Panchos y panchitos

Arte: Vicente Mendonça Longe de mim admitir a exploração do trabalho de crianças, ao contrário. Acho que quem, por exemplo, escraviza crianças – e adultos também – em carvoarias é […]

Arte: Vicente Mendonça

Longe de mim admitir a exploração do trabalho de crianças, ao contrário. Acho que quem, por exemplo, escraviza crianças – e adultos também – em carvoarias é um criminoso da pior espécie. Mas acho também que há alguns exageros que dão em efeitos colaterais ruins. Tem gente que considera exploração de mão de obra infantil até na ajuda que pais pedem aos filhos para pequenas tarefas. 

Recentemente um amigo que precisava de uma auxiliar numa revistaria não pôde dar o emprego a uma mocinha necessitada porque ela não tinha completado 16 anos. Era contra a lei empregar a menina. E ela, sem o emprego, na miséria.

Isso me faz lembrar uma viagem que fiz certa vez ao Paraguai.
Na década de 1980, minha namorada e eu resolvemos passar uns dias de férias no país vizinho e aproveitar para conhecer algumas ruínas das missões jesuíticas. Saí daqui brincando, dizendo que ia conhecer o Brasil do futuro. 

O Paraguai, porém, não sustentava a piada. Tinha corrupção, violência e bandidagem, sim. Inclusive no governo, ainda do general Stroessner, e entre os militares e a polícia. Mas me espantei com a honestidade do povo paraguaio. Podia-se andar na capital Assunção até de madrugada sem medo de assaltos.

Um dia, andando por um bairro de classe média, reparei que todas as casas tinham quintais grandes, com mangueiras, e não eram cercadas por muros. Havia apenas pequenas muretas, de menos de um metro de altura, separando os jardins das calçadas. Em cima de algumas muretas vi muitas mangas enfileiradas. Era um hábito colher as mangas que ­caíam de maduras durante a madrugada, a família ficar só com as que consumiria no dia e colocar as restantes para quem quisesse. E vi muita gente com feições indígenas passar por ali e pegar apenas uma manga. “É civilização demais!”, pensei.

Crianças na rua? Tinha, sim, mas vendendo jornais, tererê (um espécie de chimarrão frio), saltenhas e doces, e não cheirando cola, roubando ou pedindo dinheiro. Eu comprava jornais dos meninos. Havia dois diários: um que custava 200 guaranis e outro 100. Preferia o de 200. Um dia, distraído, peguei um jornal de 100 guaranis, dei uma nota de 200 e saí andando. O menino veio correndo atrás de mim me dar o troco. Comecei a dar dinheiro a mais de propósito, em várias situações, e sempre me devolveram o excedente.

Crianças trabalhando honestamente… Bom, lembro-me do dia em que chegamos a Assunção, um domingo à tarde. Fomos tomar uma caña e uma cerveja num bar ao ar livre, com vista para o Rio Paraguai lá embaixo. Bonito. Para acompanhar a bebida, precisávamos de um tira-gosto. Na parede, havia propaganda dos “panchos” daquele bar, e queríamos saber o que era. Chamei o garçom, um menino ainda:

– Que és pancho? – perguntei. Ele pensou, pensou, e respondeu:
– És como um panchito, pero muuuuy grande.
– Y como és un panchito?
Ele coçou a cabeça e disse, saindo rápido:
–  Bueno… És muuuuy difícil explicar!

Ficamos curiosos, esperando que alguém pedisse pancho para ver o que era. E finalmente um casal ao lado pediu dois. Vieram dois cachorros-quentes. Só que grandes, muuuuy grandes. Muuuuy difícil explicar!