Câmara

Comissão de Direitos Humanos aciona PGR contra censura nos Jogos

Cerceamento a manifestações pacíficas com cartazes 'Fora Temer' é considerado arbitrário e viola princípios constitucionais. Para Dalmo Dallari, o que acontece é 'exagero, arbitrário e inconstitucional'

Mídia Ninja

Policiais têm coibido manifestações políticas no Jogos e ameaçado quem não obedecer

São Paulo – A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados ingressou com representação na Procuradoria-Geral da República (PGR), com objetivo de garantir à liberdade de expressão durante os Jogos Olímpicos. A representação afirma que “os interesses das ‘empresas que compram direitos e investem muito dinheiro para ter sua imagem associada aos Jogos’ – motivo alegado pelos organizadores da Olimpíada para proibir manifestações nas arenas – não estão acima dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição de 1988, como o direito à liberdade de expressão”.

No documento, o presidente da Comissão, deputado Padre João (PT-MG), argumenta que o “Comitê Olímpico Internacional não pode decidir as condições de acesso e permanência nas arenas dos jogos. Quem o define é a lei, e o COI deve obedecê-la. Nem o Comitê, nem as polícias são poderes paralelos acima da legislação brasileira”.

Para o deputado, o COI está agindo acima da lei. “Espero que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifeste o mais rápido possível. O sentimento é de indignação diante dessa arbitrariedade e que viola os direitos humanos”, afirma.

A Olimpíada mal começou e já tem como grande perdedor a liberdade de expressão. Desde a estreia da seleção brasileira de futebol masculino, em Brasília, na última quinta-feira (4), espectadores estão sendo reprimidos pela polícia ou por agentes de segurança dos Jogos em razão de se manifestarem de maneira pacífica e inofensiva nos locais de competição.

Foi assim com a mulher que assistia à estreia da seleção de futebol masculina no estádio Mané Garrincha, em Brasília, obrigada, sob ameaça de prisão, a recolher o cartaz com a inscrição “Fora Temer”. O mesmo aconteceu com um grupo de nove pessoas no Mineirão, em Belo Horizonte, sentados lado a lado e com letras na camiseta que formavam a frase “Fora Temer”. E foi igual com um torcedor presente na arquibancada do Sambódromo durante a final do Tiro com Arco, com o agravante de ter sido retirado do local com truculência pelos policiais, diante da mulher e dos filhos.

No domingo (7), o diretor de comunicação da Rio 2016, Mário Andrada, afirmou que manifestações políticas, como a exibição de cartazes, não serão toleradas nas arenas dos Jogos. “Essa política é desenhada para proteger principalmente as empresas que compram direitos e investem muito dinheiro para ter sua imagem associada aos Jogos. No caso da Olimpíada, ainda há a questão de ser um evento de inclusão. Então, por definição, tem uma separação de questões políticas e religiosas. A manifestação política em uma arena quebra esse princípio. E quebra a questão unilateral: só brasileiros entendem protestos relacionados ao Brasil. Então, manifestações políticas, religiosas e comerciais não autorizadas não são permitidas nas arenas. A lei olímpica estabelece essas definições, esse conceito de ‘arena limpa’”, disse, em declaração à imprensa.

Nos últimos dias, diversas personalidades do meio jurídico têm contestado a perseguição aos protestos, atribuindo ao gesto ação de censura – com objetivo de expor internacionalmente a rejeição da grade parte da população ao governo interino de Michel Temer. A própria imprensa internacional acabou identificando a prática da censura, com reportagens no New York Times e Washington Post.

Para o jurista Dalmo Dallari, o que está ocorrendo na Olimpíada vai contra a liberdade de expressão garantida na Constituição de 1988. “Examinei a legislação da Olimpíada e acho que está acontecendo um exagero, uma arbitrariedade que é até inconstitucional”, afirmou. “A lei da Olimpíada fala em manifestações racistas e xenófobas, nada a ver com essas manifestações que são pacíficas e nada mais são do que o direito de opinião.”

O jurista e professor emérito da Faculdade de Direitos da Universidade de São Paulo (USP) sugere, para quem for reprimido, reivindicar seu direito à livre manifestação. “Quem sofrer essa violência deve formalizar uma representação ou ir ao Ministério Público denunciar uma decisão inconstitucional”, avalia.

Segundo o ex-ministro e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto, o que está ocorrendo na Olimpíada do Rio de Janeiro fere o princípio constitucional que garante a liberdade de expressão no Brasil. “Você levar uma placa ou cartaz dizendo fora quem quer que seja, pacificamente, é uma legítima manifestação da liberdade de expressão e, logo, não cabe este tipo de cerceamento”, afirmou o ex-presidente do STF ao BuzzFeed Brasil.

A organização da Olimpíada se apega à Lei 13.284, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no dia 10 de maio de 2016. O artigo 28 da lei, inciso IV, diz: “não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista, xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”. Entretanto, o parágrafo 1º do mesmo artigo destaca: “É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana”.

As brechas da lei

Para a professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Maria Cristina Costa, a proibição das manifestações contra o presidente interino utiliza da ambiguidade da lei para limitar a liberdade de expressão. “O governo, as autoridades, as pessoas com interesses utilizam de todas as brechas legais para defender seus interesses. Nenhuma lei é essencialmente explícita. Ela precisa deixar brechas. Não por gosto, mas por interesses mesmo”, avalia.

Maria Cristina, também coordenadora do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom), da ECA-USP, destaca que quem defende a liberdade de expressão não costuma estar organizado politicamente, ao contrário daqueles que querem limitar esse direito, em defesa de seus próprios interesses. “Não podemos pensar o contexto histórico como definitivo. As pessoas andando pelas bordas e o poder tentando bloquear. Essa é a dialética que nunca terminou e nunca vai terminar. É uma luta constante entre o poder e a liberdade individual e coletiva. Sempre que o poder tenta enquadrar, há um movimento de reação.”

Para a professora, o principal alvo das interdições são os meios de comunicação, sejam os jornais, rádios e principalmente as televisões, com a intenção de evitar que tais imagens sejam vistas ao vivo por bilhões de pessoas e depois replicadas na internet. “Nos últimos vinte anos, especialmente com a internet, os meios de comunicação estão dando um ingrediente novo no que se refere a liberdade de expressão, principalmente com as redes sociais e a cultura do compartilhamento”, pondera Maria Cristina.

Para o jornalista Juca Kfouri, a censura às manifestações são abusiva e, ao mesmo tempo, pouco inteligentes: “Além de antidemocrático, o ato é de extrema burrice. Estimulará novas manifestações”, escreveu em seu blog.