São Paulo

Mais dinheiro público a empresas de ônibus coloca greve sob suspeita, dizem sindicalistas

Secretário-geral da CUT e assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República defendem legitimidade dos sindicatos para negociar reivindicações

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Trabalhadores não podem ser “bucha de canhão” para os interesses dos empresários, segundo assessor presidencial

São Paulo – Uma das alternativas apresentadas por representantes dos motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo na reunião de ontem (21) com o Ministério do Trabalho, a SP Urbanuss, entidade patronal que representa as empresas concessionárias de ônibus, e a SPTrans, órgão municipal que regula a prestação do serviço, revela que a luta dos trabalhadores pode ocultar uma agenda que interessa apenas aos patrões: o aumento do repasse público da prefeitura para as empresas. Por volta das 16h50, antes ainda da chegada dos representantes da prefeitura, um dos representantes do movimento afirmou que “diante dos gastos de São Paulo com a Copa do Mundo”, o prefeito Fernando Haddad (PT) poderia “repassar um pouco mais às empresas” para garantir o reajuste de 13% exigido pela categoria. As empresas e o sindicato fecharam acordo de reajuste de 10%, que, para as empresas, é o limite do que pode ser oferecido.

De ontem até hoje pela manhã, quando cerca de 25 representantes dos grevistas foram à prefeitura tentar encontrar-se com Haddad, a pressão pelo envolvimento do prefeito nas discussões era intensa. Publicamente, os movimentos dizem querer o apoio do prefeito para “pressionar” as concessionárias, mas não citam de que forma gostariam que Haddad exercesse essa pressão. O prefeito se recusou a receber o movimento até que a Justiça julgue a legalidade da paralisação dos trabalhadores.

Desde 2010, as empresas receberam R$ 22,2 bilhões da prefeitura, entre o valor das passagens e dos subsídios pagos pelo poder público para manter gratuidades e amortecer o valor da tarifa. O valor seria suficiente para a construção de 22 estádios como a Arena Corinthians, que sediará a abertura da Copa do Mundo dia 12 de junho, em Itaquera, na zona leste. As paralisações, que fecharam 16 das 29 garagens e causaram problemas de mobilidade terça e quarta-feiras (20 e 21), ocorrem à revelia do sindicato da categoria: o Sindmotoristas é acusado pelos grevistas de ter feito uma manobra com a assembleia que aprovou acordo de reajuste salarial de 10% junto às empresas no último dia 19, já que a convocação enviada à base marcava a votação para dia 20. Cerca de 4 mil trabalhadores participaram da votação, público alto, mas ainda assim insuficiente para conter o movimento paralelo de paralisações.

“Se houve essa cobrança por parte dos trabalhadores não é greve. É locaute”, afirma José Lopez Feijóo, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e atualmente assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República. “Nesse caso, o Ministério Público tem de ser acionado imediatamente para averiguar onde está essa articulação. Os trabalhadores não podem ser bucha de canhão para os interesses dos empresários”, pondera. Locaute é quando a paralisação da empresa se dá por culpa do empregador, com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, visando a frustrar as negociações trabalhistas ou o atendimento das reivindicações. É proibido pela Lei de Greve (nº 7.783/89).

O secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, também critica o surgimento de reivindicações que beneficiam os empresários na negociação, e aponta que, mesmo que não haja negociação direta das empresas com o movimento para “chantagear” a prefeitura, a falta de diálogo por parte dos patrões já colabora para criar esse tipo de situação. “A greve acontece quando o diálogo falha. No caso desse setor, os canais de composição entre categoria e empresas não funcionam, então você tem uma categoria mobilizada, com pautas definidas, e, de outro lado, empresas pouco transparentes”, avalia. “Isso desagrega os trabalhadores, prejudica a atuação do sindicato e ajuda a criar esse tipo de movimento. É um setor muito sensível, que atinge toda a população. Então é o momento em que as empresas também aproveitam para impor seus interesses”, completa.

Nobre considera “natural” o descontentamento da categoria. “Eles trabalham em condições muito precárias. O índice de doença é muito alto, têm um nível de estresse extraordinário e média salarial muito baixa. Então é natural que as pessoas queiram muito mudar de vida”, avalia. No entanto, defende que, sem o sindicato, não há legitimidade nas negociações. “As instituições precisam ser respeitadas. A atual direção do sindicato foi legitimada por um processo eleitoral. As pessoas que estão lá receberam a delegação da categoria para isso. O que não significa que são unanimidade, mas eles têm legitimidade para fechar o acordo”, disse.

Leia também

Últimas notícias