Governo de SP ‘amarra’ pagamento de precatórios

Gestão Serra-Goldman vale-se de emenda aprovada no Senado que dá direito a pagamento lento; OAB vê violação de direitos humanos e desrespeito ao Judiciário

São Paulo – O governo paulista tornou ainda mais lento o pagamento de precatórios. As dívidas decorrentes de condenações judiciais tiveram liquidados apenas 17% de todo o montante orçado pela  administração José Serra e Alberto Goldman (PSDB) em 2010. O valor de R$ 297 milhões equivale a cerca de um décimo do desembolsado em 2009, o que prejudica até 600 mil pessoas, segundo a  Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O padrão de retardar os pagamentos foi agravado desde a aprovação, no ano passado pelo Congresso Nacional, de emenda constitucional a respeito do tema.

A Secretaria de Fazenda de São Paulo informa em seus balanços ter pago R$ 2,5 bilhões em precatórios no ano de 2009. A dívida apenas em precatórios alimentares – decorrentes de ações referentes a salários, pensões, aposentadoria e indenizações por morte ou invalidez – é estimada em R$ 12 bilhões pela OAB apenas com os chamados precatórios alimentares.

Para Flávio Brando, presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, esses precatórios deveriam ter prioridade no pagamento, sendo incluídos no orçamento do ano seguinte. O problema é que o governo paulista, que arrastava a situação desde pelo menos 1998, vale-se agora de outro instrumento para fazer os pagamentos em marcha lenta.

O cálculo da OAB é de que 80 mil dos 600 mil credores de São Paulo tenham falecido sem receber pelos precatórios. “Estamos falando de idosos, aposentados, pensionistas, pessoas que não têm poder de reação. São Paulo tem dito há décadas que é exemplo de rigor fiscal, mas isso é uma mentira. Quando vão pedir dinheiro emprestado no Banco Mundial, dizem que os balanços estão em ordem, o que é uma fraude”, argumenta Brando.

A emenda constitucional 62, aprovada no Congresso em 2009 sob pressão de diversos governadores e prefeitos, entre eles o de São Paulo. De autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o novo texto estabelece, entre outras coisas, que os estados podem destinar uma pequena parcela da receita corrente – entre 0,6% e 2% – para o pagamento de precatórios. São Paulo, que calcula sua dívida com precatórios entre 15 e 35% do total da receita líquida anual, precisa destinar apenas 1,5% do total para estes pagamentos.

“As pessoas vão levar 40, 50 anos para receber seus créditos”, avalia Brando. “É um desrespeito ao Poder Judiciário, que fica enfraquecido, as pessoas deixam de acreditar na possibilidade da justiça”, completa. O resultado é a lentidão que se vê este ano.

Levantamento feito pela bancada do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo mostra que apenas as ações indenizatórias de pequeno valor, que têm prioridade de acordo com a lei, têm execução dentro do normal. As ações da administração indireta, como hospitais e polícias, deveriam ter recebido R$ 428 milhões este ano, mas foi liquidado até agora um décimo deste valor.

Constitucionalidade

A OAB questiona a constitucionalidade da emenda aprovada pelo Congresso. O entendimento da Ordem é de que o estabelecimento de um percentual de receita para o pagamento de precatórios viola a Constituição, bem como outras medidas propostas pelo texto.

Há, por exemplo, a possibilidade de realizar leilões para que os credores optem por receber apenas uma parte do total. Como muitos deles são aposentados que aguardam há mais de uma década pelo dinheiro, ficam mais vulneráveis a aceitar esse tipo de acordo ou a venderem seu precatório para empresas que esperam, no futuro, receber a verba corrigida.

A OAB espera que o Supremo Tribunal Federal (STF) avalie ainda neste semestre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4357, que contesta a emenda 62. O ministro Carlos Ayres Britto, relator da Adin, promete submeter a matéria à apreciação do plenário assim que tiver a posição da Procuradoria Geral da República.