Fatos novos

Após atas de ‘reuniões sigilosas’, cúpula da CPI da Covid deve pedir reabertura de inquéritos

Série de reportagens da Agência Pública revela conteúdo de 233 sessões do comitê criado por Bolsonaro para “combater” a pandemia. Senadores planejam encaminhamentos

Ag. Senado e Arquivo EBC
Ag. Senado e Arquivo EBC
A conduta de Jair Bolsonaro frente à pandemia que matou cerca de 700 mil brasileiros pode voltar a ser investigada, após reportagens da agência Pública

São Paulo – Após série de reportagens da agência de jornalismo investigativo Pública, senadores que comandaram a CPI da Covid em 2021 se preparam para pedir a reabertura de inquéritos arquivados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Em seis matérias publicadas dentro do projeto A Caixa Preta de Bolsonaro, são revelados, com detalhes, atas de 233 reuniões sigilosas entre diversos membros e órgãos federais com detalhes de como o governo de Jair Bolsonaro conduziu o combate à covid-19 ao longo de 2020 e 2021.

Os documentos não chegaram às mãos da CPI à época. Eles mostram, por exemplo, que o Ministério da Defesa se empenhou na produção de cloroquina, comprovadamente ineficaz para o tratamento da doença; como o governo se omitiu em relação à crise sanitária em Manaus; o conflito de interesse entre fabricantes de vermífugos sem eficácia para covid; e que o governo chegou até mesmo a cogitar a criação de um dia nacional do tratamento precoce. A Pública prepara novas reportagens da série para os próximos dias.

Clique aqui para ler cobertura completa do projeto A Caixa Preta de Bolsonaro.

À agência, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), que presidiu a CPI da Covid, e Renan Calheiros (MDB-AL), que foi o relator, afirmaram que vão pedir à PGR que volte a analisar o relatório final dos trabalhos da comissão. “Nós vamos pedir ao STF para reabrir algumas investigações que a própria PGR arquivou, com base nesses documentos que estão sendo divulgados”, disse Calheiros. Aziz informou que a cúpula que comandou a CPI vai se reunir após o carnaval para discutir os encaminhamentos.

No entanto, Calheiros avalia que o pedido deverá ser feito após a saída do atual procurador-geral Augusto Aras, em setembro, uma vez que ele é visto como aliado de Jair Bolsonaro.

“É uma pena que para as autoridades competentes que nós encaminhamos o relatório da CPI, como para a PGR, as coisas não andaram. É lógico que tendo fatos novos, eles podem ser estendidos àquilo que já tínhamos tratado”, ressaltou. “Fatos novos são importantes para pedirmos a reabertura das investigações”, acrescentou.

O relatório final da CPI da Covid sugeriu o indiciamento de 80 pessoas. Além de Jair Bolsonaro, seus filhos, ex-ministros, deputados federais, médicos e empresários. Com base nas conclusões da comissão, a PGR abriu dez investigações preliminares contra Jair Bolsonaro, ministros e aliados do ex-presidente, mas já solicitou o arquivamento de ao menos nove.

Por sua vez, a presidenta do STF, Rosa Weber, negou a solicitação da PGR em três inquéritos. Neles, Jair Bolsonaro é investigado por charlatanismo, prevaricação durante a pandemia e emprego irregular de verba pública.

Abrindo a caixa-preta

Para este especial, a Agência Pública acessou 806 páginas de atas de reuniões realizadas na Sala 97 do Palácio do Planalto pelo Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19 (CCOP) entre março de 2020 e setembro de 2021.

O CCOP foi criado a partir de um decreto de Bolsonaro logo no início da pandemia, em 24 de março de 2020. Segundo o governo, o objetivo era “a integração dos trabalhos dos órgãos da Administração Pública Federal e de Instituições Públicas e Privadas para combater os impactos causados pela pandemia do novo coronavírus.”

As reuniões envolveram representantes de 26 órgãos da Esplanada, incluindo os principais ministérios, agências reguladoras, bancos públicos, a Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

A reportagem buscava acesso às atas desde 2020 por meio de pedidos na LAI, mas foi barrada várias vezes com negativas do governo Bolsonaro, incluindo uma decisão do próprio Walter Braga Netto. O governo alegou na época que as atas tinham “natureza preparatória” e que os temas tratados pelo CCOP “possuem caráter muitas vezes continuados, que perduram, estratégicos e de sensibilidade, ainda passíveis de decisões definitivas”. Ao criar os documentos, a Casa Civil não adotou um grau de sigilo definido pela LAI (reservado, secreto ou ultrassecreto). Na prática, a recusa do governo instituiu um sigilo eterno.

Clique para ler a cobertura da RBA sobre a comissão do Senado que investigou a conduta de Bolsonaro frente à pandemia