Voto aberto

Em nova votação, deputados ‘mostram a cara’ e cassam mandato de Donadon

Desta vez, deputados decidiram pela perda do mandato do colega, que cumpre pena por peculato e formação de quadrilha. Sessão marcou nova era na Câmara, segundo parlamentares

Gustavo Lima/Agência Câmara

O mandato de Donadon, que cumpre sentença por peculato e formação de quadrilha foi cassado por 467 votos favoráveis

Brasília – “Brasil mostra a tua cara”. A forte frase da letra de Cazuza foi ironizada e repetida exaustivamente por vários observadores, ontem (12), na Câmara dos Deputados, durante sessão extraordinária que cassou o mandato do deputado Natan Donadon (sem partido – RO). Durante mais de três horas de discussão, os parlamentares mudaram a decisão deles próprios em agosto passado e, desta vez, por 467 votos favoráveis, destituíram o colega, que atualmente cumpre sentença por peculato e formação de quadrilha, em regime fechado no presídio da Papuda, no Distrito Federal.

Um único deles, o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), absteve-se de votar com o argumento de que não se sentia à vontade para cassar um colega. Ele também é réu em processo (que já resultou, inclusive, em decisão judicial e está na fase de apreciação de recursos apresentados pelos seus advogados).

Outros 17 deputados registraram presença na Câmara, mas não apareceram no plenário na hora da votação, enquanto 27 deputados não registraram presença (ou porque não estavam na Casa ou não quiseram participar da votação, sem oficializar a abstenção e “mostrar a cara”).

A cassação de Donadon não encobriu o fato, lembrado repetidas vezes, de que, enquanto na última sessão, 131 parlamentares votaram pela manutenção do mandato do deputado rondoniense, na de ontem, quando eram necessários 257 votos para vê-lo cassado, outros 210 a mais ampliaram o coro. Foi destacado de tudo: que o ano é eleitoral, que a sessão tinha efeito similar à lendária espada de Dêmocles – agora sobre as costas dos parlamentares – e, também, os argumentos mais coerentes: de que a situação, constrangedora para o Congresso Nacional, não poderia continuar, com um dos deputados condenado pela Justiça e cumprindo pena em presídio.

‘Nome e sobrenome’

Segundo o advogado de Donadon, Michel Saliba Oliveira, que falou no plenário em sua defesa, as pessoas da família ou ligadas a ele foram procurados por vários deputados nos últimos dias para se justificar dizendo que iriam votar, desta vez, pela cassação, mas apenas porque não teriam como enfrentar o desgaste perante a mídia e os eleitores, diante de uma sessão aberta.

Teriam colocado que, embora sentissem, sendo este um ano de eleições, não teriam como agir diferente. “Infelizmente, pela primeira vez essa Casa resolve repetir uma sessão para julgar os mesmos fatos, desconsiderando decisão que os seus integrantes já tinham tomado. Será que aquela mesma votação também seria desconsiderada se o deputado tivesse sido cassado?”, indagou o advogado, numa forma de dar a entender que seu cliente estaria sendo usado para resgatar a imagem do parlamento perante a população.

“Constrangedor é que esta Casa precise mandar correspondências para um presídio para que possam chegar até um deputado. Precisamos resolver a situação agora”, rebateu, logo depois, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Naquela noite de agosto, nós já chamamos a atenção para a importância de o voto ter nome e sobrenome. Precisamos passar por esta sessão novamente para formalizar o que já deveria ter acontecido lá atrás”, enfatizou Carmen Zanatto (PPS-RS).

“Esse foi o pontapé inicial que precisávamos”, disse o líder do Psol, Ivan Valente (SP), ao destacar que as sessões, a partir de agora, tenderão a ser mais democráticas e transparentes. Valente integra a Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto, que pede não apenas a votação aberta em casos de cassação de parlamentares, mas em relação a demais matérias polêmicas.

Outro a falar, Fernando Francischini (SDD-PR), chamou a atenção para a necessidade de ser corrigido um erro da Câmara. “Temos um dever moral e ético com o nosso País, a não ser que queiramos deixar esta Casa na lama”, afirmou Francischini. Vários dos parlamentares reiteraram que o voto aberto foi uma reivindicação manifestada pelas ruas, durante as manifestações de junho passado.

O líder do PSB, Beto Albuquerque (RS), autor da representação que pediu uma nova votação, foi lacônico: “Deputado preso não tem direitos políticos e, portanto, não pode ter diploma de deputado”, colocou. “Trata-se de uma noite constrangedora para nós, voltar a decidir sobre a cassação de um colega, mas precisamos cumprir com o nosso dever”, enfatizou, por sua vez, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Como última estratégia, o advogado de defesa de Donadon entrou, nos últimos dias, com uma representação pedindo que a votação acontecesse de forma secreta novamente, uma vez que a abertura do processo contra o deputado ocorreu antes da promulgação da Proposta de Emenda Constitucional referente ao voto aberto. Não obteve resultado porque, conforme estabelece a legislação, toda mudança constitucional tem aplicação imediata.

Sessões diferentes

Ao ler seu parecer, o relator da representação, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), explicou que as sessões são diferentes porque o processo de cassação tem objeto diverso do anterior. Segundo ele, a sessão de agosto avaliou se um parlamentar condenado pela Justiça deveria continuar como parlamentar. E esta última, decidiu se houve ou não quebra do decoro parlamentar por parte de Donadon ao descumprir o regimento e votar a favor dele mesmo. “Não interessa o fato de que ele não sabia ou não foi orientado a respeito. Cabe a um parlamentar conhecer o regimento da Casa”, salientou.

Natan Donadon foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal(STF) a pena de reclusão de mais de 13 anos. Foi configurado crime de peculato e lavagem de dinheiro por conta do  desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia em fraudes observadas em diversos contratos. A manutenção do seu mandato após a condenação, ratificada pelos deputados em sessão secreta, chamou a atenção da sociedade e gerou protestos em todo o país.

Na ocasião, ainda não tinha sido aprovado o projeto que mudava o sistema de votação para casos de cassação de mandato parlamentar – e a votação secreta permitiu que o deputado recebesse o apoio dos colegas. Pouco tempo depois, Donadon foi licenciado pelo presidente da Casa, uma vez que, como estava detido no presídio, não tinha condições de cumprir com suas funções parlamentares. Após a aprovação do voto aberto, o PSB entrou com a representação na Câmara pedindo para ser realizada uma nova sessão para tratar do tema.

O autor, Beto Albuquerque, apresentou como motivo para a representação o fato do deputado ter quebrado o decoro parlamentar, por ter votado na sessão em sua defesa (o que é proibido pelo regimento interno), e também por ter saído algemado da Câmara, após a mesma sessão, de volta para o presídio – o que causaria prejudicaria a imagem da Casa.

‘Bode expiatório’

Natan Donadon, que recebeu autorização judicial para ir até o Congresso ontem, entrou e saiu algemado, foi acompanhado durante todo o tempo por policiais, ficou numa sala reservada para ele para que não pudesse circular entre os colegas antes da votação (uma determinação do juiz) e alternou momentos de tranquilidade com outros de nervosismo. No início, ainda conversou com uns poucos que se aproximaram e depois optou por permanecer sentado, aguardando o resultado.

Ao sair, demonstrou interesse em falar com os jornalistas, para quem disse que estava sendo “injustiçado”, “perseguido político” e “usado como bode expiatório”. Chegou a prometer dar entrevista para comentar o resultado, mas não teve tempo: mal acabou a votação, foi levado pelos policiais que o tinham acompanhado, de volta para o presídio da Papuda.

Ao ser questionado se não estaria constrangido por estar ali, Donadon afirmou que “quem é inocente não foge da raia”. “A convicção da minha inocência me fez vir aqui. A votação aberta constrange os congressistas. A Câmara me absolveu e fico me questionando o que estou fazendo naquela prisão. Eu deveria estar aqui, legislando, trabalhando”, colocou.

“Apesar da vitória para o país como um todo, na realização de sessões com voto aberto nesse tipo de situação, sabemos que houve um oportunismo desmedido de muitos que votaram pela cassação, mas isso era esperado. O importante é que, daqui por diante, comece a surgir uma nova cultura no país nos sentido de ampliar o voto aberto”, analisou o mestrando em Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB), Cesar Oliveira, que foi ao Congresso para assistir à sessão, ao lado de outros sete colegas.

Com a cassação de Natan Donadon, o ex-senador Amir Lando (PMDB-RO), seu suplente, passa a assumir a vaga em caráter definitivo. A posse de Lando deve acontecer ainda nesta quinta-feira (13).

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