Polêmica STF x MPF

Magistrados pedem apuração de vazamentos e delações e criticam Gilmar

AMB critica orientação partidária e atividade empresarial de ministro. Marco Aurélio pede apuração de vazamentos. E procurador admite tentativa de freio na Lava Jato após impeachment

Marcelo Camargo/Abr/fotos públicas

Gilmar e as críticas sobre a seletividade que tem sido dada em suas opiniões sobre as investigações da Polícia Federal

Brasília – O suposto atrito entre o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rendeu notas públicas e críticas privadas de integrantes da magistratura ao ministro. O pano de fundo é o vazamento de informações da delação premiada do executivo Leo Pinheiro, da OAS, no último final de semana. São citadas menções feitas por Pinheiro ao ministro Dias Toffoli, do STF, sem nenhum conteúdo que incriminasse o magistrado.

As notas divulgadas oficialmente foram da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). A AMB disse considerar “lamentável” que um ministro do STF tomasse a iniciativa de “militar contra as investigações da Lava Jato, com a intenção de decretar o seu fim”.

A entidade critica a conduta partidária de Mendes. Na nota, afirma defender “outro conceito de magistratura, que não antecipa julgamento de processo, que não adota orientação partidária, que não exerce atividades empresariais, que respeita as instituições e, principalmente, que recebe somente remuneração oriunda do Estado, acrescida da única exceção legal da função do magistério”. Trata-se de referência ao fato de, além de dar opiniões sobre o que quer nos últimos anos, Gilmar Mendes ser fundador e um dos sócios do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), responsável pela organização de seminários no país e no exterior, por meio de contratos com universidades.

A ANPR, por sua vez, manifestou apoio a Janot, e à continuidade dos trabalhos da força tarefa da Lava-Jato. Hoje pela manhã um jornal de São Paulo publicou um comentário não identificado de um procurador que admite o uso da Lava Jato para impulsionar o impeachment. “Éramos lindos até o impeachment ser irreversível. Agora que já nos usaram, dizem chega”, diz.

Esta foi apenas um das várias manifestações feitas nos meio jurídico reservadamente sobre a conduta de Mendes. Um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disse à RBA que o que está em questão não é a forma como está sendo usado o instrumento da delação premiada no país, que segundo ele tem sido uma ferramenta utilizada erroneamente desde o início. Mas a discussão sobre a forma correta de realização das delações e, principalmente, sobre o que chamou de “constante mania” dos ministros de tribunais superiores emitirem posicionamento político.

Já um juiz que trabalhou em duas gestões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – numa delas, com Gilmar Mendes – afirmou que a questão é a “seletividade” nas opiniões dos ministros sobre as investigações. “Todos defendem a continuidade da Lava Jato com o discurso de combate à corrupção, em público. Mas concordo que os procuradores da força tarefa estão certos quando afirmam que quando as investigações focavam no PT eram apoiados e quando começaram a respingar fatos comprometedores em políticos do PSDB e do PMDB, começaram a receber críticas”.

Apuração de vazamentos

No início da tarde, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, condenou os vazamentos de informações da Lava-Jato, sobre o caso Toffoli e os demais, e pediu apuração de responsabilidades “É melhor haver excesso de investigação do que omissão”, disse. Para Mello, o Judiciário tem de corrigir erros de procedimentos. Ele evitou falar nas declarações de Gilmar Mendes e ponderou que pode ser que o seu colega “tenha falado mais, por ter mais dados sobre o caso”, mas afirmou que o momento é “de se pensar no fortalecimento das instituições”.

Para completar o imbróglio, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, criminalista que defende 13 políticos e empresários investigados pela Lava Jato, afirmou em artigo que a PGR “possui condições de apurar quantas e quais pessoas tiveram acesso ao documento, já que tais fatos são sigilosos e devem estar na órbita de poucos. “E mais: se não há indícios de crime, pode ter havido eventual abuso de autoridade na lavratura do mencionado anexo”, destacou.

Kakay questiona que o ministro Dias Toffoli teria sido citado em um anexo de delação premiada, ainda que sem nenhum tipo de irregularidade. “Corre uma história de que alguns investigadores, não raro, pedem para que sejam mencionadas pessoas do Poder Judiciário em depoimentos, como condição para a celebração de acordos”, diz. “Será mesmo que existe esse direcionamento criminoso para tentar atacar e enfraquecer nossos juízes? Seria um escândalo (…) Todos queremos o enfrentamento da corrupção, mas, se o fizermos sem o respeito às garantias constitucionais, sairemos deste embate como um país punitivo e obscurantista. Só o respeito à Constituição garantirá um futuro melhor”, afirma o criminalista.

Negociações canceladas

Ontem (23), Janot anunciou que cancelou as negociações para delação premiada de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS. O procurador-geral também negou que tivesse sido feita qualquer menção nas conversas de Pinheiro sobre o ministro Dias Toffoli. Janot afirmou que as informações, divulgadas por uma revista semanal, são falsas, e que notícias infundadas de vazamentos estão sendo armadas por determinados setores, como forma de atrapalhar as investigações e criar uma crise entre as instituições.

O ministro Gilmar Mendes não se manifestou. As referências feitas ao ministro Dias Toffoli dizem respeito a uma história que teria sido contada por Leo Pinheiro aos procuradores dando conta que, numa conversa em evento social, o ministro falou sobre consertos que precisavam ser feitos na sua casa. E, sem qualquer acerto neste sentido, ao saber disso, a OAS encaminhou técnicos para a residência de Toffoli para fazerem tais reparos. O magistrado, no entanto, procurou a empreiteira e fez questão de pagar todo o serviço.

Como os fatos não têm ligações com as denúncias da Lava Jato, nos bastidores do STF, o que se comenta é que os ministros estão enfurecidos com a inclusão destes itens na delação de Leo Pinheiro – uma vez que além de não terem qualquer caráter que envolva o ministro no caso, nada têm a ver com o fato que está sendo investigado.

A iniciativa foi vista como uma forma de integrantes do MPF tentarem constranger magistrados durante os trabalhos da força-tarefa. E, sobretudo, como uma forma de retaliação pelo fato de Toffoli ter concedido, recentemente, habeas corpus para soltar o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo – preso num dos desdobramentos da operação.