Mensalão é tema de aula inaugural do Ministério Público de SP em 2013

Domínio do fato, a instauração de novos parâmetros de interpretação da Constituição e os direitos individuais são alguns dos temas que serão discutidos por procuradores e professores de Direito

O ministro Ricardo Lewandowski e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, durante julgamento do mensalão (Foto: José Cruz/ABr)

São Paulo – A Escola Superior do Ministério Público de São Paulo realiza na próxima quinta-feira (21), das 19h às 21h30, a aula inaugural em 2013, intitulada “Os reflexos penais da Ação Penal 470”. Dirigido a seus promotores e servidores, o evento contará com a participação de palestrantes como os professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz. 

Segundo o diretor da Escola Superior do MP, o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo, a escolha do tema do mensalão para a aula inaugural de 2013 se deve à “grande expectativa para a comunidade jurídica sobre os reflexos, no Direito Penal e Processual Penal, do julgamento do caso, pelo Supremo Tribunal Federal, no segundo semestre de 2012”. Para Sarrubbo, a amplitude, as consequências e as perspectivas para o direito penal a partir desse julgamento, que ele considera “emblemático”, são fundamentais para a comunidade jurídica. 

Questões como o domínio do fato, novos parâmetros para a interpretação da Constituição Federal de 1988, a visão “garantista” dos direitos individuais à luz da Constituição Federal de acordo com o artigo 5° e mudanças na jurisprudência criminal são alguns dos temas que serão discutidos.

Em entrevista à RBA, o procurador Sarrubbo falou sobre a aula inaugural e alguns de seus temas.

A teoria do domínio do fato, considerada um “novo paradigma” decorrente do julgamento do mensalão, foi muito criticada por especialistas segundo os quais ela conduz a uma condenação sem provas e tolhe os direitos individuais. Qual sua opinião?

O domínio do fato é uma teoria que vem sendo adotada há quase uma década na Europa e até mesmo no Brasil, ainda que de forma tímida. Significa, para que o leigo possa entender, que aquele que comanda um grupo de pessoas que opera uma determinada infração penal, que pelo Código Penal poderia ser considerado como um mero partícipe, pode ser condenado. A teoria defende que se nomeie este indivíduo que não colocou as mãos no crime, na arma, não esteve presente ao local do crime, mas pode ser considerado autor do crime. Para alguns advogados, sob o olhar da defesa mais garantista, isso afronta garantias e poderia ser considerado inconstitucional, pois o indivíduo estaria sendo condenado por um fato que não cometeu. Mas a teoria é de grande valia para o MP, para a Justiça e para a sociedade, na medida em que alcançamos os mentores, os chefes das quadrilhas. É um instrumento muito positivo, mas esse (a eventual ameaça aos direitos individuais) é um dos reflexos que temos de analisar a partir do nosso evento. Em que medida isso pode ser aplicado no direito brasileiro, que amplitude vamos dar a essa teoria. 

Outra crítica que se faz à condução do julgamento do Supremo Tribunal Federal é a chamada “judicialização da política” e consequentemente sua criminalização, o que, segundo juristas, afeta inclusive o conceito de República, na medida em que comprometeria o equilíbrio entre os poderes. Qual sua opinião sobre isso?

Considero isso despropositado. O Brasil tem um sistema constitucional montado na separação de três poderes. Não há uma judicialização da política, pelo contrário. Na verdade, não há invasão na esfera de competência dos poderes, não há nada disso. No fundo é o Judiciário cumprindo seu papel de julgar eventuais atos ilícitos cometidos por alguém do Executivo ou mesmo do Legislativo. Não me parece um posicionamento adequado (dos que acham que o Judiciário extrapolou sua competência). O Legislativo legisla, o Judiciário julga. O Judiciário, por sua vez, está adstrito às leis feitas pelo Legislativo. Não podemos escapar às leis, assim como o Legislativo está sujeito às decisões do Judiciário. Esse é o verdadeiro equilíbrio previsto por Montesquieu (Charles Montesquieu, político, filósofo e escritor francês – 1689-1755), o da separação dos poderes. Os poderes têm de cumprir os seus papéis nos estritos limites da Constituição Federal. 

Em sua opinião, o ineditismo do julgamento da Ação Penal 470, junto ao fato de coincidir com o calendário eleitoral, não configuraria um indício de que o julgamento foi político?

A questão é a seguinte: para chegarmos a essa conclusão teríamos de entender que o Supremo pautou o julgamento às vésperas da eleição aguardando que isso tivesse uma influência. Quero acreditar que o julgamento do mensalão tenha ocorrido dentro do prazo previsto para ocorrer, que é o que se espera, uma justiça rápida e efetiva. Calhou de isso acontecer às vésperas da eleição, mas eu prefiro acreditar que não tenha sido de forma proposital.  Se foi, não tenho dúvida de que estaria havendo um mau uso de poder, que poderia ser considerado um abuso de poder. Mas um caso dessa magnitude não pode ficar nas prateleiras aguardando décadas para ser julgado, acho que o Supremo andou muito bem, inclusive na questão da celeridade. Coincidiu com o calendário eleitoral, mas, de todo modo, não creio que teve tanta influência para o partido do governo, que acabou ganhando as eleições quase que no Brasil todo.

Há quem considere que 11 homens, os ministros do Supremo, decidirem sobre o destino e o mandato parlamentar outorgado pelo povo seria a tal judicialização da política. Como explicar a um leigo que esse poder não é exagerado?

Não concordo. Insisto: quando há um julgamento político do parlamentar, esse julgamento é feito pela própria casa parlamentar e aí se cassa o mandato parlamentar por conta de uma motivação política e não há interferência do Judiciário. A Constituição prevê os ritos para cada espécie de infração que se possa cometer. Quando a infração se restringe ao aspecto político, a própria casa legislativa cassa o poder do parlamentar. Quando o político esbarra no Código Penal, na Lei de Improbidade, é a própria CF, votada e oriunda da vontade popular, que determina que o julgamento seja feito pelo poder Judiciário, no caso, o STF. Ou seja, nesse caso é o próprio povo quem cassa. A  Constituição brasileira neste ponto é muito clara.