As eleições e a esquerda

Os ricos, à base da astúcia, da força e da injustiça, ainda detêm poder político a lhes assegurar vantagens. Aos pobres, resta a resistência

Para quem acompanha a história brasileira contemporânea, as eleições municipais não surpreenderam. Não se registraram hegemonias, mas uma nova geração de políticos emergindo, entre os quais Fernando Haddad, em São Paulo, Gustavo Fruet, em Curitiba, Antonio Carlos Magalhães Neto, em Salvador. Registrando-se o nítido crescimento do PT, é de se notar, ainda, que os outros dois grandes vencedores do pleito – pelos candidatos que patrocinaram –, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o governador Eduardo Campos (PSB-PE), são também homens jovens, líderes em seus estados, e potenciais candidatos à Presidência.

Cabe a essa geração devolver aos cidadãos o respeito pela atividade política, perdido nos anos de arbítrio, nos atribulados decênios de retorno ao poder civil, dentro das dificuldades normais de um Estado democrático de direito, e na vergonhosa entrega do patrimônio nacional aos estrangeiros por Fernando Henrique.

A política existe para administrar os conflitos, não para provocá-los. É certo que a paixão pelas ideias e a ambição do mando são inerentes aos homens. O conflito básico se dá, como se constata ao longo da História, entre os ricos e os pobres. Os ricos, além dos bens materiais, normalmente detêm o poder político, que lhes assegura a situação de vantagem. Aos pobres, nessa divisão imposta pela astúcia, pela força e pela injustiça, resta a resistência. O jogo da política se faz nesse confronto dialético, que se disfarça em programas partidários e na retórica parlamentar. No Brasil as coisas não são diferentes.

Há, no entanto, que se considerar a situação internacional. O Brasil, desde o descobrimento, é cobiçado pelas potências internacionais. Foi assim que as grandes nações europeias do seu tempo, como franceses e holandeses, quiseram deslocar os portugueses. Depois, com mais astúcia, os ingleses passaram a controlar nossa economia, sem os desgastes de uma ocupação militar. Com o Tratado de Methuen, assinado com Portugal em 1703, a Inglaterra habilmente se assenhoreou do mercado das colônias portuguesas. Nem a Independência brasileira tocou no fundamental. Mediante os empréstimos e as concessões, continuamos a ser uma colônia inglesa. O declínio da Inglaterra e a ascensão dos Estados Unidos provocaram a segunda troca de dominadores. É necessário livrar-se desse domínio e, ao mesmo tempo, impedir que a China venha a revezá-los.

A tarefa dessa nova geração é manter e aperfeiçoar o sistema democrático, realizar, com o ímpeto de sua vitória, as reformas políticas que a nação exige, de forma a reestruturar (ou, mesmo, refundar) a República, com a real independência e equilíbrio entre os três poderes; restaurar a prevalência do Estado e ampliar a soberania nacional, por meio da solidariedade interna; dedicar-se com prioridade à educação, à ciência e à tecnologia; retomar o controle dos setores estratégicos da economia; e construir forças militares suficientemente poderosas. Só assim estaremos preparados para dissuadir qualquer intervenção estrangeira, aberta ou dissimulada.

Para cumprir todo esse programa necessário, os novos dirigentes terão de reanimar a juventude e assegurar a credibilidade no processo político. Mesmo que seja impossível a absoluta limpeza ética na administração pública, os líderes deverão agir de forma radical contra os peculatários, os corruptores e os corruptos.

O governo Dilma deu o grande passo na racionalização da economia, ao colocar os bancos em seu devido lugar, mediante a redução dos juros e o alinhamento das instituições financeiras públicas aos projetos nacionais de desenvolvimento. Resta fechar a evasão tributária pela via dos paraísos fiscais. Manter esse programa, como determinação de Estado, é o que convém ao Brasil e aos novos líderes, que, pelo que se pode prever, estarão no centro e na esquerda do espectro político. Se o povo quiser, a direita estará condenada a demorado exílio histórico.