Balanço do dia

CPI da Covid: estratégia bolsonarista foi distorcer fatos, mentir e atacar a Pfizer

Senadores aliados tentam justificar a omissão negacionista do governo de Jair Bolsonaro. Jean-Paul Prates sugere “alguma razão macabra” por trás da tentativa sistemática de desqualificar a farmacêutica

Edilson Rodrigues/Agência Senado
Edilson Rodrigues/Agência Senado
Observado por Randolfe e Renan Calheiros, Executivo da Pfizer foi alvo de grosserias e ataques negacionistas da tropa governista na CPI

São Paulo – A sessão da CPI da Covid desta quinta-feira (13) foi marcada pela sistemática tentativa de senadores governistas de desqualificar e atacar a credibilidade da farmacêutica Pfizer. A intenção foi justificar e mesmo respaldar a omissão negacionista do governo de Jair Bolsonaro. A estratégia foi rebatida por vários parlamentares de oposição, respaldados pelas informações transmitidas pelo CEO da multinacional norte-americana para a América Latina, Carlos Murillo, ouvido na sessão.

Uma das insinuações dos senadores bolsonaristas, como Eduardo Girão (Podemos-CE), foi o de que a Pfizer queria vender as vacinas antes de terem sido aprovadas pelas agências regulatórias, seja a brasileira Anvisa ou a norte-americana FDA. Com isso, o governo Bolsonaro não poderia ter iniciado a vacinação em dezembro, de acordo com eles. Porém, o argumento era uma falácia.

Em 14 de dezembro de 2020, uma segunda-feira, três dias após autorização da Food and Drug Administrationo (FDA), a vacinação começou nos Estados Unidos e em três países da América Latina: Chile, Costa Rica e México. A bravata governista pode ser facilmente desmentida com uma simples consulta na internet, como observou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AC). “Se tivéssemos adquirido e começássemos a vacinação em 14 de dezembro, quantas vidas não teriam sido salvas?”, disse.

O Palácio do Planalto ignorou ofertas de 70 milhões de vacinas da Pfizer em 2020. O Brasil poderia ter contratado, além dessas, outras 100 milhões em março e mais 100 milhões, em maio deste ano. Apesar dos percalços, segundo o CEO da Pfizer, o Brasil deve receber 100 milhões de doses até setembro. Serão 200 milhões contratadas para 2021. O primeiro contrato da empresa com o governo federal só foi firmado em março de 2021.

Mais falácias

Outra argumentação dos bolsonaristas contra a empresa foi a de que o atraso na assinatura do contrato se deu devido às “cláusulas leoninas” exigidas pela Pfizer, como alegou o ex-ministro Eduardo Pazuello no ano passado, em suposta defesa do que o Planalto classificou como “soberania” brasileira. O governo contestou a necessidade de conta no exterior para se fazer o pagamento dos lotes de vacinas e também a nomeação de um tribunal de arbitragem em Nova York para resolver pendências. Exigia ainda que a Pfizer se responsabilizasse contratualmente por eventuais efeitos colaterais provocados pelo imunizante.

Questionado por Jean-Paul Prates (PT-RN), Carlos Murillo afirmou que esses critérios do contrato ofertado são padrão mundial e “foram discutidos com 110 países com que a Pfizer assinou”. Todas essas nações consideraram as cláusulas corretas, até porque são usadas internacionalmente. Por razões óbvias, Murillo foi diplomático ao ser questionado se houve mais dificuldade em negociar com o Brasil. “Não posso comentar objetivamente, porque cada país é diferente.”

Razão macabra?

Em coletiva após a sessão, Prates explicou que a CPI precisa apurar se há má-fé na questão das vacinas, por parte do governo ou seus defensores. “Quando eu digo má-fé, é que, por alguma razão macabra, pode ser interessante a pandemia perdurar mais, já que se defende tanto medicamentos (como a hidroxicloroquina) sem validade e outras posturas estranhas”, disse o petista.

Na sessão de hoje, os bolsonaristas usaram fartamente de expedientes “de baixo nível”. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), por exemplo, perguntou a Murillo se concorda que a Pfizer deveria ser processada por atrasos na entrega de vacinas na Itália. O executivo da empresa respondeu que não pode responder por situações globais, já que é responsável pela região da América Latina, e acrescentou: “desconheço esses contratos e não sou advogado”.

Disse ainda que, devido à complexidade mundial da pandemia e a disponibilidade de matérias primas, pode haver atrasos devido ao “gargalo” da produção em relação à crescente demanda. Segundo Murilo, a estimativa de produção da vacina, que, no início do ano era de 1,3 bilhão de doses até o fim de 2021, foi ampliada para 3 bilhões. Bezerra Coelho foi além. Perguntou se a Pfizer poderia estar incorrendo em “violação da saúde da população”. “Não poderia responder”, devolveu Murilo.

Fanatismo e mentira

Luis Carlos Heinze (PP-RS), defensor incondicional da cloroquina, voltou a bater na tecla do alegado atraso na Itália. Ele perguntou se a empresa recebeu proposta de propina do governo – para depois dizer que a gestão Bolsonaro não adota tal prática – e afirmou ainda: “A empresa quer vender, não é um negocinho, são dois bilhões de dólares. É um negócio interessante”, insinuou.

O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), interrompeu. “Essa empresa é uma das mais respeitáveis do mundo, uma das mais relevantes plantas industriais. O que vossa excelência está falando traz graves prejuízos comerciais à empresa. Essa comissão não pode permitir isso”, disse.  

Como em todas as sessões, Heinze reiterou a mentira de que o Brasil está em quarto lugar no ranking de cidadãos vacinados, e que “hoje vacinamos mais do que a Inglaterra”. A verdade é que o Brasil está 58º lugar no ranking mundial, segundo matéria da CNN de terça-feira (11), considerando o número de doses a cada 100 habitantes e não o número absoluto de doses aplicadas.

No final da sessão da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Psol-AP), vice presidente da CPI, afirmou ser “inadequado fazer qualquer tipo de ataque a laboratórios que estão salvando vidas”. O senador agradeceu ao representante da Pfizer “e todas as empresas” que estão fornecendo imunizantes. “Reitero o compromisso de trabalhar com o governo do Brasil”, concluiu Carlos Murilo.