada em 24/2/99, que concede ao usuário do SUS (Sistema Único de Saúde), que tenha alguma doença não tratável em seu próprio município por falta de condições técnicas, o direito de requisitar auxílio financeiro para tratamento de saúde em cidades distantes pelo menos 50 Km do seu endereço de origem, desde que haja possibilidade de cura total ou parcial. 

O auxílio pode ser concedido por prefeituras ou secretarias estaduais de saúde. 

Em geral, o paciente precisa de um laudo médico que comprove a sua necessidade de tratamento. Mas, cada Estado adota um sistema diferente para conceder o TFD, por isso é bom verificar via Internet na Página da Secretaria de Saúde do seu Estado ou diretamente na secretaria de saúde de sua cidade, para saber como proceder para conseguir o TFD. O benefício pode oferecer ao paciente e, se for preciso, a um acompanhante: transporte (aéreo, terrestre ou fluvial), hospedagem e ajuda de custo para alimentação.

Com relação a ONGs, depende de ações individuais ou em grupo, mas que fogem de nosso controle. O que podemos citar é a existência da Rede Profis. Criada em 2002, a Rede congrega hoje 38 associações pelo Brasil afora. Trata-se de um amplo projeto que, na prática, cria a primeira federação de associações de pessoas com fissura labiopalatina do país. Desde então, as associações espalhadas por 14 estados brasileiros podem trocar informações e contar com o suporte da rede para tirar dúvidas administrativas e organizar ações de capacitação. Detalhes: www.redeprofis.org.br

Hospitais credenciados pelo SUS para realizar procedimentos na área de malformações labiopalatinas:

Bahia
Hospital Santo Antonio 
Largo De Roma, Av. Bonfim, 160 – Salvador – BA 
Telefone: (71) 3310-1160

Ceará
Hospital Infantil Albert Sabin 
Rua Tertuliano Sales, 544 – Vila União – Fortaleza – CE
Telefone: (85) 3101-4195

Distrito Federal
Sarah Brasilia
Smhs 301, Conjunto A Brasília – DF
Telefone: (61) 3319-1111

Minas Gerais
Hospital Da Baleia
Rua Juramento, 1464 – Saudade, Belo Horizonte – MG
Telefone: (31) 3489-1500

Hospital Universitario Alzira Velano 
Rua Geraldo Freitas Da Costa, 120 – Cruz Preta – Alfenas – MG 
Telefone: (35) 3299-3538

Mato Grosso do Sul
Funcraf – Fundacao Para Estudo E Trat Das Deform Craniofaciais 
Rua 14 De Julho, 5093 – São Francisco – Campo Grande – MS
Telefone: (67) 3368-6200

Mato Grosso
Hospital Geral Universitário
Rua Treze De Junho, 2101 – Centro – Cuiabá – MT
Telefone: (65) 3363-7000

Pernambuco
Imip – Instituto De Medicina Integral Prof Fernando Figueira
Rua Dos Coelhos, 300 – Boa Vista – Recife – PE 
(81) 2122-4100

Piauí
Hospital Sao Marcos 
Rua Olavo Bilac, 2300 – Centro – Teresina – PI
Telefone: (86) 2106-8000

Paraná
Hospital Do Trabalhador 
Av Republica Argentina, 4406 – Novo Mundo – Curitiba – PR
Telefone: (41) 3212-5700

Rio de Janeiro
Smsdc Rio Hospital Municipal Nossa Senhora Do Loreto 
Estrada Do Carico, 26 – Ilha Do Governador – RJ 
Telefone: (21) 3393-2029

Rio Grande do Sul
Hospital Bruno Born 
Av Benjamin Constant, 881 – Centro – Lajeado – RS
Telefone: (51) 3714-7500

Hospital Nossa Senhora da Conceicao Sa 
Av Francisco Trein, 596 – Cristo Redentor – Porto Alegre – RS
Telefone: (51) 33572149

Santa Catarina
Hospital Infantil Joana De Gusmao 
Rui Barbosa, 152 – Agronomica – Florianópolis – SC
Telefone: (48) 3251-9000

Hospital Regional Hans Dieter Schmidt 
Rua Xavier Arp 01 – S/N – Boa Vista – Joinville – SC
Telefone: (47) 34615500

São Paulo
Funcraf Sao Bernardo Do Campo 
Av Senador Flaquer, 130 – Vila Euclides – São Bernardo Do Campo – SP
Telefone: (11) 4122-6100

HC da Fmusp Hospital das Clinicas 
Av Rebouças, 381 – Jardim Paulista – São Paulo – SP
Telefone: (11) 3083-2832 

Hosp das Clinica Hosp Auxiliar De Cotoxo 
Rua Cotoxo, 1142 – Sumaré – São Paulo – SP
Telefone: (11) 3069-6241

Hospital De Reabilitacao De Anomalias Cranofaciais Bauru 
Rua Silvio Marchione, 320 – Vila Universitária – Bauru – SP
Telefone: (14) 3235-8000

Hospital São Paulo Hospital de Ensino da Unifesp 
Rua Napoleão de Barros, 715 – Vila Clementino – São Paulo – SP
Telefone: (11) 5572-1922

Santa Casa de Araraquara 
Av Jose Bonifácio, 794 – Centro – Araraquara – SP
Telefone: (16) 3303-2999 

Santa Casa de Piracicaba 
Avenida Independência, 953 – Alto – Piracicaba – SP
Telefone: (19)3417-5000

Sobrapar Campinas 
Av Adolpho Lutz, 100 – Caixa Postal 6028 Cidade Universitária – Campinas – SP
Telefone: (19) 3749 9700

Tocantins
Hospital Regional de Araguaina 
Rua 13 de Maio, 1336 – Centro – Araguaina
Telefone: (63) 4141-144/3411-2801

Fonte: http://Cnes.Datasus.Gov.Br