Operação Incúria

‘Não vou permitir a atuação da Força Nacional’, disse responsável por tropas da PM no 8 de janeiro

Denúncia da PGR contra PM do DF, que embasou prisões de oficiais autorizadas por Alexandre de Moraes, joga por terra alegação de Anderson Torres de que não sabia de nada

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Contingente de policiais destacados para combater movimento golpista de 8 de janeiro foi claramente insuficiente

São Paulo – A íntegra da denúncia da Procuradoria-Geral da República que embasou a Operação Incúria na manhã desta sexta-feira (18) mostra cabalmente – mais do que omissão – a conivência e mesmo participação planejada do alto comando da Polícia Militar do Distrito Federal (DF) nos atos golpistas de 8 de janeiro. Com base na denúncia do MPF, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a Polícia Federal a cumprir sete mandados de prisão preventiva de oficiais da PM (leia aqui a íntegra da Denúncia da PGR/MPF).

As alegações do então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, de que não sabia de nada, são amplamente desmentidas pelos fatos. No dia 6 de janeiro, quando ele viajou para os Estados Unidos “de férias”, em reunião da cúpula das forças de segurança e órgãos públicos já se discutiu que o movimento anunciado “implicaria iminente risco de invasão e depredação dos prédios da União”.

A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) emitiu os primeiros alertas sobre a organização do movimento golpista em 2 de janeiro, um dia depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “No âmbito da PMDF, havia no seio do oficialato correntes conspiratórias e golpistas a que aderiram os denunciados e que fomentavam a omissão dos integrantes da corporação em caso de um levante popular antidemocrático”, diz a Denúncia da PGR.

Comandante: “Não vou permitir a atuação da Força Nacional”

Fartamente documentado, o documento demonstra que, na véspera dos atentados de 8 de janeiro de 2023, às 21h38, o major Flávio Silvestre de Alencar, designado pelo coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos para comandar as tropas “em campo”, compartilhou com o seu superior uma publicação do jornal O Globo, segundo a qual o Ministro da Justiça, Flávio Dino, havia autorizado o emprego da Força Nacional ante “o elevado risco” dos atos anunciados.

Em mensagem de áudio capturada nas investigações e citada pela PGR na Denúncia, Silvestre declarou a seu superior que não permitiria a atuação da Força Nacional (FN). “Comando, vou falar logo pro senhor, viu? Se eu estiver amanhã de comandante de… Da, da manifestação, como estarei, eu não vou permitir a atuação da Força Nacional na nossa Esplanada, viu? Não vou autorizar”.

Como resposta, o coronel Casimiro “ponderou” que, se o Governador do DF (Ibaneis Rocha) autorizasse, a FN atuaria “apenas em pontos distantes da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes ou especificamente para proteção do Ministério da Justiça”.

Esperando a adesão das Forças Armadas

Em diálogos de posse dos investigadores, os oficiais criticaram as Forças Armadas dizendo que elas não aderiram a um golpe de Estado, “excepcionando-se o Comando da Marinha”, diz o documento da PGR.

“Flávio (Silvestre) incitou os demais policiais a ações subversivas, fomentando que a PM deixasse o povo invadir o Congresso Nacional”, diz a Denúncia. “Em 8 de janeiro de 2023, no comando de uma tropa, dentro do Congresso Nacional, Flávio tratou de executar seu plano: nada fez, na expectativa de ver concretizado o golpe de Estado que buscavam os insurgentes, esperando a adesão das Forças Armadas ou de forças de segurança ao levante, anseios que explicitou em diversos de seus diálogos”.

“Embora a situação no piso superior (da Câmara dos Deputados) já estivesse incontrolável, a PMDF continuou a permitir o acesso de manifestantes ao Salão Verde, o que se prolongou até 15h53, horário em que o major Flávio Silvestre de Alencar simplesmente determinou aos seus homens que
deixassem o edifício, sem confrontar os insurgentes”, anota a Denúncia. Foto anexada na Denúncia da PGR mostra policiais se misturando amigavelmente ao criminosos:

Ônibus que chegavam eram monitorados

Durante toda a semana havia monitoramento da situação, por parte da inteligência da PMDF, e “acompanhamento constante das atualizações das informações”. “Casimiro ainda recordou que circulavam ‘áudios em redes sociais de possibilidades de invasão de prédios públicos’”, diz a PGR.

Por volta das 11h do dia 7 de janeiro, a inteligência já havia identificado a chegada de 37 ônibus à capital. As placas de todos eles estavam devidamente registradas.

Diante das informações de que havia concretamente “instigação de um levante popular” e “arregimentação de pessoas dispostas à tomada violenta do poder, pela difusão de folders e mensagens de convocação”, com “homens dispostos ao confronto”, os oficiais da PMDF, “previamente cientes desses movimentos (…) passaram a acompanhar pari passu (…) os movimentos de ocupação do Planalto Central, pela chegada massiva de mais de uma centena de ônibus repletos de insurgentes”, registra a PGR.


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