Bolsolão

PF prende suspeitos de desviar verbas do orçamento secreto

Operação Quebra Ossos investiga fraudes em procedimentos do SUS para lavar dinheiro das emendas de relator. Cidade do Maranhão com cerca de 12 mil habitantes, teria realizado 12,7 mil radiografias de mãos só em 2020

Divulgação/PF
Divulgação/PF
Menções a "Bolsolão" disparam nas redes sociais após prisão dos suspeitos

São Paulo – A Polícia Federal (PF) prendeu nesta sexta-feira (14) duas pessoas no âmbito da operação batizada de Quebra Ossos, que investiga esquema de desvio de verbas do orçamento secreto. Os irmãos empresários Renato e Roberto Rodrigues de Lima são suspeitos de usar o Sistema Único de Saúde (SUS) em municípios do Maranhão e do Piauí para lavar recursos oriundos das chamadas “emendas de relator”. Eles foram detidos em Lago do Junco e Lago dos Rodrigues, cidades vizinhas do interior maranhense, a cerca de 320 quilômetros ao sul da capital, São Luís.

Além da prisão temporária dos dois irmãos, os policiais federais cumpriram 16 mandados de busca e apreensão em cinco outras cidades do estado – Caxias, Igarapé Grande, Lago dos Rodrigues, Lago do Junco e Timon –, além de duas no Piauí – Parnaíba e Teresina. Em Igarapé Grande, a Secretária de Saúde do município, Raquel Inácia Evangelista, foi afastada do cargo. Ela também foi alvo de busca e apreensão pela PF, juntamente de seu antecessor, Domingos Vinícius de Araújo Santos.

De acordo com a PF, há indícios de que os investigados forneciam informações falsas ao SUS. Eles contabilizavam atendimentos médicos que os serviços públicos das prefeituras com quem mantinham contrato nunca realizaram. O objetivo seria justificar a quantia em dinheiro que parlamentares destinavam a essas prefeituras por meio das emendas do relator do orçamento secreto.

Somente em Igarapé Grande, o esquema teria desviado pelo menos R$ 7 milhões. O nome da operação – Quebra Ossos – faz referência a radiografias de mãos que eram fraudadas para desviar os recursos que seriam destinados ao SUS. O município, com cerca de 12 mil habitantes, teria realizado 12,7 mil exames desse tipo só em 2020. Assim, Igarapé Grande aparece em quarto lugar entre os municípios que mais realizaram as radiografias, atrás apenas das capitais São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte.

Laranja do Orçamento

Reportagem da revista Piauí revela que os operadores do esquema avançaram ainda mais em mecanismos para encobrir os gastos com o orçamento secreto, criando a figura do “usuário externo”, que passaram a solicitar emendas ao relator. Dessa forma, os nomes dos deputados e senadores permanecem ocultos por trás desses “usuários externos”.

É o caso, por exemplo, de Roberto de Lima, que aparece como um dos “usuários externos”. Somente neste ano, ele solicitou 27 emendas ao Orçamento. Os pedidos, que foram aprovados pelo relator, que continua em segredo, somam R$ 69 milhões, só neste ano.

Roberto e o irmão controlam a empresa RR de Lima, que tem contratos com várias cidades maranhenses. No caso de Igarapé Grande, Roberto solicitou no Sistema de Indicações Orçamentárias (Sindorc), do Congresso, e obteve aprovação do relator-geral do orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), para um repasse de R$ 9,2 milhões da saúde. Desse total, ao menos R$ 4,4 milhões já caíram nos cofres do município.

“Há prova robusta, em especial ancorada em análise técnica realizada pela CGU, de que a estrutura da pessoa jurídica, embora módica, tem sido utilizada pelo investigado Roberto Rodrigues para promover a inserção falsa de dados no SIA não apenas do município de Igarapé Grande, mas em dezenas de outras urbes do Estado do Maranhão, causando prejuízo de larga monta à União”, diz a decisão da Justiça Federal no Maranhão.

O juiz Deomar da Assenção Arouche Júnior, que autorizou a operação, afirma que os investigados inseriam informações falsas em sistemas eletrônicos do SUS “com o intuito de majorar indevidamente o teto de repasse de ações e serviços de média e alta Complexidade financiados com recursos de emendas parlamentares do famigerado ‘orçamento secreto’ (emendas RP 9), desviando os recursos através de contratos administrativos fraudulentos”.

Bolsolão

A operação Quebra Ossos também repercutiu nas redes sociais. Até a tarde desta sexta, o termo “Bolsolão” – como o esquema é chamado por políticos de oposição e influenciadores – somou mais de 52 mil menções, figurando nos trending toppics (assuntos mais falados) do Twitter.

Confira as principais manifestações:

Como funciona o orçamento secreto?

O orçamento secreto é um esquema montado pelo Congresso Nacional em conluio com o governo Bolsonaro. Assim, em 2019, o Congresso aprovou novas regras para emendas de relator, que passaram a valer a partir de 2020. Desde então, os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), juntos ao relator do Orçamento da União, distribuem recursos entre parlamentares aliados do governo, que definem a alocação desses recursos.

Em tese, é possível saber quanto cada parlamentar recebeu. No entanto, não há transparência, e não se pode saber ao certo onde foi aplicado o dinheiro. Entre 2020 e 2021, o orçamento secreto movimentou R$ 36,9 bilhões. Neste ano, marcado pelas eleições gerais, o governo Bolsonaro reservou R$ 16,5 bilhões para as chamadas emendas do relator. Para o ano que vem, a previsão é que o orçamento secreto abocanhe 19,4 bilhões das verbas da União.

Bolsonaro diz que o orçamento secreto é uma invenção exclusiva do Congresso. E que ele inclusive chegou a vetar a proposta, em 2019. No entanto, documentos revelam que presidente recuou e, mais tarde, encaminhou o texto que criou as emendas de relator, em dezembro daquele ano.

Lula e Simone criticam

Em debates, comícios e entrevistas, o candidato da coligação Brasil da Esperança à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem feito críticas reiteradas ao orçamento secreto. Se eleito, ele diz que pretende se reunir com lideranças do Congresso para pôr fim à prática. “Se fosse bom para a sociedade, não precisaria ser secreto. Poderia ser muito divulgado para que todo mundo soubesse”, criticou Lula, na semana passada, em encontro com a senadora Simone Tebet (MDB), quando recebeu o apoio da ex-candidata.

Durante a campanha de primeiro turno, Simone Tebet chegou a se referir ao orçamento secreto como “o maior esquema de corrupção do planeta Terra”. Em entrevista ao podcast Flow, ela citou casos de cidades do Maranhão que realizaram números incompatíveis de extrações dentárias ou testes de HIV/aids. “O dinheiro pode ter saído de Brasília, chegado lá e ter ido para o bolso de alguém. Não tem sentido as menores cidadezinhas do Maranhão receberem os maiores recursos desse orçamento”, criticou Simone.

Estragos

Para garantir o pagamento das emendas do relator, o governo Bolsonaro tirou recursos de diversas áreas estratégicas. Por exemplo, cortou 90% das verbas do programa Casa Verde e Amarela, na faixa voltada para a população que ganha até um salário mínimo. Também reduziu em cerca de 60% o orçamento do programa Farmácia Popular, que distribui medicamentos essenciais gratuitamente ou a baixo custo. Da mesma forma, congelou R$ 2,4 bilhões do Ministério da Educação, colocando em xeque o funcionamento de universidades e institutos federais. O descontingenciamento dos recursos só ocorreu após protestos e pressões de alunos e professor do ensino superior.