Blindagem?

PGR impede a Polícia Federal de acessar dados sobre as investigações da CPI da Covid contra Bolsonaro

Polícia Federal pede o compartilhamento do material desde agosto. Mas a PGR diz que não pode fornecer informações. As denúncias de crimes de Bolsonaro na pandemia estão sob responsabilidade da vice-procuradora-geral, Lindôra Araújo

CNJ
CNJ
O caso está sob responsabilidade da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, vista dentro do MPF como conservadora e próxima de Bolsonaro

São Paulo – A Procuradoria-Geral da República (PGR) trava há três meses o acesso da Polícia Federal aos dados produzidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid nos autos de uma investigação que tem o presidente Jair Bolsonaro (PL) como um dos alvos. De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, a PF já pediu o compartilhamento do material por duas vezes. 

A primeira solicitação foi feita em 19 de agosto. Sem retorno do órgão, o pedido foi reiterado em 4 de outubro. A Procuradoria alegou ao veículo, no entanto, que por se tratar de diligência no curso de uma investigação, não seria possível fornecer informações a respeito. Além disso, segundo a PGR, há manifestação pelo arquivamento do caso, enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) no início do mês. 

As denúncias de crimes e irregularidades cometidas por Bolsonaro no âmbito da pandemia estão sob responsabilidade da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. 

Conservadora e próxima de Bolsonaro

Conforme reportou a RBA, desde que o presidente foi derrotado em sua campanha à reeleição, a instituição, por ele aparelhada, vem apresentando uma série de pedidos de arquivamento de investigações contra o mandatário que não se restringem ao âmbito da CPI da Covid. A grande parte dos pedidos de arquivamento veio da vice-procuradora-geral da República, vista dentro do Ministério Público Federal (MPF) como conservadora e próxima de Bolsonaro. 

Lindôra foi levada à PGR pelo procurador-geral Augusto Aras, em abril de 2022. A própria cúpula de senadores da comissão já havia apontado ela como parcial por conta das ações para tentar blindar o presidente que perderá o foro privilegiado no próximo ano. 

Em julho, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), denunciou uma série de encontros secretos entre Lindôra e Bolsonaro. O presidente teria prometido o cargo de Procuradora-Geral da República após o fim do mandato de Aras, no ano que vem. Plano este frustrado após a derrota nas urnas para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Passada de pano

Boa parte destas ações contra Bolsonaro surgiram a partir da CPI da Covid. Entre os supostos crimes de Bolsonaro estão charlatanismo, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime e prevaricação. Durante os piores dias da pandemia de covid-19, Bolsonaro fez propaganda abertamente de medicamentos ineficazes contra o vírus, como cloroquina e ivermectina. O relatório também sugeriu que o presidente teria cometido a prática criminosa de estimular a população “a se aglomerar, a não usar máscara e a não se vacinar”.

O presidente ainda ignorou dezenas de propostas para aquisição de vacinas. Ao contrário, o governo preferiu conduzir negociações com a vacina Covaxin, em um esquema que seria superfaturado. O contrato só foi impedido por conta da CPI da Covid. No último dia 7, no entanto, a PF foi surpreendida por um pedido de arquivamento da apuração enviado ao Supremo pela representante da PGR. Lindôra argumentou que a norma que impõe o uso de máscara protetiva “somente prevê sanção de multa como mecanismo de coerção ao cumprimento da obrigação, não ressalvando a aplicação cumulativa da sanção penal”. 

Na mesma manifestação, a vice-procuradora-geral disse ainda não ver incentivo à invasão quando, em junho de 2020, Bolsonaro pediu aos seus seguidores que filmassem o interior de hospitais públicos e de campanha para averiguar se os eleitos de emergência estavam livres ou ocupados. Segundo ela, o presidente estimulou a população a “verificar se os gastos são compatíveis ou não”. “Ou seja, cuida-se de incentivo a uma fiscalização pública de recursos”, atenuou. 

PF sem acesso 

Ainda não há decisão do relator, o ministro Luís Roberto Barroso, quanto ao pedido de arquivamento apresentado pela PGR. Barroso também foi alertado pelos investigadores da Polícia Federal de que não ocorreu ainda “o necessário acesso aos 10 terabytes de dados produzidos pela CPI do Senado de forma a ser possível se realizar o correlacionamento dos documentos juntados com cada fato típico supostamente praticado pelos envolvidos”. 

Em julho, às vésperas do início da campanha eleitoral, Lindôra já havia pedido o arquivamento de sete das 10 denúncias abertas após a conclusão da CPI da Covid. Devido à sua gestão na pandemia, ao presidente foram imputados os crimes de charlatanismo, prevaricação, infração de medida sanitária preventiva, emprego irregular de verba pública e epidemia com resultado de morte. 

Sem o foro privilegiado, Bolsonaro poderá responder pelas denúncias na Justiça comum. Nesse caso, o Ministério Público poderá reabrir o processo, mas somente se houver novas provas. Em paralelo, entidades da sociedade civil ligadas à ciência e à saúde vêm se manifestando contra a blindagem de Bolsonaro.