Reginaldo Nasser

Análise: fala de Lula sobre guerra na Ucrânia reflete posição de sempre buscar a paz

Professor de Relações Inernacionais da PUC-SP avalia entrevista do ex-presidente à revista norte-americana: “mesma posição da maioria dos países fora da aliança ocidental”

Revista Time/reprodução - ©Sputnik News
Revista Time/reprodução - ©Sputnik News
Lula condena a invasão da Ucrânia pela Rússia, deixa claro que a considera contra o direito internacional. Mas também avalia que Estados Unidos, Otan e Zelensky não têm sinalizado para a paz em nenhum momento

São Paulo – As críticas negativas patrocinadas pela mídia tradicional à fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra na Ucrânia, em sua entrevista à revista norte-americana Time, não se justificam. Lula disse, entre outras coisas que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, é tão “responsável” pela guerra quanto o russo Vladimir Putin. “Porque numa guerra não tem apenas um culpado”, disse. Para Reginaldo Nasser, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP, a opinião de Lula não deveria causar nem surpresa, nem provocar críticas. Primeiro, porque o ex-presidente expressa a mesma posição da maioria dos países que estão fora da aliança da Europa ocidental.

“Lula condena a invasão da Ucrânia pela Rússia, deixa claro que a considera contra o direito internacional. Mas também avalia que Estados Unidos, Otan e Zelensky não têm sinalizado para a paz em nenhum momento. E enfatizou que é preciso diálogo.” Nasser observa que os países não-membros da aliança atlântica, quando puderam expressar suas posições no decorrer da crise,  votaram majoritariamente contra a invasão, mas condenaram a forma como o processo é conduzido.

Lula comentou sobre Zelensky: “E agora, às vezes fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos. Esse cara é tão responsável quanto o Putin”. O ex-presidente não poupou nem mesmo o colega dos Estados Unidos. “(Joe) Biden poderia ter evitado (a guerra), em vez de incitado”, disse. “Ele poderia ter participado mais. Biden poderia ter tomado um avião para Moscou para conversar com Putin. Esse é o tipo de atitude que você espera de um líder.”

Arsenal

O Ocidente está fornecendo bilhões em armas à Ucrânia. Na semana passada, Joe Biden propôs uma ajuda extra a Kiev de astronômicos 33 bilhões de dólares a serem gastos em armas sofisticadas. “Em nenhum momento Biden fez qualquer sinalização para ajudar na paz”, lembra Nasser. A fala do petista, segundo o jornal britânico The Guardian, considerado de “esquerda” (para os padrões europeus), “provavelmente causará espanto nos EUA e na Europa”.

“África, países do Oriente Médio, Ásia, China, Índia, África do Sul têm manifestado posição equilibrada e prudente, o que na época da Guerra Fria se chamava neutralismo, por parte dos países não-alinhados nem com o bloco liderado pelos EUA e nem com o liderado pela União Soviética”, aponta o professor. “A posição de Lula se parece bastante com essa dos não-alinhados.” Para Lula, Zelensky “quis a guerra”. “Se ele não quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais.”

Países dos Brics

Nasser chama a atenção para o fato de que, pelo menos até agora, nenhum estadista importante contestou Lula e o protesto da Embaixada da Ucrânia é mais do que natural. A posição do ex-presidente brasileiro, de resto, coincide com a dos países do Brics, bloco formado, além da Rússia, por Índia, China, África do Sul e o próprio Brasil. Como a da Turquia, que condenou a invasão, mas também a forma dos EUA agirem.

“Como a visão de demonizar a Rússia é predominante, esperava-se um alinhamento com os Estados Unidos, vindo de alguém de um país da América do Sul. Mas que posição querem de Lula? Elogiar os EUA e condenar a Rússia? Queriam que Lula fizesse saudação a Zelensky e Biden”, questiona o professor.

Lula, Chomsky e o papa

O segundo motivo pelo qual a fala de Lula não deveria causar surpresa é ainda mais óbvio, como observa Reginaldo Nasser. A posição sequer deveria ser surpresa, diante da política externa do próprio governo Lula, que sempre trabalhou pelo diálogo e pela paz. Em 2010, junto com o turco Recep Tayyip Erdoğan, Lula foi protagonista das negociações com o Irã por um acordo nuclear.

Ontem, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald defendeu, em seu Twitter, a posição do petista. “Se Lula, Chomsky e agora o Papa estão todos dizendo mais ou menos do que a mesma coisa sobre a Ucrânia, é um pouco difícil para os esquerdistas ocidentais continuarem a insistir que a ‘Única Posição de Esquerda Real’ é marchar atrás da Otan e da comunidade de política externa dos EUA em alimentar a guerra”, ironizou o jornalista.

Em entrevista ao jornal italiano Corriere Della Sera publicada na segunda-feira (2), o Papa Francisco afirmou, sobre as causas da guerra, que a “ira” do Kremlin foi “facilitada” pelos “latidos da Otan às portas da Rússia”.

Ricardo Stuckert/Biblioteca da Presidência
Em 2010, Lula foi protagonista de diálogo histórico com o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e do turco Recep Tayyip Erdoğan Ricardo Stuckert)


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