Não há como se ter acordo se uma parte sai ganhando

Entrevista com Suzana kahn-Ribeiro é presidente do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e que está entre os 25 cientistas brasileiros que participam do IPCC

Em que medida a solução para o problema das mudanças climáticas passa pelo mercado? É prudente deixar uma responsabilidade tão grande entregue a ele?

Todas as possibilidades de redução de emissões de GEE devem ser contempladas. A questão das emissões tem enorme correlação com crescimento econômico, competitividade comercial etc. Portanto, é natural que mecanismos associados ao mercado possam valer, desde que com monitoramento rigoroso no sentido de verificar se, de fato, as emissões estão sendo reduzidas. É exatamente neste ponto que reside a maior dificuldade do REDD, por exemplo, uma vez que a maior parte dos países não tem como garantir a redução. Neste sentido, o Brasil está na frente com um moderno sistema de monitoramento.

Qual parcela de responsabilidade é imprescidível que os Estados nacionais assumam?

A política pública, o papel do Estado é crucial neste aspecto, mesmo que a operação possa se dar no ambiente da sociedade civil. Assim como os serviços essenciais que têm regras, regulações, penso que o mesmo deveria valer para clima. Sempre fui favorável a criação de uma agência climática no Brasil.

A velocidade das negociações oficiais condiz com a urgência e a relevância do tema? Quem são os grandes responsáveis pela lentidão?

As negociações são muito lentas, a maior dificuldade reside na necessidade de consenso e na complexidade do tema. Os países serão afetados de formas muito diferentes e têm capacidades de enfrentar o problema e responsabilidades também muito heterogêneas. Isto faz com que um acordo global seja extremamente difícil. Não há como se ter acordo se uma parte sai ganhando ou perdendo muito mais do que a outra (é o que tem ocorrido).  É fundamental haver um equilíbrio, que todos se sintam minimamente contemplados. Acredito que o acordo será possível quando os países perceberem que terão muito a perder na ausência dele.

Em geral, a mídia tem enfatizado as responsabilidades individuais dos cidadãos no combate às mudanças climáticas (no consumo, sobretudo). Isso é suficiente?

Não é suficiente, mas é necessário. A responsabilidade maior, no meu entendimento, é na participação através da pressão popular para que determinadas ações sejam tomadas.

É possível resolver a crise das mudanças climáticas sem uma forte mudança do atual modelo de desenvolvimento, ligado ao capitalismo?

O problema, para mim, não está associado a capitalismo necessariamente, mas sim a um modelo de desenvolvimento baseado em intenso consumo de combustíveis fósseis, com pouco investimento em inovação tecnológica.