Eleições

Em voto político contra doações de empresas, Barroso propõe diálogo entre STF e Congresso

Ao se pronunciar a favor da proibição de pessoas jurídicas financiarem partidos e candidatos, ministro do STF leva placar a 4 a 0. Pedido de vista de Teori Zavascki adia decisão

Carlos Humberto/SCO/STF

Barroso: “Não basta coibir o financiamento por empresas, é preciso baratear o custo das eleições”

São Paulo – Ao proferir seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a doação de empresas privadas a partidos e candidatos, o ministro Luís Roberto Barroso foi além das questões jurídicas e propôs um “diálogo institucional” do Supremo Tribunal Federal com o Congresso Nacional no sentido de o país fazer uma reforma política. “Não basta coibir o financiamento por empresas, mas (é preciso) baratear o custo das eleições”, disse Barroso.

O ministro afirmou que “é hora de o poder legislativo se reinventar”, negou que o Supremo esteja invadindo a competência do Legislativo e ressaltou que cabe ao próprio Congresso resgatar sua credibilidade junto aos cidadãos. “O Poder Legislativo é o formador por excelência das decisões políticas. Substituir a política pela judicialização ou a tecnocracia é um erro. O que é preciso é fazer com que a política tenha credibilidade”, disse. “É preciso uma reforma verdadeira que reconstitua sua empatia com a sociedade, e cabe a ele (Congresso) fazer isso.”

Com o voto de Barroso, o pedido da OAB pela extinção da participação financeira de empresas no processo eleitoral vai vencendo o julgamento por 4 votos a zero. A definição foi adiada por pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Não há previsão de data para a retomada do julgamento.

Ao refutar a tese do Advogado-Geral da União, ministro Luís Inácio Adams, de que a discussão sobre o financiamento de campanha deve ser equacionada no âmbito do Congresso Nacional, e não pelo STF, Barroso declarou que “o papel do Judiciário é minimizar as desigualdades, e o atual modelo (eleitoral) as potencializa”. Ele citou, como exemplos de julgamentos em que o tribunal exerceu papel relevante aqueles nos quais a corte reconheceu a união estável de casais do mesmo sexo e a interrupção de gravidez de feto anencéfalo. São casos em que o tribunal julgou “para superar entraves inevitáveis da política, entraves que não a desmerecem”.

De acordo com Luís Roberto Barroso, o país precisa superar “a tradição ibérica do estado que não separava a fazenda do rei da fazenda do reino, o público do privado. E porque há essa tradição patrimonialista e antirrepublicana é preciso a atuação do Judiciário”.

Barroso justificou o voto dizendo também acreditar que muitas pessoas jurídicas são impelidas a fazer doações a campanhas. “Boa parte das empresas ficará aliviada de não precisar se ver obrigada a doar o que não gostaria de doar. Faz-se isso ou por medo ou por interesse.” Afirmou não ser contra “a priori” a participação de empresas no processo eleitoral e propôs uma solução legislativa, que por exemplo proíba a empresa que fizer doações de participar de licitações e ter relações com o poder público.

Reforma política

Como alternativa ao modelo eleitoral brasileiro, que, segundo ele, favorece o patrimonialismo, “é um foco antirrepublicano e de corrupção”, Barroso defendeu a proposta de reforma política anunciada pela OAB em junho – junto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) – e enviada como anteprojeto à Câmara dos Deputados. A OAB defende um sistema eleitoral em dois turnos para eleições proporcionais: no primeiro, o eleitor vota no partido; no segundo, nos candidatos.

Antes de Barroso, o ministro Dias Toffoli também havia votado pela inconstitucionalidade da doação por empresas. “A cidadania não é exercida por pessoa jurídica, que não pode votar nem ser votada.” Segundo Toffoli, a Constituição consagra que “o voto da pessoa mais rica vale o mesmo que o da pessoa mais pobre” e “o direito à cidadania é uma cláusula pétrea”.

O ministro Gilmar Mendes não votou, mas indicou que votará a favor das doações de empresas, discordando da maioria que já se pronunciou. Ele disse ser contrário à dicotomia segundo a qual “o que é financiamento público é democrático e o que é privado é pervertido”. “As empresas podem apoiar, sim, quem as vai representar legitimamente”, afirmou Mendes.